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A verticalização portuária e os ganhos de eficiência para o setor
Fonte: ConJur / Vivian Ribeiro Madsen Figueiredo*
O projeto Tecon Santos 10 protagoniza um dos maiores debates de temática concorrencial do setor de infraestrutura do país. Apesar da atualidade do tema, não é de hoje que a integração vertical entre armadores e terminais portuários figura como alvo de críticas por parte daqueles que, em busca de seus próprios interesses, acabam por transformar o desenvolvimento, a expansão, a eficiência, a otimização e os avanços provenientes da verticalização no setor portuário.
Desde o início de 2025, os setores portuários e marítimos especulavam sobre os termos das minutas que seriam colocados em consulta pública pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), após a remodelagem do projeto que passou a prever o arrendamento de um megaterminal de contêineres. A documentação veio a público em meados de fevereiro sem a previsão de qualquer restrição concorrencial, permitindo a livre concorrência no certame.
Iniciou-se, então, o período de consulta e audiência públicas e, com elas, também se acirrou a discussão acerca da participação de armadores e seus grupos econômicos no processo licitatório. Vale mencionar que a Antaq optou por realizar um estudo concorrencial próprio, de forma concomitante à consulta pública, situação que promoveu grande insegurança aos agentes econômicos e à transparência do certame, pois deixou esse documento de suma relevância de fora do conhecimento público. A agência reguladora escolheu estudar a temática concorrencial e produzir uma nota técnica que não integrou a documentação submetida à consulta pública, tampouco submeteu-a para análise conjunta e prévia pelo Cade.
Análise do TCU
Atualmente, o caso passa por análise do Tribunal de Contas da União (TCU), que recebeu, dentre a documentação técnica e jurídica, a minuta do edital prevendo a realização do certame público em duas etapas, permitindo na primeira etapa apenas a abertura de propostas de empresas não incumbentes. Ou seja, restringe a participação de empresas titulares de contrato ou que possuam qualquer participação societária no mercado de movimentação de contêineres no Complexo Portuário de Santos, bem como qualquer empresa de seu respectivo grupo econômico. Quanto à segunda etapa, as propostas das incumbentes apenas serão abertas na hipótese de não serem apresentadas propostas válidas na primeira.
A vedação de participação de incumbentes na primeira etapa do leilão deixa de fora quatro grupos econômicos que já detêm a operação de três terminais de contêineres em Santos, a MSC e a Maersk, controladoras da Brasil Terminais Portuários (BTP); a CMA CGM, cuja aquisição do terminal Santos Brasil foi aprovada pela Antaq e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) neste ano; e a DP World, empresa de grupo árabe Dubai Ports World, que detém diversos terminais pelo mundo.
Estudo da Antaq
Diante desse cenário, percebe-se que a escolha da Antaq em realizar seu estudo concorrencial não só minou a democracia do certame ao evitar a participação pública, mas também deixou de lado sua segurança jurídica e técnica, ao deixar de submeter o caso para análise prévia do Cade, órgão que detém a competência técnica para analisar questões concorrenciais, cuja oitiva já foi determinada pelo TCU em análises anteriores.
Contudo, apesar de ainda não ter se pronunciado sobre o projeto de leilão do Tecon Santos 10, o Cade analisou o mercado de contêineres Porto de Santos recentemente, quando decidiu pelo arquivamento de um inquérito administrativo originário de uma representação formulada pela Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA), que investigava supostas práticas de self-preferencing (direcionamento preferencial de cargas) por parte da Maersk e MSC na BTP.
A análise desse inquérito foi conduzida de forma conjunta a um outro procedimento preparatório resultante de representação da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), que representou contra as mesmas empresas, alegando que elas se aproveitariam de sua posição no setor marítimo para favorecer os terminais integrantes de seus próprios grupos econômicos, em detrimento dos demais terminais concorrentes.
Avaliação do Cade
A investigação tramitou durante alguns anos e foi objeto de análise econômica pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) e de análise técnica pela Superintendência-Geral (SG) do Cade. O estudo econômico[1] apontou inexistir superioridade incontestável, em termos de eficiências, entre terminais integrados e não-integrados. Deste modo, notou-se que um possível direcionamento de cargas para os portos verticalizados teria respaldo no racional econômico, não promovendo efeitos negativos à concorrência.
A análise técnica da SG[2] destacou que a verticalização é realizada justamente com vistas à integração na cadeia logística, dispondo de condições para aumentar a eficiência das operações. Por esse motivo, e com apoio na análise econômica do DEE, a SG do Cade decidiu pelo arquivamento do inquérito, pois entendeu que a prática denunciada de preferência dos armadores em utilizar os terminais com os quais possuem algum tipo de vinculação em detrimento de seus concorrentes não resulta em prejuízo à concorrência.
Observe-se que a prática de self-preferencing é uma das abordagens utilizadas com maior recorrência pelos críticos da verticalização no setor portuário, e se fez presente ao longo do desenvolvimento do projeto do arrendamento do Tecon Santos 10 e de suas minutas. Contudo, apesar das críticas e acusações, o órgão concorrencial já analisou e declarou que não foram encontrados quaisquer indícios de que a verticalização presente no Porto de Santos, mais especificamente na BTP, resulte em efeitos nocivos à concorrência.
Sem preocupação concorrencial
Desse modo, o posicionamento recente do Cade, apesar de não se referir diretamente ao certame do Tecon Santos 10, ao analisar o Inquérito da ABTRA firmou entendimento no sentido de inexistirem dados econômicos e técnicos que justifiquem a preocupação concorrencial a respeito da integração vertical entre armadores e terminais, que deu origem às vedações de participação no leilão. Ou seja, o julgamento desse inquérito figura como importante referência do entendimento do órgão concorrencial a respeito das eficiências apresentadas na verticalização no setor portuário, bem como na ausência de efeitos anticoncorrenciais decorrentes da presença de armadores no Porto de Santos.
Assim, suspeita-se que a Antaq tenha, intencionalmente, deixado de incluir o Cade na modelagem atual do Tecon Santos 10 isso porque, em uma possível análise da autoridade concorrencial a respeito do presente projeto de arrendamento, seriam considerados os mesmos aspectos presentes no inquérito da ABTRA a respeito da integração vertical, de modo que o órgão concluiria pelo ganho de eficiência e licitude das práticas dos terminais verticalmente integrados com armadores.
Finalmente, cabe destacar que atualmente aguarda-se que o TCU reconheça os desvios procedimentais da Antaq na condução do certame licitatório, ao evitar a submissão de seus estudos concorrenciais à participação pública e ao furtar-se da oitiva prévia do Cade, ações que fragilizam as argumentações utilizadas pela própria agência para justificar as restrições à participação das empresas incumbentes da concorrência pública do principal porto brasileiro.
[1] Nota Técnica nº 12/2025/DEE/CADE (SEI 1561290).
[2] Nota Técnica nº 37/2025/CGAA11/SGA1/SG/CADE (SEI 1564256).
*Vivian Ribeiro Madsen Figueiredo é advogada, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie e pós-graduanda em Direito Regulatório e Concorrencial.



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