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MP do Trabalho avança duas casas no desmonte do estado social

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Perda ou precarização do emprego terá consequências devastadoras para a população
 
Preservar o emprego e a renda dos mais pobres —ao lado de medidas de proteção da saúde da população— é o que mais importa neste momento. Essa, porém, não parece ter sido a principal preocupação do governo ao editar a Medida Provisória 927, neste domingo.
 
Sem renda ou salário, uma imensa parte das famílias perderá as condições mínimas de subsistência. Em um país tão desigual como o Brasil, em que cerca de 70% dos empregados recebem até 3 salários mínimos, a perda ou precarização do emprego terá consequências devastadoras para largas parcelas da população.
 
Ainda que o artigo 18 da referida MP, que permitia simplesmente a suspensão do contrato sem qualquer contraprestação, tenha sido revogado horas após a sua publicação, em decorrência de uma rápida e avassaladora reação da sociedade e das demais instituições, a sua mera proposição dá a dimensão da irresponsabilidade do governo. O recuo do presidente, mantendo outros pontos controvertidos da MP, confirma a estratégia do poder executivo de dar três passos à frente, recuar um, e, com isso, avançar duas casas no desmonte do estado social.
 
A adoção de medidas voltadas à proteção da saúde financeira das empresas não é apenas legítima, mas essencial. As empresas precisam, sim, ser ajudadas neste momento, até porque delas depende grande parte dos empregos. Para isso, além abertura de crédito e medidas no campo tributário, países como França, Dinamarca e mesmo os Estados Unidos criaram mecanismo de transferência de recursos para os trabalhadores, de forma a aliviar o peso do salário para as empresas.
 
Na Inglaterra, o governo conservador de Boris Johnson (frise-se o termo “conservador”) decidiu arcar com 80% do salário de empregados, até o teto de duas mil e quinhentas libras, sob condição de que os empregos sejam mantidos. Evidente que a situação dos cofres brasileiros não se assemelha a dos ingleses. Ainda assim, o governo deveria ter aberto recursos para recompor as perdas salariais e, com isso, favorecer o próprio mercado consumidor.
 
Permaneceram na MP outras questões juridicamente obscuras. O artigo 2º. conferiu um ardiloso cheque em branco para empregadores, na medida em que possibilitou que acordos individuais se sobreponham aos acordos coletivos e à própria lei. Isso frustra não apenas a Constituição, mas vai também na contramão do que dispõe a Convenção 98 da OIT. Não devemos nos surpreender se esse dispositivo for utilizado, entre outras coisas, para reduzir salários, o que é vedado pelo artigo 7º., VI da Constituição Federal.
 
Outro aspecto preocupante diz respeito à atuação dos auditores do trabalho, que passarão a agir de maneira apenas orientadora, não podendo mais autuar empregadores que violem preceitos básicos de segurança no trabalho, salvo algumas exceções, frustrando assim o artigo 7º., XXII da Constituição Federal.
 
A MP também foi particularmente dura com os profissionais da saúde. Justo eles que estão colocando suas vidas em risco, em benefício da comunidade. Por intermédio do artigo 26, flexibilizou a extensão da jornada desses profissionais, o que certamente os exporá ainda a maiores riscos.
 
A MP 927 não passa de mais uma grande provocação governo, aumentando a tensão política e a insegurança política. Nada nela favorece os trabalhadores, nem mesmo a economia. Por esse motivo deve ser derrubada pelo Congresso Nacional.
 

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