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"É absurdo somente um viaduto para a Alemoa e o Porto inteiro”, afirma Sérgio Aquino
Fonte: A Tribuna On-line
A Tribuna conversou com o presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop)
O presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop), Sérgio Aquino, é experiente em assuntos portuários. Basta dizer que ele foi o primeiro secretário do setor em Santos, quando a pasta foi criada, em 2005. Na entrevista para A Tribuna, ele usa seu poder de análise para falar sobre diversos assuntos, como o papel do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), o papel da comissão de juristas nas mudanças da Lei dos Portos, Zona de Processamento de Exportação (ZPE) em Santos e os problemas do complexo portuário santista, sem esquecer do aspecto administrativo em diferentes esferas.
Qual o papel do Conselho de Autoridade Portuária (CAP) atualmente? Como deveria ser? O que deveria mudar?
Pela lei atual, o Conselho de Autoridade Portuária (CAP), infelizmente, é um organismo controlado pelo Poder Público. E, muito embora chamado de consultivo, ele é um órgão consultivo opcional, porque a autoridade portuária não tem obrigação de consultar. Então, infelizmente, o CAP tem uma modelagem inadequada frente ao que se espera da participação da comunidade. Portanto, a comunidade hoje local está seriamente prejudicada. O que conseguimos algo diferente com relação ao CAP foi no processo de desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). A Fenop propôs que, pelo menos, o CAP fosse consultado e emitisse um parecer no caso de pedido de reajuste de tarifa da empresa que ganhasse a concessão do Porto.
Ou seja, acaba sendo um órgão meramente figurativo?
Sim. Ele deveria ser um órgão, primeiro, não figurativo e não meramente consultivo. Ele deveria ser consultivo e deliberativo de acordo com os temas. É por isso que a Fenop já defende há muito tempo uma mudança na legislação para que o CAP, primeiro, retorne a sua composição por bloco, de modo a que não seja controlado pelo Poder Público como é hoje. e voltem a ter os quatro blocos: do Poder Público, do setor empresarial portuário, dos trabalhadores do setor do porto e de usuários do sistema portuário, como era na Lei 8.630. Lógico que com algumas adequações. E ele deveria ter temas que devem ser deliberativos e outros em que deve ser consultivo, porém consultivo obrigatório. Além disso, essas propostas que a Fenop já vinha defendendo há um bom tempo, foram incorporadas pela coalizão empresarial portuária, por todas as entidades, com algumas pequenas adequações, e essas propostas foram apresentadas à Comissão de Juristas. E para isso que a gente trabalha para a mudança da lei, de modo que o CAP volte a ser um ator estratégico no sistema portuário e o grande ambiente de participação da comunidade local, agregando, inclusive, uma nova competência que nós propusemos e a coalizão também encaminhou para a Comissão de Portos, que é a Comissão avaliar e emitir parecer sobre as indicações das nomeações das diretorias dos portos, inclusive com direito a veto devidamente fundamentado.
Por quê?
Um dos grandes problemas que nós temos já há um bom tempo, e todo mundo sempre fala sobre isso, mas nós estamos apresentando solução, é a influência político-partidária nas administrações portuárias. Se isso não for resolvido, infelizmente, no futuro, aparentemente a única solução será a desestatização das administrações com essa finalidade. A influência político-partidária gera o problema da descontinuidade de administração. A gente precisa ter continuidade. Nós não podemos, a cada eleição, de governador, de prefeito, de deputado, ter sempre a pergunta: E agora vai mudar? Quem vai indicar diretor de porto? Por isso que nós estamos trabalhando para a mudança legal tanto na Ceportos, comissão criada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, como em qualquer outro projeto de lei que possa tramitar no Congresso.
Falando na Ceportos, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, refutou a proposta de descentralização de competências da pasta, com a transferência de algumas atribuições à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), como, por exemplo, a condução dos processos de autorizações para terminais de uso privado (TUPs), e reclamou que não houve diálogo com o MPor. O que o senhor achou da fala dele?
Entendemos e respeitamos o posicionamento do ministro, mas entendemos também que o Poder Executivo vai, sim, atuar no caso de se transformar em projeto de lei. É uma comissão de juristas ouvindo a sociedade. Caso se transforme em projetos de lei, ocorrerão audiências públicas, a sociedade vai se posicionar e o Poder Executivo também, usando seus meios adequados dentro do parlamento, que é a liderança do Governo, o próprio ministro e toda a equipe. Aí haverá o momento adequado, dentro do Poder Legislativo, para esses diálogos e posicionamentos. Lembrando que, no final das contas, se isso for aprovado, o Poder Executivo ainda avaliará e tem constitucionalmente o seu direito de veto, que pode ser mantido ou derrubado pelo Congresso após avaliação. O que temos, neste momento, é um trabalho técnico elaborado por juristas que conhecem o setor e os problemas, que fizeram avaliações, levantamentos, ouviram a sociedade e geraram um trabalho com a visão técnica. Caso vire projeto de lei, nenhum entra no Congresso e sai da mesma forma.
E a respeito do programa Navegue Simples? Quando espera resultados práticos?
O Navegue Simples é um programa a ser construído a várias mãos. É uma carta de intenções, sinalizando o objetivo: desburocratizar, agilizar processos para atrair investimentos, que chamou a comunidade, as entidades, para construir junto. Já foram aí criados os grupos, a Fenop se manifestou e compõe alguns grupos para que o governo possa, por intermédio de decretos e portarias, trabalhar isso. O nome deveria ser Porto Simples, porque Navegue Simples dá a impressão de algo de navegação. Usou-se esse nome e vamos trabalhar com ele. Mas não é só pelos decretos, portarias e instruções normativas que vamos resolver o sistema portuário.
Sobre a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) em Santos, é viável? Como deveria ser?
Ela é viável. Quando eu fui secretário de Assuntos Portuários de Santos, quando foi feita a legislação de revisão da Lei de Uso e Ocupação do solo, nós reservamos local na Área Continental para essas atividades. Embora viável, sabemos dos desafios que o setor de manufatura sofre no Brasil porque nós não temos no País uma política industrial. Você vê a própria Zona Franca de Manaus: ela não consegue ser competitiva na exportação. É o segundo maior polo de eletrônicos do mundo, mas produz basicamente para o mercado brasileiro. E depende de uma série de incentivos fiscais. Então, para a ZPE efetivamente avançar na nossa região, que tem dificuldade de áreas por questões de reservas ambientais e valores, vamos ter grandes dificuldades se não tivermos incentivos fiscais nem política industrial do governo brasileiro. Temos que continuar lutando por isso e torcer para que o vice-presidente (Geraldo Alckmin), que também é ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, emplaque uma política que recupere o Brasil-Indústria, porque é assim que a gente vai fortalecer e viabilizar as ZPEs.
Quando a gente fala de ZPE em Santos, é só em termos de localização, pois é algo da região...
Exato. A gente tem que ampliar o conceito da região metropolitana. Tem a Área Continental de Santos, mas também podem ser estudadas outras regiões. Porém, para esse tipo de processo, a gente precisa viabilizar o transporte hidroviário na Baixada Santista. Não dá para ficar pensando que vamos fazer uma ZPE, por exemplo, em Praia Grande e depender de trazer tudo de caminhão para o Porto.
Quais os principais problemas hoje no Porto de Santos?
Os problemas do Porto de Santos não fogem dos problemas do sistema portuário brasileiro. Primeira coisa é falta de continuidade. Não há planejamento com visão de Estado, há planejamento com visão de governo. Vamos pegar um caso concreto. No governo anterior, ele entendia que tinha que desestatizar a administração dos portos. Tinha feito Vitória e estava trabalhando para fazer Santos. O governo atual é contra a desestatização da administração portuária. Não estou entrando aqui no mérito se o governo anterior ou esse é que está certo. A questão é: isso mostra a infelicidade do que é um País que não tem plano de Estado. Nos acessos, é um absurdo o Porto de Santos ter, na Margem Esquerda, apenas um passando pela Rua do Adubo. É vergonhoso. Como é um absurdo também, na Margem Direita, a gente ainda depender somente de um viaduto que atende a Alemoa e o Porto inteiro. Quando estivemos na Secretaria, deixamos um projeto conceitual definido com o segundo viaduto que ligaria a Via Anchieta lá na região do Saboó, de modo que o viaduto atual atenderia só a Alemoa. E dela para frente, seria um outro acesso. Da mesma forma que é um absurdo o Porto de Santos depender hoje dos caminhões descerem apenas por uma rodovia que é da década de 1950, a Via Anchieta. Há também a necessidade de aprofundamento do canal. Pelo menos o atual presidente (Anderson Pomini) está mantendo a dragagem de manutenção, que é o natural e obrigação da administração portuária. Mas precisamos com urgência o programa e a implementação do aprofundamento do canal do Porto de Santos. Precisamos buscar os 17 metros.
Como o senhor avalia a administração do Porto de Santos e o Governo Federal atual em relação aos portos?
Temos que reconhecer que o governo atual voltou a dar atenção a porto, criando o Ministério, o que precisa ser ressaltado e valorizado. Porto não pode estar jogado dentro de uma estrutura logística. Ele tem características próprias e precisa ter um foco. Infelizmente tivemos contratempos, que temos que entender. Houve troca de ministros, e depois a instabilidade sobre se ficaria o presidente (da Autoridade Portuária de Santos), que era nomeado pelo anterior, e posteriormente, ao longo do tempo, a troca da diretoria inteira. E temos que valorizar a atuação do atual presidente Anderson Pomini, que tem buscado diálogo com a comunidade e com o município. É um presidente ativo, que se mantém presente em todos os setores, buscado implementar muita coisa que ficou largada. O que se dizia muito no governo anterior é que o Porto está dando tanto de lucro e que foram deixados tantos milhões em caixa. Porto não é para ficar guardando dinheiro. Com o presidente e a diretoria estabilizadas, o que se projeta é que os próximos dois anos serão de muitas obras e atuações. Vamos aguardar de maneira ansiosa que tudo aconteça.
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