Artigos e Entrevistas

Mudar ou não mudar, a lei, de novo?

Fonte: A Tribuna On-line / Thiago Miller*
 
Questiono-me se os velhos e conhecidos problemas de nossos portos são decorrentes da legislação que dispomos
 
Está faltando investimento privado nos terminais portuários? A movimentação despencou? O custo da operação disparou? Quais são nossos desafios?
 
Formulo essas questões que devemos nos fazer para analisar a iniciativa da Câmara dos Deputados, que constituiu uma comissão de especialistas para discutir uma proposta de mudança da Lei 12.815/2013. Para reflexão, resgato o histórico das principais mudanças legais.
 
Em 1869, os portos careciam de investimentos para continuar operando. O Imperador D. Pedro II assinou o Decreto 1.746, que autorizava o governo a contratar a construção de docas e armazéns. Como não havia recursos públicos, a única alternativa era, via concessão, abrir concorrência para que empresários pudessem executar as obras em troca do direito de exploração das tarifas. Em 1892, o Porto de Santos era concedido para Gafreé, Guinle & Cia.
 
Em 1980, a concessão é devolvida à União, que constitui a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) para explorá-lo. Sem investimento público, em curto espaço de tempo o porto ficou sucateado. Houve um movimento empresarial cobrando mudanças e foi editado o Projeto de Lei 08/91, convertido na Lei 8.630/1993, marco da privatização das operações portuárias no Brasil. No bojo da privatização, são criados o Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) e incentivada a multifuncionalidade do trabalho portuário. Ocorrem as primeiras privatizações de terminais e investimentos privados são direcionados para a modernização das instalações.
 
Em junho de 2001, a Lei 10.233 institui a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para regular a exploração dos portos. Em 2007, é criada a Secretaria Especial de Portos (SEP) através da Lei 11.518. A falta de dragagem já era um gargalo e a Lei 11.610 institui o Programa Nacional de Dragagem (PNDI).
 
A economia brasileira dava sinais robustos de crescimento, viramos capa do The Economist. A licitação dos terminais “pré-93” não acontecia, não havia novos investimentos, filas de caminhões e navios tomaram o noticiário, pressão para liberar a exploração da atividade. O governo resiste, edita o Decreto 6.620/2008, endurece as regras para a exploração dos terminais de uso privativo.
 
Os investimentos não acontecem, poucas licitações são realizadas, o gargalo portuário encarece o custo Brasil, nova pressão, é publicada a MP 595/2012. Na exposição de motivos: “ampliação da infraestrutura”, “maior competição”, “redução de custos”. No bojo da medida, a proposta de flexibilizar a exploração dos terminais de uso privado.
 
Nova recessão econômica (impeachment presidencial), fora editado o Decreto 9.048/2017 permitindo investimentos fora da área do arrendamento, simplificando o adensamento, a substituição e unificação de áreas.
Pandemia (covid-19), risco de paralisação das operações, nova mudança da Lei dos Portos (14.047/2020) flexibiliza a contratação de trabalhadores portuários e fortalece a competência normativa da Antaq.
 
Não foram poucas as mudanças legislativas - afora resoluções Antaq, decretos e portarias - quanto mais debatidas, melhor o seu resultado. No entanto, toda mudança gera apreensão, um freio nos investimentos e ameaça a tão propalada segurança jurídica.
 
Questiono-me se os velhos e conhecidos problemas de nossos portos são decorrentes da legislação que dispomos: descontinuidade, falta de planejamento, decisões e interferência políticas, dificuldade de acessos rodoferroviários, dragagem, governança...
 
Mudança de lei não é garantia de aperfeiçoamento. Parte da discussão atual nasce de retrocessos que foram trazidos justamente com a mudança do marco (12.815/13). Ademais, o regime jurídico de exploração dos portos tem origem constitucional, que não se altera com lei. Boa reflexão!
 
*Thiago Miller, advogado especializado em Direito Marítimo, Portuário e Regulatório, com atuação no contencioso estratégico, consultivo e arbitragem, nacional e internacionalmente.
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)



Compartilhe


Voltar