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Burocracia x logística: uma batalha inglória!

Fonte: A Tribuna On-line / Luis Claudio Montenegro*
 
Processos altamente burocráticos reduzem a confiança em todo o sistema
 
Em geral, não percebemos a logística como algo importante, até que acontece um momento em que não encontramos o que queremos nas prateleiras dos mercados. Essa afirmação pode parecer retórica, mas é a pura realidade. Em tempos tecnológicos, raramente contamos a percepção correta do esforço logístico necessário para que tenhamos os produtos do nosso dia a dia disponíveis para o momento em que precisarmos. Porém, fato é que os arranjos logísticos têm ficado cada vez mais sofisticados, com uso intenso de tecnologia, automação, métodos de gestão e planejamento.
 
Vejam o exemplo das malas em um aeroporto. No passado, costumava-se dizer que, se o modelo de retirada de malas em um aeroporto fosse brasileiro, você não conseguiria retirá-las nunca. Com o enorme esforço recente, feito para recebermos as Olimpíadas e a Copa do Mundo, muito se evoluiu na melhoria dos processos aeroportuários. O esforço gigantesco de logística associado acabou por trazer uma sensação maior de confiança, que atualmente nos permite retirar nossas malas sem que tenhamos que carimbar diversas vias de documentos. Ou seja: a confiança no processo logístico aeroportuário nos permitiu reduzir muito a burocracia envolvida.
 
Porém, essa mudança ainda anda a passos muito lentos nos portos. Processos altamente burocráticos reduzem a confiança em todo o sistema e impõem custos altos, reduzindo a nossa competitividade. A questão é realmente cultural. No resto do mundo, a visão aduaneira é muito diferente da que temos por aqui. Por exemplo, ao invés do foco arrecadatório, há no mundo um foco muito grande na produtividade, no desenvolvimento econômico. Assim, no mundo, as aduanas costumam estar associadas a áreas governamentais de comércio e desenvolvimento.
 
Outro exemplo é a forma como as metas de fiscalização são estabelecidas, com foco na eficácia e nos resultados dos processos executados. Ou seja, o objetivo não é fiscalizar o máximo possível, mas ter um grau alto de acerto em cada fiscalização feita. Essa diferença de atuação só é possível graças a um processo sofisticado de gestão de riscos.
 
A entrega das cargas é outro exemplo de diferenças abissais na visão dos processos. No resto do mundo, a entrega das cargas é natural e imediata. Não há interferência no processo, exceto se houver uma necessidade clara de inspecionar. É como se disséssemos: “A carga está sempre liberada, salvo disposições em contrário”. Já no Brasil, a fala seria: “A carga não está liberada e está sempre sob suspeita, exceto disposições em contrário”.
 
Cada procedimento burocrático desses impacta na estruturação de uma logística própria que tem custos e processos complexos. Um exemplo é a obrigação de entrega de cargas em trânsito aduaneiro em até 48 horas. Certamente os terminais portuários adotarão todas as providências para cumprir esse requisito, mas isso exigirá processos de segregação, localização rápida e disponibilidade customizada de entregas, que certamente tem altos custos.
 
Outros exemplos imediatos são a exigência de escaneamento de 100% das cargas, ou a exigência de inspeções individualizadas para cada órgão aduaneiro envolvido – e olhem que são mais de 29 órgãos envolvidos com a liberação das cargas nos portos. Recentemente, como parte da Lei de Liberdade Econômica, passou-se a exigir relatórios de impacto regulatório para disposições regulatórias de todas as ordens. Creio que está na hora de realizarmos análises de impacto de processos aduaneiros na logística portuária. Assim, teremos a medida correta dos custos envolvidos em cada decisão burocrática que optarmos por adotar. E vamos ao debate!
 
*Luis Claudio Santana Montenegro, é engenheiro civil e mestre em Engenharia de Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia
 

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