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Código de Processo do Trabalho trará uniformidade às questões trabalhistas, diz ministro
Fonte: BE News
Confira a entrevista com Alexandre Agra Belmonte, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, ao BE News
Um dos principais articuladores da criação do Código de Processo do Trabalho, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte considera que o texto – que atualmente tramita no Congresso – trará um impacto sensível à tramitação dos processos neste segmento da Justiça. Com procedimentos uniformizados e melhor definidos, as ações devem ganhar celeridade e as relações de trabalho, uma maior segurança. Com exclusividade ao BE News, o ministro fala sobre os impactos do futuro código e ainda sobre o que faltou fazer na reforma trabalhista. Confira os principais trechos da entrevista a seguir.
Ministro, o sr. foi uma das principais autoridades que participaram da elaboração de uma proposta de um Código de Processo do Trabalho (CPT). Desde o final de 2024, o texto tramita no Congresso. Um dos pontos dessa proposta é uma melhor definição das garantias de gratuidade da Justiça. Se isso não for alterado pelo Legislativo, como essa medida facilitará o acesso à Justiça Trabalhista no Brasil?
O anteprojeto segue basicamente as mesmas normas do Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Basta comparar o artigo 98 do Código de Processo Civil com o artigo 73 do anteprojeto de Código de Processo do Trabalho. O Código de Processo do Trabalho, na verdade, não amplia as garantias de justiça, de gratuidade de justiça. Assim como o CPC, ele esclarece o alcance da gratuidade, ou seja, a abrangência da gratuidade. E também, seguindo o Código de Processo Civil, o anteprojeto presume a veracidade da declaração da insuficiência. Quem faz uma declaração assume essa declaração, inclusive para efeitos criminais. E isso não afasta o dever do beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas. Tudo isso está no anteprojeto. O anteprojeto estabelece que, em caso de má-fé, o requerente pagará multa de até cinco vezes o limite máximo dos benefícios do regime geral da Previdência Social. Quanto à questão do impacto, que é o que você me pergunta, você precisa deixar claro que a judicialização no Brasil não é fruto da gratuidade. A clientela da Justiça do Trabalho é, em sua maioria, formada por pessoas de baixa renda. Pelo que é natural, assim, o alto índice de concessão de gratuidade. De acordo com o Censo de 2025, sete em cada dez brasileiros recebiam até dois salários mínimos em 2022. Por outro lado, 33% das demandas trabalhistas são de reclamação por falta de pagamento de verbas rescisórias. Além do fato de que o Brasil é o país com maior rotatividade de mão de obra do mundo, com taxas que chegam a 56%. Então, tudo isso somado ao fato de que a fiscalização no Brasil é ineficiente em relação ao cumprimento das leis trabalhistas, que não se tem aqui no Brasil instâncias administrativas intermediárias para resolução de conflitos, chegamos, então, tranquilamente a causas que justificam essa alta judicialização da Justiça do Trabalho. Então, não é a gratuidade. O problema não está na gratuidade. O problema está em outros aspectos.
O sr. cita a ausência de órgãos de conciliação na Justiça do Trabalho. Por que temos essa lacuna?
As comissões de conciliação prévia foram instaladas de maneira equivocada. Elas quiseram aproveitar os juízes classistas – cuja instituição havia sido extinta. E não era essa a intenção. A intenção era que nós tivéssemos uma instância intermediária, e aí acabou acontecendo que algumas dessas comissões começaram a cobrar pelo serviço, outras quiseram se transformar em tribunais arbitrários e a coisa não deu certo e ficou tudo por isso mesmo. Mas nós precisamos de instâncias administrativas que possam resolver de forma intermediária os conflitos trabalhistas.
E como a criação dessas instâncias está sendo discutida pelo Judiciário? Vai se aproveitar o projeto do Código de Processo do Trabalho para instituir esses órgãos? Ou terá de ser uma iniciativa independente?
Não, isso tem que ser maturado em um processo paralelo, discutido dentro do Judiciário. O judiciário pode ter até alternativas. Por exemplo, na Justiça do Trabalho, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) determina que, em várias fases do processo, o juiz deve atuar como conciliador. Então, a questão da conciliação na Justiça do Trabalho é muito forte. O juiz do trabalho sempre procura.a conciliação, mas isso só não basta. É preciso que se tenha alguma coisa antes que se chegue ao Judiciário. A partir do momento em que nós não temos essas instâncias administrativas e que a fiscalização é ineficiente, que a lei abre brechas, o que acontece é que muitas vezes o empregador não paga e vai pagar na Justiça. E aí ele paga um valor menor do que aquele que o trabalhador teria direito. E o trabalhador até se conforma com isso. Uma total distorção.
“Nós precisamos de instâncias administrativas que possam resolver de forma intermediária os conflitos trabalhistas”
O anteprojeto do Código de Processo do Trabalho também prevê uma melhor definição de prazos e procedimentos. Quais os impactos práticos disso para o tribunal?
O anteprojeto, por exemplo, cuida do procedimento para a concessão e a impugnação da gratuidade, tanto para aquele que pede como também para aquele que quer impugnar a gratuidade. Porque não basta ele afirmar. É preciso que o Código regule a abrangência da gratuidade, o pedido, a forma como é feito, é preciso regular o incidente de impugnação desse pedido. Então, até aqui, não tendo um Código de Processo do Trabalho, cada juiz aprecia a questão do jeito dele. O que dificulta a uniformização e reafirma a necessidade de uma regulamentação.
E por que essa uniformização é tão importante? Quais os impactos dela?
Os tribunais precisam manter sua jurisprudência. E para isso, o papel dos tribunais regionais é fundamental, porque cabe a eles, na verdade, uniformizar as sentenças que são produzidas em seus tribunais. Então, cada regional deve uniformizar as decisões de primeiro grau. E o Código de Processo de Trabalho exige, inclusive, que isso seja verificado. Isso já foi assim. A CLT determinava isso e isso foi revogado na reforma. Infelizmente. O TST é uma corte de uniformização, é verdade. Mas o TST só pode desempenhar esse papel a contento quando as divergências estiverem bem definidas pelos tribunais regionais. Caso contrário, vai ser no atacado.
“Até aqui, não tendo um Código de Processo do Trabalho, cada juiz aprecia a questão do jeito dele”
Com essa uniformização e processos melhor definidos, o senhor acredita que o código possa levar a uma maior celeridade na Justiça do Trabalho?
Sim. A falta de um Código de Processo de Trabalho permite que as varas adotem soluções procedimentais diferentes. Como são poucas as normas processuais trabalhistas – temos as que estão na CLT e o CPC aplicável subsidiário e supletivamente – o que acontece? Cada vara do trabalho ou aplica a CLT por inteiro, ou aplica o CPC por inteiro, ou aplica o misto de CPC com CLT. E quando aplica o misto de CPC com CLT, a vara X aplica de um jeito, a vara Y de outro, a vara Z de outro. Enfim, cada vara acaba tendo um código de processo do trabalho próprio e isso dificulta a uniformização dos procedimentos. Então, para mim, a principal necessidade, a justificativa para um código de processo do trabalho é essa. E para os empresários, é uma segurança muito grande que se tem com um código de processo do trabalho uniformizando os procedimentos. Eu não sei como que isso não tem até hoje. Eu fico até abismado disso não ter, disso não ser uma reivindicação dos próprios empresários.
E por que o senhor acha que essa demanda nunca foi oficializada?.
Eu sinceramente não sei. Nós tivemos algumas experiências anteriores, mas elas realmente não seguiram, não foram para frente ou coisa parecida. Eu tenho a impressão que esse anteprojeto, ele é deveras bom. Ele é de uma qualidade excepcional. Ele veio de uma comissão que integra advogados, procuradores do trabalho, integra ministros do Tribunal Superior do Trabalho, desembargadores e, finalmente, juízes. E tudo isso coordenado pelo grande papa do processo do trabalho no Brasil, que é o professor Manuel Antônio Teixeira Filho, que conhece processo do trabalho e processo civil como ninguém. Acho que ele é um código de grande qualidade e talvez até, por essa razão, tenha encantado num primeiro momento estar nas mãos dele. Mas eu não sei por que isso não aconteceu antes. Sei dizer que este anteprojeto já teve, por exemplo, manifestação expressa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) dizendo que gostaria de vê-lo aprovado. Da OAB, da mesma forma, dizendo que gostaria de vê-lo aprovado. Então, eu penso que é um bom código.
Além da questão da uniformização, da celeridade, da eficiência, que outros pontos o senhor destaca como avanços dessa proposta de código, tanto para o trabalhador quanto para o empregador?
O incidente de formação de grupo econômico, para mim, é um deles. Ele antecede até a decisão do Supremo Tribunal Federal. Já era uma preocupação que o código tivesse realmente uma regulação segura para o reconhecimento desse grupo econômico quando essa questão não viesse bem posta na inicial, ou que na própria inicial tivesse a justificativa adequada. Então, eu penso que só isso já seria um grande avanço. Mas inúmeras questões trabalhistas demandam um procedimento específico para sua resolução e elas precisam de uma regulação. Essa regulação acaba vindo de uma “colcha de retalhos” formada por jurisprudências e normas esparsas aqui ou acolá. No terreno coletivo, até que nós temos realmente normas que levam a uma determinada resolução da questão. Mas no plano do direito individual, muitas coisas nós não temos e isso (a regulação) acaba sendo trazido pela jurisprudência. O que não é bom. Bom mesmo é quando o legislador estabelece as regras do jogo e a jurisprudência apenas interpreta.
Ministro, as atividades econômicas e as atividades trabalhistas no Brasil têm as mais diversas características, como trabalhos de turno, trabalhos à distância, especialmente em setores como o energético e o petrolífero. O anteprojeto chega a se debruçar nessas especificidades?
Nós temos o Direito do Trabalho e temos o Processo do Trabalho. O Direito do Trabalho, ele regula as relações individuais e coletivas de trabalho e diz respeito exatamente a essas questões. O Processo do Trabalho vai apenas regular como que isso vai acontecer. O que é importante é que se coloque tanto para o trabalhador como para o empregador a possibilidade de fazer provas, por exemplo, de que exigências foram cumpridas ou não foram cumpridas. Essa particularidade da prova judicial e até da prova antecipada, por exemplo, tudo isso está bem regulado no anteprojeto do Código de Processo do Trabalho.
O sr. falou sobre a questão da celeridade que a implantação do Código Processual trará à Justiça do Trabalho. Com essa maior celeridade, com uma melhor uniformização, será possível reduzir o volume de processos?
Sem a menor sombra de dúvida. Realmente, o processo do trabalho é o mais rápido de todos. De acordo com pesquisas, a média é de dois anos e meio (para a conclusão de um processo). É uma média muito abaixo das verificadas nas demais áreas jurídicas. Então, o processo do trabalho já é um processo, por si só, rápido. Agora, além de rápido, ele poderia ser mais seguro. E ele será mais seguro se, por acaso, nós tivermos um código dessa natureza. As questões serão resolvidas logo e isso fará com que o processo fique mais rápido.
O sr. vê o futuro Código de Processo do Trabalho como uma ferramenta de justiça social, facilitando o reconhecimento de direitos, tanto de empregadores, quanto de empregados?
Exatamente, tanto de um como de outro, tanto do empregador que agiu da forma que deve agir cumprindo a lei trabalhista, como também do trabalhador que tem o direito ou que não tem. O direito ao processo, como eu disse, ele é instrumental, ele existe para compor os conflitos individuais e coletivos de trabalho. Da mesma forma que é preciso regular a ação de alimentos, de guarda de filhos, de separação, é preciso que o processo de trabalho seja adequado à resolução das questões trabalhistas que tenham conteúdo específico. As tutelas de despedimento coletivo, de reintegração, de greve, de grupo econômico são exemplos clássicos que demandam realmente uma regulação especial.
Analisando agora a reforma trabalhista, qual o balanço que o sr faz dos impactos dela? Avançamos, criamos mais vícios, corrigimos vícios existentes, estamos num saldo positivo?
Olha, a reforma, em um primeiro momento, tinha como mote criar empregos. E, na época, eu lembro que ela não criou um posto sequer de trabalho. Na verdade, se nós tivemos criação de emprego, me parece que foi agora, no atual governo. Mas a reforma trouxe regulações absolutamente necessárias, como foi o caso, por exemplo, do teletrabalho. Por outro lado, e isso foi o ponto forte da reforma, houve o reconhecimento da autonomia privada coletiva, ou seja, daquilo que o sindicato pode fazer. Isso foi muito bom, foi algo que era necessário. Mas a reforma também trouxe exageros, trouxe omissões e o Supremo Tribunal Federal tem cuidado dos exageros. Dou como exemplo o afastamento da limitação, tanto subjetiva como objetiva, da indenização dos danos extra-patrimoniais, porque a reforma restringia ao trabalhador o direito a danos extra-patrimoniais, ao passo que o Supremo Tribunal disse que não.
E o que faltou fazer na reforma?
Faltou ao legislador de 2017, no meu entender, estabelecer a liberdade sindical plena, ou seja, uma nova organização sindical, inclusive com pluralidade sindical. E também regular as relações de trabalho decorrente das plataformas digitais. Isso não foi feito. Poderia ter sido feito, porque as plataformas já existiam na época. Também a questão do trabalhador economicamente dependente. O fato dele não ser empregado não quer dizer que ele não tenha direito. Era preciso regular os direitos do trabalhador economicamente dependente. E também regular a competência da Justiça do Trabalho em relação às questões de trabalho que não são de emprego, mas que estão previstas como competência da Justiça do Trabalho no artigo 114 da Constituição Federal. Sobre as plataformas digitais, o trabalho economicamente dependente, isso já foi feito na Europa e até nos Estados Unidos. Mas aqui no Brasil, ainda não há definição. Essa questão está no Supremo Tribunal Federal, Deus sabe por quê. Porque isso devia estar no Congresso. O Congresso é que devia estar resolvendo essas questões, regulamentando. Não cabe ao Poder Judiciário resolver isso. O Poder Judiciário, ele decide. Mas, realmente, ele decide da maneira que ele acha juridicamente viável. Mas toda vez que se faz uma lei, a lei não é encarada apenas pelo lado jurídico. Ela é encarada por outros aspectos, aspectos de natureza social, aspectos de natureza econômica, aspectos de natureza financeira. É preciso que se tenha um olhar bem maior do que aquele olhar que é dado pelo Poder Judiciário. O Poder Judiciário, ele serve para interpretar normas. Ele serve para interpretar litígios. E não para definir direitos. Definição de direitos, isso daí, quem tem que fazer é o Poder Legislativo.
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