Artigos e Entrevistas

Santos e seus apitos

Fonte: A Tribuna On-line / Leonardo Levy*
 
Enquanto mensagens se acumulam, custos aumentam e cargas ficam no chão
 
Sou nascido e criado em Santos e o início da minha carreira no setor portuário foi marcado por um som. Poderia ter sido o barulho das ondas chegando à mureta da Ponta da Praia. Mas, ao invés disso, o som que tenho em minha memória mais vibrante é o de um estridente e obsoleto apito de rádio Nextel. Eram os clientes, que, desesperados com o caos logístico da época, ligavam insistentemente para os agentes marítimos, que, como eu, tentavam o impossível para atender às necessidades dos importadores e exportadores do nosso país.
 
Tirando as ligações via rádio, é curioso perceber que os problemas vividos à época são ainda os mesmos enfrentados hoje no Porto de Santos: calado inadequado às frotas navais mais modernas, navios fora de janela, rolagem de carga por várias semanas seguidas e preços crescentes devido à falta de capacidade. Investimentos planejados para os próximos quatro anos, pelos três terminais especializados em contêineres, ajudarão a diminuir, mas não resolverão por completo esses problemas. Até lá, o apito de rádio, agora em versão mensagem de texto, continuará ocupando as telas e mentes dos profissionais de comércio exterior do País.
 
Enquanto mensagens se acumulam, custos aumentam e cargas ficam no chão, não podemos esquecer de pensar Santos como pilar central da logística brasileira. A Costa Leste da América do Sul precisa de um Hub Port - um grande porto concentrador de carga. Na Costa Oeste do continente, já existem ao menos três países que disputam esse papel para a carga conteinerizada: o México, o Panamá e o Peru. Todos com portos já aptos a receberem, com poucas restrições, navios de 366m ou maiores.
 
O Brasil e Santos são os candidatos naturais para um Hub Port na região. Portos concentradores de cargas têm a função de aumentar a eficiência da cadeia logística, evitando atrasos e custos mais altos. Aos que torcem o nariz por imaginarem eventuais atrasos que pudessem ser causados pelo transbordo de cargas, explico: portos concentradores de carga têm melhor produtividade, em função de grande escala de suas operações; melhor integração entre terminal portuário e linhas de navegação, resultante de um fluxo mais eficiente de informações; melhor utilização das embarcações em função da adequação de seu tamanho a rotas maiores/ menores; e isolamento de eventuais problemas operacionais ou climáticos a trechos específicos.
 
Se Santos tivesse as condições necessárias, teria hoje a capacidade de atrair mais de 1,5 milhão de contêineres embarcados/descarregados de forma direta dentro e fora do País. Toda essa carga seria transbordada diretamente no Porto, sem impactar o sistema viário, gerando economia, mais empregos e mais eficiência para todos os elos da cadeia. As principais alavancas para que esta visão se torne realidade são: um canal de acesso com profundidade de, ao menos, 17 metros e a existência de terminais de grande porte, capazes de operar navios com 10k-12k movimentos por escala e com alto grau de confiabilidade em suas operações.
 
Tal como na Europa ou na costa Oeste do continente, portos, muitas vezes distantes um do outro, competem entre si. Santos, com todo seu potencial, corre o risco de ser progressivamente substituído por outro porto – inclusive fora do País – se não tivermos planejamento e ações certeiras no curto e médio prazo.
 
Enquanto isso, a certeza que temos é a de permanência de custos mais altos, perda de competividade e agentes marítimos preocupados com os apitos das mensagens de texto, sem tempo para escutar o som das ondas da Ponta da Praia.
 
*Leonardo Levy, diretor de Investimentos para Américas na APM Terminals
 

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