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Diretor-geral da ANTT fala sobre desafios para leilões ligados à infraestrutura de transportes

Fonte: A Tribuna On-line
 
Rafael Vitale vê equilíbrio entre as expectativas do governo e realidade da iniciativa privada
 
Na linha de frente da articulação para viabilização dos 35 leilões rodoviários pretendidos pelo Governo Federal até 2026, e que podem acelerar a evolução logística do transporte de cargas no Brasil, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está preparada para pisar no freio, caso o mercado não demonstre o apetite esperado. Em entrevista, o diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale, apontou que há demanda de equilíbrio entre as expectativas do governo e a realidade da iniciativa privada. Para o diretor, o País vive um momento singular das relações institucionais para o avanço das pautas da infraestrutura de transporte. Contudo, pondera serem pautas que demandam cautela e avaliação dos diferentes pontos de vista, englobando usuários, empresas, Poder Judiciário e governo. Entre as ações para tornar possível a transferência da gestão das rodovias, Vitale diz que está na mesa a avaliação sobre procedimentos prévios que podem tornar os ativos menos atrativos. Sobre o setor ferroviário, Vitale ressaltou que o modal demanda recursos para o anúncio de plano próprio pretendido pelo Ministério dos Transportes, mas que há avanços acumulados nos últimos anos que propiciam um horizonte de ampliação da malha.
 
Qual a avaliação do atual cenário para avanço das concessões rodoviárias?
 
O programa de concessões rodoviárias é algo já consolidado como política de Estado, sendo replicado a cada governo. Tornou-se mais robusto a partir do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), em 2016, com governança de maior qualidade esperada pelos investidores. Atualmente, o Brasil possui um pipeline de projetos, com vários que podem ser levados a leilão. Trabalharemos neles a partir do que for determinado como prioridade. Estamos bem engrenados com o Ministério dos Transportes para fazer instruções de concessões. Temos uma relação institucional que ficou mais fluida com o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso para poder discutir amplamente trazendo as diferentes perspectivas. Estamos conseguindo mostrar que a ansiedade para corrigir determinados problemas pode resultar em outros. É um momento singular nas relações institucionais que estamos vivendo.
 
Entre os quatro leilões esperados para 2023, um teve dois concorrentes, outro apenas um e o terceiro publicado não recebeu interessados. Como avalia a baixa procura pelos ativos?
 
Se olharmos até 2022, todos os leilões tiveram um ou dois concorrentes. Precisamos olhar primeiro que concorrência não se dá apenas na semana da entrega dos envelopes. Ela se inicia quando abrimos a audiência pública, com protocolo no TCU e aí os investidores começam a avaliar. É ali que começamos a conversar com investidores para que o ativo seja arrematado. Temos conversas diversas com investidores, que detalham que um ou outro aspecto não está bom. Só que o nosso trabalho não é customizar o edital para um determinado operador. É preciso compreender a necessidade da população, a capacidade dos investidores e a política do governo. Antigamente, apenas o Governo Federal fazia leilões rodoviários. Hoje temos programas de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso. Tem grupos que decidem por planos de negócios, entendem que naquela situação é melhor optar por outra Isso é um ponto que precisa ser observado. O leilão sem propostas, que foi o da BR-381, é uma concessão bastante esperada. Foi a terceira tentativa frustrada. Acontece que, por mais que tenhamos governança e bons estudos, com apoio do TCU, esse ativo tem insistentemente demonstrado que deve ser tratado de forma diferente.
 
Como avalia o risco de que haja novos leilões desertos?
 
Não há nenhum projeto do pipeline de rodovias que o mercado disse para desistir. Todos os projetos na mesa têm sempre dois ou três com interesse em participar mais a fundo das audiências e reuniões. Não vejo situação extrema de fracasso total. Mas temos que fazer o movimento sempre escutando o que o mercado tem dito. O papel da agência é equilibrar expectativas do governo, que quer fazer o máximo possível, e o mercado, que tem cautelas e cuidados e precisamos equilibrar isso. Temos 12 leilões programados? Temos. Estamos mobilizados para fazer os 12 leilões? Estamos. Vamos fazer os 12 leilões? Não sei. Vamos ver isso conforme tratativas são realizadas. Ótimo seria cravar quantas serão feitas, mas não podemos ser estanques ao extremo de não perceber que se estou tentando executar planejamento e vejo que algo pode não dar certo, talvez caiba adaptações. Lembrando que nesse processo não é só a agência acomodar interesses do governo e do privado. Há também o TCU que participa de negociações. Mas vamos conseguir fazer muitos leilões. Há quem diga que podemos fazer dois em um mês, há quem diga que é melhor espaçar e isso vai ser levado em consideração.
 
Há ajustes necessários pensando na viabilidade dos leilões?
 
Um dos pontos que precisamos debater ao longo do ano é se a estruturação dos projetos está ficando detalhada demais. Isso acaba deixando pouca margem para concorrência fazer ajustes do valor. Os estudos estão profundos, detalhados, específicos. Não é um defeito, é uma condição que foi sendo colocada de maneira evolutiva. Mas estão tão detalhados que há pouca margem. É um debate que precisa ser feito especialmente em 2024. Esse é o melhor modelo? De querer mergulhar tanto no nível de detalhe ao ponto de se aproximar de uma obra pública que se faz por quantitativo e composição de preços? Ou temos que dar um passo atrás e fazer cálculos mais gerenciais porque sabemos que um leilão competitivo ajusta esse valor? É uma reflexão que precisa ser feita.
 
O governo confia nas repactuações das atuais concessionárias para atraí-las para novos ativos. Porém, esse processo está se mostrando mais lento que o estimado. Como avalia isso?
 
É um processo de amadurecimento. O que estamos buscando é um processo novo, que nunca foi feito. Existe cenário administrativo e político que permitiu propormos a melhoria dos contratos. Isso cria expectativa de que pode ser resolvido o mais rápido possível, porque vê-se os benefícios que podem ser gerados. Por outro lado, a cautela que o TCU tem tratado o assunto é importante para que a solução final seja coerente e equilibrada, que dê solidez para segurança jurídica. Se for muito rápido, pode dar problema lá na frente. São contratos de 30 anos. Uma cautela de dois, três meses não é muito. As concessionárias, por sua vez, também encaram como novidade. Precisam entender o que vai ser decidido. Uma das premissas de entrar na negociação é abrir mão de conflitos anteriores. Entra a perspectiva negocial e gerencial. Pode ter entre essas que achávamos que havia possibilidade de solução, algumas que entendam que é melhor não fazer dessa forma.
 
Qual o panorama para o setor ferroviário?
 
Vê viabilidade de frutos para o plano específico para o setor que está sendo gestado pelo Ministério? O setor ferroviário vem passando por uma mudança nos últimos anos. Tivemos as renovações antecipadas de quatro concessões que modernizam os contratos e traz novos investimentos. Tivemos ainda a Lei das Autorizações, que abre uma nova perspectiva de investimentos por meio exclusivo do privado. Havia-se expectativa da continuidade das renovações. O desejo de fazer algo mais amplo e mais rápido passa pela necessidade de recursos, porque se não seria apenas mais uma política para ferrovias. Isso passa por perceber quais são as próximas renovações que podem ser feitas. Essa é uma das vantagens de uma agência reguladora, uma agência de Estado que permanece governo após governo. Nós trazemos a memória de tudo o que aconteceu. Apresentamos para o governo de transição e para o Renan Filho (ministro dos Transportes) que as obras de ferrovias são de outra dimensão. Em uma rodovia, se você duplica 100 km e não duplica outro trecho, o caminhão segue andando na terra. Já a ferrovia precisa ser toda entregue.
 

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