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“Portugal tem legislação própria para o trabalhador portuário desde 1978”, diz José Luís Moreira da Silva

Fonte: A Tribuna On-line
 
Advogado e ex-deputado português falou sobre a evolução do regime jurídico que regula a relação capital-trabalho nos portos de seu país nos últimos 47 anos
 
O trabalho portuário em Portugal é regido por uma legislação específica. A Lei 3/2013 é complementar ao Código do Trabalho (Lei 7/2009) e pode trazer luz à proposta trabalhista do Projeto de Lei (PL) 733/2025, de revisão da Lei dos Portos do Brasil, que desagrada a classe trabalhadora. Em entrevista para A Tribuna, o advogado português José Luís Moreira da Silva falou sobre a evolução do regime jurídico que regula a relação capital-trabalho nos portos de seu país nos últimos 47 anos. Ele discorreu sobre o tema durante palestra realizada no encontro Diálogos sobre Direito & Porto, promovido pelo escritório Ruy de Mello Miller (RMM), na Subseção Santos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no início deste mês. Moreira, que é ex-deputado, contribuiu com a reforma do setor portuário nas áreas das infraestruturas rodoviárias e portuárias em sua passagem pelo governo português nas décadas de 1980 e 1990.
 
Quando Portugal instituiu a primeira lei trabalhista do setor portuário?
 
Portugal tem uma legislação própria para o trabalhador portuário desde 1978. Criou-se uma legislação específica para o trabalho portuário que vem evoluindo até hoje. A primeira versão era muito estatizante, com toda a organização administrativa e as operações portuárias feitas pelo Estado através de institutos públicos. Aos poucos, o Estado foi saindo da organização e hoje em dia, já não está envolvido diretamente.
 
Quantas leis já foram editadas após 1978?
 
Depois de 1978, vieram as leis instituídas em 1984, em 1990, em 1993 e a última em 2013. Essa evolução acompanhou a modernização do trabalho portuário, que não é o mesmo trabalho braçal dos anos 1960 ou 1970.
 
Os portos de Portugal são públicos, mas as operações são realizadas por empresas privadas. Por que não há portos privados?
 
Não temos portos privados porque a nossa Constituição não permite. Temos o que aqui no Brasil é chamado de “arrendamentos”. Existe uma administração dos portos que é reguladora e o serviço portuário é feito por privados através de arrendamentos. Nos anos 1970, o Estado também fazia a operação portuária; não havia privados. A partir dos anos 1990, passou a ser só privados, e o Estado atua apenas como regulador.
 
O arrendamento do serviço portuário impactou os empregos de que forma?
 
O contingente geral, os chamados avulsos ou homens da rua, são muito menos hoje em dia. Os trabalhadores vinculados já são significativos. Essa redução diminuiu a pressão social e permitiu que as alterações na legislação fossem feitas. Todas essas mudanças foram sempre alvo de negociação coletiva, com consulta social tripartite entre governo, sindicatos e operadores portuários. Só assim foi possível avançar.
 
O senhor participou da revisão da legislação portuária nos anos 1990. Quantos trabalhadores portuários havia em 1978 e nos dias de hoje?
 
Eu trabalhei muito na revisão dos anos 1990. Nessa época, o Porto de Lisboa era o maior e tinha cerca de 2,4 mil trabalhadores portuários. Hoje, o maior porto é o de Sines, mas não tem a mesma pressão de trabalhadores porque é especializado em gás natural e petróleo, com muito trabalho automatizado.
 
Como as empresas de gestão de mão de obra portuária se desenvolveram em Portugal?
 
Os institutos públicos criados pelo governo eram os centros coordenadores de trabalho portuário. Em 1990, na legislação em que participei, ocorreu a transição com a criação dos órgãos de gestão de mão de obra portuária, fruto das negociações entre os sindicatos e os operadores portuários. Com a lei de 2013, eles acabaram e, agora, são as empresas privadas que fazem esse trabalho.
 
Desde 2013, são as empresas que recrutam os trabalhadores?
 
No começo, todos os operadores portuários se juntavam e criavam uma única empresa em cada porto. Mas isso evoluiu: os sindicatos também criaram empresas de trabalho portuário por cooperativa. Hoje, já não existe uma única empresa por porto; há concorrência, e há uma tendência para que cada operador portuário tenha a sua própria empresa.
 
A concorrência entre empresas de recrutamento de mão de obra é benéfica aos trabalhadores?
 
A concorrência é importante. Os trabalhadores se beneficiam porque podem negociar melhores condições de trabalho em uma empresa ou em outra, podem escolher onde querem se registrar.
 
Quais são os principais portos de Portugal? Quais são os principais produtos exportados?
 
Temos cinco portos principais: Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines, e os portos localizados nas nossas duas regiões autônomas, Açores e Madeira. Exportamos de tudo: grãos, gás, contêineres. E importamos muito do Brasil. É importante notar que Portugal não tem a dimensão do Brasil, todos os portos portugueses juntos devem movimentar cerca de 100 milhões de toneladas por ano, enquanto o Porto de Santos movimentou cerca de 180 milhões de toneladas no ano passado. Sines é o maior, movimentando entre 50 e 60 milhões de toneladas, principalmente devido à importação e à exportação de gás natural e petróleo. Sines também tem um dos maiores terminais de contêineres, gerenciado pelo Porto de Singapura, movimentando quase 3 milhões de contêineres, o que o coloca nas listas dos grandes portos mundiais.
 
A relação capital-trabalho no sistema portuário de Portugal poderia ser um modelo para o Brasil?
 
Só o Brasil pode saber se esse modelo lhe interessa ou não. Há outros exemplos na América Latina, nos Estados Unidos, e até na Europa. Isso é algo que o Brasil precisa ponderar.
 

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