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'Táxi de navios', carga 'solta' e até chuva alimentam fila no porto de Santos
Fonte: Folha de S. Paulo
Pandemia e altos custos de frete fizeram donos de carga buscarem alternativas de afretamento, o que pode contribuir para maior espera para atracação em terminal
A imagem, à noite, feita do alto, mostra uma série de pontos de luz na barra. A fila de navios se tornou uma reclamação histórica a respeito do porto de Santos. Seria um sinal da demora e dos gargalos logísticos. Mas para quem opera no complexo, nada é tão simples assim.
A área de atracação está a cerca de 10 km da costa, em um espaço de 59 milhões de metros quadrados. Cerca de 70 navios podem ficar parados na região, mas o número pode não refletir o tamanho real da fila se alguma embarcação ficar fora dessa zona.
Para a Autoridade Portuária, a fila acontece por uma série de fatores. Pode ser até uma questão meteorológica: a operação de granel é paralisada quando chove, por exemplo. A sequência de navios à espera de atracação pode ser também atribuída ao aumento do afretamento "break bulk" (as chamadas cargas fracionadas) e à navegação "voyage charter", quando o navio é alugado pelo dono da carga para apenas uma viagem. Uma espécie de táxi de navios.
Na operação chamada de 'break bulk', a mercadoria é içada e colocada "solta", em caixas ou fechadas de outras formas, no porão do navio, mas não em contêineres.
Para especialistas do setor, essa é uma tendência que foi acentuada a partir da pandemia da Covid-19, quando o preço do frete de contêiner disparou. Saiu de US$ 1.100 para US$ 11.109 em setembro de 2021. Houve uma queda nos anos seguintes, mas em 2024 o valor bateu em US$ 8.000.
"O período pós-pandêmico marcou uma revolução na forma do transporte marítimo acontecer. Nós tivemos um gargalo operacional na disponibilidade dos contêineres e isso fez com que armadores e operadores de carga começassem a buscar alternativas. Uma das mais adotadas pela facilidade de adaptação foi o 'break bulk'", afirma Rafael Pedrosa, coordenador do MBA em Gestão Portuária da Unisanta (Universidade Santa Cecília), em Santos.
Trata-se de um modelo mais barato. Encurta o trâmite de carregamento, mas cria um desafio logístico para o posicionamento no porão do navio, porque são produtos de tamanhos, pesos e padronizações distintos.
"Navios de contêineres buscam reduzir a emissão de poluentes. O único jeito é reduzir a velocidade. Isso aumenta o tempo de viagem, e a carga permanece mais tempo a bordo. A consequência é que há menos contêineres em terra, o que aumenta a disponibilidade de carga e o frete vai lá para cima. Diversas cargas migraram para break bulk. E no pós-pandemia, o afretamento de contêiner ficou absurdamente caro por causa dos gargalos", diz Thiago Abreu, diretor-geral da CTI Fracht, empresa de logística integrada.
O afretamento de contêineres também sofreu com questões econômicas e geopolíticas. O ataque dos houthis, milícia do Iêmen que atacou navios no mar Vermelho em protesto contra a guerra de Israel em Gaza, fez o comércio internacional marítimo mudar rotas de embarcações. Empresas da América Latina também foram pressionadas pelo aquecimento da economia americana e por decisões comerciais do México.
"Sem dúvida, houve crescimento na procura por opções ao transporte de contêineres. De acordo com tarifários mais atualizados, considerando apenas o frete marítimo de exportação nos custos de exportação do milho, temos uma variação de 64% entre a modalidade granel [break bulk] e contêiner", afirma Wladimir Mattos, sócio-fundador do Grupo Unimar, empresa de agenciamento marítimo que atua no porto de Santos.
Mas Mattos ressalta que o afretamento de contêineres ainda é a opção mais procurada.
"Isso acontece apesar dos gargalos logísticos. Exportadores de commodities buscam outras opções, mas não é uma mudança simples. É preciso alterar toda a forma de operar [o navio]. O uso do contêiner está consolidado, já faz parte dos usos e costumes do comércio internacional", completa.
É complicado mudar hábitos estabelecidos, da mesma forma que é difícil fugir das principais empresas donas de navio, os armadores. Todas as grandes marcas do setor são estrangeiras, aliás. Uma alternativa de navegação, que também podem fazer volume na fila portuária são os voyage charters, embarcações alugadas para apenas uma viagem, posicionados na barra à espera de um novo frete após serem contratados.
Elas são diferentes do "time charter", que é a locação por determinado período de tempo.
"A vantagem de fazer um afretamento por viagem é que o dono da carga não tem nenhuma responsabilidade. A operação do navio, da tripulação, do combustível, todos os riscos são por conta do armador. O afretador só paga o frete. As empresas maiores, que têm operação específica, preferem time charter porque fazem vários embarques seguidos em diferentes lugares. Mas existem muitas que fazem só voyage charter", afirma Marcela Rosman, diretora da Aries Shipping
A empresa atua como shipbroker, ligando os donos do navio, os operadores e aqueles que desejam fazer afretamento. É quem vai atrás das cargas para os navios que fazem voyage charter e time charter.
O termo, usado por pessoas da Autoridade Portuária, de "táxi de navios", causa estranhamento. É considerado impreciso. Embora o princípio seja o de ter "um passageiro" a cada viagem, pode passar a imagem de que a embarcação fica por dias parada na barra à espera do cliente. Isso é inviável porque custaria muito dinheiro.
A estimativa é que um navio parado, por dia, custe US$ 50 mil ao armador. Ficar fundeado na barra do porto organizado também enseja taxas. Fora desta região, não é algo considerado seguro.
"Navio dificilmente fica sem programação. Pode ser contratado para uma viagem, mas quando descarrega, já tem outra programada. Seja no mesmo porto ou em outro lugar. E [no voyage charter] sempre há um novo carregamento que pode servir a dez exportadores e importadores. Seria como um Uber compartilhado", compara o advogado Marcelo d’Avila, especialista em Direito Marítimo e Portuário, sócio da Pellon Advogados.
Em qualquer situação de afretamento, a preocupação do dono do navio é se resguardar com a demora. E mesmo que seja em "táxis de navios" ou em afretamentos break bulk, ela pode acontecer.
"Santos tem um histórico de fila. Você sabe que, quando chegar na barra, vai esperar dois, três ou quatro dias. Ele [armador] tem de levar em consideração esse atraso na hora de calcular o frete. Ele trabalha com previsões de janelas o mais próximo da realidade. Se houver a possibilidade de ficar ocioso, isso vai se refletir no frete", ressalta Thiago Abreu.
Demora também significa fila e mais pontos de luz na barra vistos à noite.
No afretamento de contêiner, que já tem uma janela de atracação definida em algum terminal portuário, a tendência é que a espera seja menor.
"Tem muita discussão entre armador e dono de carga. A demora gera multas contratuais bem altas, às vezes até o ‘demurrage’ [taxa cobrada quando o tempo de contrato expira]. A multa pode ser até maior que o valor da carga. Isso é uma discussão que envolveu o TCU [Tribunal de Contas da União], que pediu à ANTAQ [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] melhor fiscalização", lembra D’Avila.
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