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Insatisfação com leilão do Porto de Santos gera riscos à segurança jurídica
Fonte: Estúdio JOTA
Agentes do setor reclamam de restrição do edital a empresas estabelecidas no local e já acionam a Justiça e o TCU
Antes mesmo da publicação do edital, o leilão do novo terminal do porto de Santos (SP), já foi judicializado. O gatilho foi a decisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antaq) que restringiu a participação na primeira fase do certame — sob a justificativa de garantir a concorrência. Agora, a palavra está com o Tribunal de Contas da União (TCU) e, se a definição sobre o certame não for convincente, há o risco de a insatisfação desaguar em judicialização e insegurança jurídica.
Antes mesmo da publicação do edital, o leilão do novo terminal do porto de Santos (SP), já foi judicializado. O gatilho foi a decisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antaq) que restringiu a participação na primeira fase do certame — sob a justificativa de garantir a concorrência. Agora, a palavra está com o Tribunal de Contas da União (TCU) e, se a definição sobre o certame não for convincente, há o risco de a insatisfação desaguar em judicialização e insegurança jurídica.
A julgar pelo teor das participações apresentadas pelo setor privado e especialistas no painel de referência do TCU sobre o leilão do Tecon Santos 10, a disputa tem tudo para ir parar no Judiciário. A corte de contas promoveu o encontro — uma espécie de audiência pública informal — no final de julho. Foi uma oportunidade de medir a temperatura do debate antes do julgamento da minuta do edital.
A maioria dos participantes reclamou do modelo previsto na proposta de edital daquele que deve ser o maior leilão da história do setor portuário. O Tecon Santos 10 aumentará em até 50% a capacidade de movimentação de contêineres do porto de Santos. O governo estima geração de receita bruta superior a R$ 40 bilhões ao longo do arrendamento.
Atualmente, o porto conta com três incumbentes: as empresas CMA CGM, BTP (Maersk e MSC) e DP World. Cada uma delas já controla um terminal em Santos. Por conta disso, e temendo concentração de mercado, a Antaq entregou uma proposta de concorrência em duas fases. Na primeira, empresas que controlassem terminais no porto não poderiam participar; em seguida, a concorrência seria aberta — mas se a vencedora fosse uma das três, teria que abrir mão do terminal que controlava até então.
Insatisfações e pressões externas
O principal argumento daqueles que discordam da competição em duas fases é de que essa limitação não estava presente na proposta de edital apresentada pela Antaq durante a audiência pública realizada no começo do ano.
De fato, foi o que alegou a Maersk, uma das controladoras da BTP, no mandado de segurança apresentado à Justiça após a deliberação da Antaq. A empresa questionava a decisão da agência de prever duas etapas na licitação. O pedido de liminar foi negado, pois o juiz Paulo Cezar Neves Junior, da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, entendeu que não há prejuízo jurídico no momento, uma vez que o edital ainda não se concretizou.
O magistrado afirmou que “a matéria concorrencial sempre esteve presente nas reuniões da Antaq e nas duas audiências públicas mencionadas”. Segundo ele, “não merece prosperar a alegação da impetrante no sentido de que a restrição concorrencial surgiu de forma ‘superveniente’ e inédita”.
“Eventuais alterações em pontos específicos da minuta, ainda que relevantes, não necessariamente impõem a realização de nova audiência pública”, escreveu na decisão.
Segundo a Antaq, o processo de contribuições públicas somou mais de 500 participações pelo sistema oficial, além de a agência ter contado com pareceres e estudos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, entre outros órgãos.
Com base nisso, o juiz federal afirmou ficar demonstrado que “não se trata de alteração superveniente” e que “todas as contribuições serviram de subsídio para a análise concorrencial”, conforme a Nota Técnica 51/2025/GRP/SRG.
Os argumentos da Antaq
A nota é resultado de um estudo interno que detalhou todo o cenário do futuro leilão do Tecon Santos 10. A decisão do diretor-geral da Antaq, Caio Farias, responsável pela redação da minuta encaminhada ao TCU, utilizou esse estudo como embasamento.
O texto cita outros leilões em que se restringiu a participação de agentes que, em tese, poderiam aumentar a concentração de mercado — como foi o caso das disputas pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e pela área ITG02 em Itaguaí (RJ), entre outros.
A área técnica conclui que a limitação do certame a novos players pode reduzir a concentração nos mercados portuário e o de navegação sem criar discriminações ou outras restrições verticais. Com mais concorrentes e menos concentração, o que se espera é o aumento da chance de clientes migrarem para outro terminal ou armador, o que reduz a força de estratégias discriminatórias como a venda casada.
Como alternativa a uma restrição completa, o gerente de regulação portuária da autarquia, José Gonçalves Moreira Neto, recomendou em despacho vedar, na primeira etapa do leilão, os atuais incumbentes, permitindo a disputa na segunda fase, desde que abram mão dos ativos atuais em caso de vitória. “É imperioso destacar que a política pública setorial privilegia, via de regra, novos entrantes”, escreveu.
Ao comentar a decisão em entrevista ao JOTA, a advogada Marcela Bocayuva, mestre em Direito Público e especialista em Direito Portuário, diz que o indeferimento da liminar da Maersk “mostra que o Judiciário reconheceu a legitimidade da atuação técnica da Antaq” e a decisão “reforça o papel do Estado na defesa da infraestrutura estratégica e sinaliza que o setor portuário brasileiro é mais do que uma via de escoamento de cargas. É uma peça central na arquitetura da soberania nacional”.
Riscos à segurança jurídica
Ainda assim, especialistas ouvidos pelo JOTA avaliam que o risco de judicialização do futuro edital é elevado. Lucas Navarro Prado, advogado especializado em concessões, regulação e concorrência, explica que a insatisfação com o veto aos atuais incumbentes deixa margens para questionamentos na Justiça, o que pode atrasar o leilão.
“Alguém que se sentiu prejudicado poderia mover uma ação dizendo que a restrição não se justifica e pedindo a que o Judiciário determine a retirada da restrição ou liminarmente permita a participação dele já na primeira fase”, avalia.
A Associação Logística Brasil informou, durante o evento realizado pelo TCU, que apresentou quatro denúncias ao tribunal relativas a supostas irregularidades na decisão da Antaq. “A decisão da Antaq é um absurdo. Se o edital sair do jeito que a agência sugeriu, certamente vai ser judicializado”, disse o presidente da entidade, André de Seixas.
Por sua vez, a Antaq sustenta que sua meta é atuar em nome de um mercado mais transparente e equilibrado, abrindo espaço para players que atualmente não estão inseridos nas operações do porto.
Também nesse sentido foi a manifestação de Anderson Pomini, presidente da Autoridade Portuária de Santos, que vinha se manifestando contra a restrição de participantes, mas agora se alinha ao entendimento da Antaq e do governo federal.
“Nós trouxemos esses quadros que reforçam a posição da Antaq. Eu tenho dito, inclusive, que para o porto, seria muito melhor a participação de todas as empresas, porque nós teríamos um número maior de lances e maior outorga. Agora, e para o Brasil? Para o preço dos produtos e para a regulação do mercado?”, ponderou.
Alternativas na mesa
A postura dos participantes do painel do TCU também demonstrou adesão a uma ideia de disputa com uma fase única, que começou a ganhar força. Por essa ideia, qualquer empresa que atingisse os requisitos mínimos do edital estaria livre para apresentar propostas. Porém, se a vencedora já controlar terminal em Santos, terá que deixar a administração daquele que está operando para assumir o novo Tecon Santos 10.
A ideia foi ventilada pelo presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto Freitas de Lima, durante o evento, ao sugerir “medidas menos gravosas” do que a exclusão de interessados no leilão.
Na mesma linha, falou a secretária de Estado de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natalia Resende. Ela entende que a fase única com desinvestimento resolve o problema concorrencial e também a questão da outorga. “A questão de restrição de competição pode prejudicar o valor pago pela outorga, o que, por consequência, prejudica o investimento no porto”, explicou.
Essa medida foi estudada na nota técnica que deu base à minuta do edital, mas a agência do mercado aquaviário ponderou que a estratégia poderia não aumentar o número de agentes no porto nem promover um novo entrante. Isso ocorre, por exemplo, quando o controle do terminal é consolidado por um sócio já existente (que não conquistou o novo terminal e, portanto, não precisaria se desfazer do ativo) ou se o empreendimento for transferido para outro agente estabelecido por meios legais e regulatórios permitidos.
A área técnica da Antaq afirma que a venda de um terminal para viabilizar o novo espaço pode trazer efeitos mistos. Se, por um lado, poderia gerar ganhos de expertise sobre o mercado, por outro, abriria a possibilidade de que informações sensíveis (como estrutura de custos, margens de lucro, segredos industriais e outros dados estratégicos) sejam transferidas de um terminal para outro.
Assim, o risco é que isso reduza a rivalidade no mercado, em vez de aumentá-la. Para evitar isso, seria necessário um reforço regulatório e de fiscalização. “Caso seja adotada essa estratégia, é fundamental que se promova o alinhamento de análises técnicas e decisórias que permitam não haver solução de continuidade no terminal já operado nem início tardio de operação no empreendimento novo”, diz o texto.
Com a palavra, o TCU
De acordo com o calendário apresentado na audiência pública do Tecon Santos 10, a decisão da corte de contas era esperada para agosto. Mas nos bastidores já se trabalha com o edital para setembro. Os demais atos, promete o governo federal, devem ser mantidos. Ou seja, o leilão em dezembro com assinatura do contrato de arrendamento para metade do ano que vem.



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