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Trem expresso de cargas

Fonte: A Tribuna On-line / Luis Claudio Santana Montenegro*
 
Para migração de cargas em alta escala, a solução está em gerar confiança cada vez maior às ferrovias e à cabotagem
 
No Brasil, cerca de 85% das cargas de maior valor agregado são transportadas por caminhões. Esse é o resultado de um estudo de 2004 feito pelo Governo Federal que, apesar dos seus quase 20 anos, ainda mostra resultados praticamente inalterados. Para um país de dimensões continentais como o nosso, essa matriz se mostra distorcida do benchmarking mundial, já que o transporte rodoviário não é a modalidade mais eficiente para longas distâncias. Nesse formato, nossa matriz de transporte é muito mais aderente a países pequenos, com distribuição de cargas em curtas distâncias.
 
Mas quais são os reais motivos dessa distorção? Por que não transportamos mais contêineres por trens e navios? Antes de responder, é preciso desmistificar algumas questões. A primeira delas é de que esse cenário estaria associado a uma teoria da conspiração de que a indústria automobilística não permite o desenvolvimento da ferrovia e da cabotagem no Brasil. Ora, o Plano JK, de desenvolvimento de 50 anos em cinco, preferiu investir nas rodovias para conectar o Brasil simplesmente porque a construção delas era muito mais rápida que tirar ferrovias do papel.
 
Outro mito é o de que a resistência estaria nos caminhoneiros. Sobre esse ponto, é importante saber que, se apontássemos para um caminhão qualquer em um mapa do Brasil, haveria cerca de 35% de chance de ele estar transitando vazio, o que demonstra a dificuldade de se conseguir fretes de retorno, de gerar contratos de transporte distantes do local de origem do transportador, dentre outros. Nenhum caminhoneiro fica satisfeito quando roda milhares de quilômetros com seu caminhão vazio ou, no jargão do setor, batendo lata. Feliz está aquele caminhoneiro que transporta cargas a curtas distâncias, com garantias contratuais e volume de carga e que dorme todos os casa com sua família.
 
O diagnóstico correto para a nossa matriz distorcida está no fator “confiabilidade”. Certa vez, um executivo de logística de uma grande empresa me disse: “Melhor seria que atrasos e descumprimento de escalas em outras modalidades ocorressem regularmente, porque assim a logística das empresas conseguiria se organizar, mas esses fatores acontecem de forma intermitente”. Fato é que ainda há incertezas sobre frequência e pontualidade de partidas, sobre a garantia de disponibilidade de transporte e sobre o cumprimento de prazos para essas modalidades.
 
Porém, a logística para cargas de alto valor agregado é do tipo just-in-time desde 1970, com manutenção de estoques mínimos e com suprimento diretamente nas linhas de produção, o nível de exigência das empresas é muito alto, e o espaço para incertezas para contêineres é praticamente zero. A solução, portanto, está em gerar confiança cada vez maior às modalidades ferroviária e de cabotagem. Somente assim, as cargas de maior valor agregado migrarão em larga escala para esses modais, mais eficientes em longas distâncias, com a manutenção dos caminhões fazendo o transporte nos trechos mais curtos de alimentação de terminais ferroviárias e portos.
 
O modelo já foi tentado com o chamado trem expresso de cargas – trens com agendas confiáveis de saída na origem e chegada no destino – e tem uma evolução muito grande na cabotagem. Mas, como a construção dessa confiabilidade nessas duas modalidades exige investimentos regulares de alta magnitude, é preciso discutir incentivos governamentais, com a contrapartida de que, ao promovermos a ferrovia e a cabotagem, reduziremos as externalidades negativas da nossa matriz de transporte atual para toda a sociedade, aumentando eficiência, reduzindo acidentes e congestionamentos e nos tornando mais competitivos no cenário mundial.
 
*Luis Claudio Santana Montenegro, é engenheiro civil e mestre em Engenharia de Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia
 

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