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Portos cartesianos: cogito, ergo sum

Fonte: A Tribuna On-line / Luis Claudio Santana Montenegro*
 
Análise deve envolver a decomposição do funcionamento do porto em seus componentes básicos para entender suas operações
 
Portos não podem ser gargalo ao desenvolvimento econômico. Devem ser dotados de capacidade suficiente para destravar investimentos produtivos e ampliar a nossa participação no comércio global. Assim, as decisões no setor portuário devem passar por análises técnicas criteriosas para melhoria contínua da sua eficiência.
 
Porém, percebe-se que diversas decisões que envolvem o setor portuário têm sido tomadas baseadas em hipóteses não comprovadas. Tenho repedido que o setor portuário brasileiro dispõe de muita informação de base estatística e do amplo conhecimento empírico acumulado em sua história. Não há, portanto, motivos para que uma decisão no setor não seja tomada fundamentada em elementos técnico-científicos objetivos.
 
O que diferencia o conhecimento científico de outras formas de conhecimento é que ele não depende do que cada um acredita em relação a uma informação. O conhecimento científico é sempre fundamentado em elementos racionais, com o uso de procedimentos, métodos, técnicas, todas passíveis de serem comprovadas.
 
Portos são um subsistema do transporte e, por isso, suas atividades são amplamente estudadas no contexto da engenharia de transportes, em disciplinas como pesquisa operacional, teoria de filas, análises técnico-econômicas, métodos de otimização, dentre outros.
 
Pois um debate que venho participando tende a culminar, no limite, na avaliação se um terminal portuário deve ou não realizar armazenagem de carga. Ora, visto dessa forma, alguém poderia dizer que essa armazenagem poderia ser feita em outro local. Porém, quando analisamos com um mínimo de rigor técnico, rapidamente chegaremos à conclusão de que é impossível que as cargas sejam colocadas diretamente do navio para cima de um caminhão que a levará a um destino de armazenagem em outro local.
 
Um mínimo de análise operacional permite verificar que esse formato de operação era feito no final da década de 1970 no Brasil, com uma produtividade média de 6 TEU por hora, utilizando-se de guindastes rudimentares. Atualmente, a produtividades ultrapassa a média de 80 TEU por hora, por navio (VMPH).
 
Nesse padrão de produtividade, movimenta-se 600 TEU em cerca de 7 horas. No modelo em que o contêiner fosse colocado diretamente em caminhões com destino a uma armazenagem em outro local, esse mesmo navio seria operado em mais de quatro dias.
 
A inclusão do contêiner na logística permitiu que os custos de transporte fossem reduzidos com a possibilidade de aumento do tamanho dos navios, que chegam atualmente a mais de 20.000 TEU de capacidade. O retrocesso a um modelo da década de 1970 inviabilizaria o País para qualquer navio atualmente operacional no mundo.
 
Conclui-se que terminais portuários precisam armazenar cargas pelo simples fato de que não o fazer significaria custos insustentáveis para o nosso comércio exterior.
 
René Descartes, no século 17, já defendia a busca pela verdade por meio da razão e do pensamento científico. A análise da eficiência de um porto deve ser cartesiana no sentido de que tal análise se beneficiaria de uma abordagem sistemática, lógica e racional, características associadas ao pensamento cartesiano.
 
Uma análise cartesiana deve envolver a decomposição do funcionamento do porto em seus componentes básicos para entender melhor suas operações, identificar pontos de ineficiência e propor melhorias. Isso inclui a aplicação de métodos analíticos e quantitativos, como a análise de dados operacionais, avaliação da capacidade e desempenho dos serviços portuários, e a otimização dos processos logísticos.
 
Decisões sobre portos devem ser cartesianas. Tal abordagem se alinha com o espírito do método cartesiano de dúvida sistemática e análise racional para alcançar conclusões claras e fundamentadas.
 
*Luis Claudio Santana Montenegro, é engenheiro civil e mestre em Engenharia de Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia
 

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