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'Non ducor, duco'

Fonte: A Tribuna On-line / Leonardo Levy*
 
Em tempos de falta de capacidade no principal porto brasileiro, essa carga vem migrando para outros locais, tanto aqui, na costa nacional, quanto no exterior
 
Recentemente, foi publicado o ranking Alphaliner 2023, com os 30 maiores portos de contêineres do mundo e alguns dados interessantes: os portos chineses continuam ocupando posições de destaque, com seis entre os dez maiores listados. Porém, Hong Kong não está mais entre eles e alguns portos europeus, como Antuérpia, Hamburgo e Roterdã, vêm perdendo volume de carga nos últimos anos.
 
Mas, o que mais chama atenção nos números do ranking é que, entre os 30 maiores portos, em sua maioria hub-ports ou portos concentradores de carga, um terço apresentou crescimento acima de 25% nos últimos quatro anos (2019 a 2023, excluindo, portanto, qualquer efeito da pandemia de covid-19), com alguns portos mostrando aumentos impressionantes em movimentação de carga. Tangier, no Marrocos, por exemplo, cresceu cerca de 80% nesse período e Cai Mep, no Vietnã, 50%, estimulados, principalmente, pela carga de transbordo.
 
Em contraste, Santos, no mesmo período, cresceu apenas 15%. Se o Porto de Santos tivesse mais capacidade para carga conteinerizada, poderia experimentar o mesmo tipo de crescimento, já que diversas linhas de navegação têm interesse em concentrar, no cais santista, suas operações de transbordo na costa brasileira.
 
Isso diminuiria o “pinga-pinga” das escalas diretas, que dão a falsa impressão de tempo de trânsito mais rápido. Tal qual uma linha de ônibus, em que o atraso em uma rodoviária impacta, quase sempre, no atraso das paradas subsequentes, o “pinga-pinga” dos navios de longo curso em nossa costa sofre o impacto de atrasos que tomam semanas para serem recuperados.
 
Concentrar essa carga, por exemplo, em Santos e distribuí-la via cabotagem resultaria em um menor nível de emissões de gases de efeito estufa (GEE), ao mesmo tempo em que aumentaria a confiabilidade dos serviços ao isolar eventuais problemas, quando inevitáveis, a trechos específicos e lotes menores de carga. É assim em Tangier, em Cingapura e em outros portos concentradores.
 
Por isso, defendo que devemos prestar mais atenção a essa carga. No Brasil, de acordo com a consultoria Dataliner, nos últimos 13 anos, as exportações brasileiras cresceram a uma média anual de 2,7% e as importações, 2,4%. No mesmo período, as cargas de transbordo cresceram a uma média de 10,3% ao ano. Mas, embora tenha crescido de forma robusta, o transbordo ainda representa uma parcela pequena da participação nos terminais brasileiros - apenas 2,7%, em 2010, e, em 2023, cerca de 7%.
 
Grande parte dos terminais torce o nariz para esse tipo de carga, em função de sua baixa rentabilidade e relativa volatilidade. Preferem não investir antes que a demanda esteja gritando por mais capacidade. E, em tempos de falta de capacidade no principal porto brasileiro, essa carga vem migrando para outros locais, tanto aqui, na costa nacional, quanto no exterior. Nos últimos seis anos, a carga de transbordo diminuiu cerca de 3% em Santos, ao mesmo tempo em que cresceu quase 16% nos demais portos brasileiros - uma evidência de que a competição, quando se trata de carga de transbordo, não é apenas intraporto, mas entre portos, que podem inclusive estar localizados em países distintos.
 
É fato, contudo, que, com a vinda de navios maiores, essa carga apenas se intensificará. Torcer o nariz para ela, e não investir, é negar ao Brasil (e a Santos) a possibilidade de ter um porto concentrador de carga de grandes proporções. Santos deveria se lembrar da bandeira paulista e liderar o processo: “Non ducor, duco” (“Não sou conduzido, conduzo”).
 
*Leonardo Levy, diretor de Investimentos para Américas na APM Terminals
 

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