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A defesa do Porto de Santos em meio à guerra constitucionalista de 1932

Fonte: A Tribuna On-line / Sergio Willians*
 
Mesmo ameaçados por bombardeios aéreos e destróieres, santistas resistiram contra as forças federais
 
Santos, 14 de julho de 1932. A cidade estava apreensiva, envolta por uma verdadeira ebulição de sentimentos, principalmente de consternação e sede de justiça. Havia apenas cinco dias, eclodira em São Paulo o movimento revolucionário que se insurgiu contra Getulio Vargas, que tomara o controle do País em 1930 e conduzia com mãos de ferro o destino dos brasileiros. Milhares de santistas corriam para se alistarem nas frentes de combate. Naquele dia, uma quinta-feira, a primeira batalha acontecia em Cunha, no Vale do Paraíba. Outras frentes surgiriam ao longo das divisas com Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. As trincheiras necessitavam de soldados paulistas para defender a causa constitucionalista e Santos estava a postos.
 
Apesar dos combates terrestres estarem teoricamente longe da urbe santista, a iminência de ataques aéreos e marítimos assombrava a população. Vargas enviara dois destróieres da Marinha para bloquear e inutilizar o Porto de Santos - ou até mesmo tomar a cidade, se fosse possível. Hidroaviões sobrevoavam sorrateiramente os céus da região e ameaçavam bombardear a Fortaleza de Itaipou(bombas chegaram a ser jogadas no forte em 16 de julho e 5 de setembro), ao mesmo tempo em que minas marítimas eram lançadas na Baía de Santos por grupos de práticos voluntários, liderados por Quincio Peirão, para impedir o avanço das embarcações "inimigas".
 
Nas ruas da cidade, o ufanismo paulista entusiasmava corações e mentes. Na noite anterior, na Praça Rui Barbosa, um grande comício atraíra centenas de santistas ávidos por ouvir palavras de alento e ordem. Discursaram grandes líderes, como Antônio Feliciano, José Amazonas e Waldemar Leão. A imprensa também se posicionava ao lado do povo e lançava apelos públicos pela causa de São Paulo. Houve até editorial cutucando a presença dos navios de guerra ditatoriais ao largo do Litoral Paulista.
 
"Destróieres da Marinha Nacional, que desde a época de Riachuelo (batalha de 11 de junho de 1865 que determinou a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai) desaparecera em sua eficiência até que o paulista Rodrigues Alves, na chefia da Nação, de novo a tornou digna de suas tradições e da grandeza da nossa terra, bordejam os mares da costa paulista, para que um descuido do Forte de Itaipu lhes facilite o acesso ao Porto de Santos, coração possante a distribuir sangue nas artérias do Brasil".
 
No mesmo texto, foi feita uma 'volta ao passado' da região para defender a posição paulista contra Vargas. "Foi aqui, dentro das nossas enseadas, onde se projeta a sombra da Serra do Cubatão, em cujo altiplano a energia bandeirante ergueu a trepidante cidade das usinas, das fábricas e dos titãs de cimento, que ensinamos o Brasil a combater contra os inimigos que do mar surgissem. Gente que há quatro séculos, com armas rudimentares e peitos em que o temor não entrava, corria à praia a afrontar as caravelas artilhadas do inimigo cobiçoso, não pode tremer hoje dos canhões que braços irmãos manejam. Bem sabemos que a marujada das belonaves que nos fiscalizam e nos espreitam não pode sonhar em agressões a São Paulo. Mas desejaríamos que ela viesse a colaborar conosco em lugar de se fazer ao largo em sinal de ameaça. Aqui estamos para receber os soldados do mar brasileiro e os seus navios que o ouro de São Paulo pagou".
 
O editorial que sintetiza o clima vivido em 1932 é finalizado da seguinte forma: "Se, porém, o delírio tomou essa gente nossa irmã e a transformou em adversária da grande pátria escravizada, nós lhe asseguramos, e fala conosco a velha alma santista, que estamos dispostos a repetir as façanhas e gestos dos praianos de Braz Cubas e de Tibiriçá. E quando tudo nos falhe, afirmamos aos feitores da ditadura que antes de a entregar, morreremos com a cidade".
 
Como se podia ver, o ardor pela causa constitucionalista corria as páginas de jornais e as ruas de Santos. Em 18 de julho, 300 jovens santistas embarcaram nos trens da São Paulo Railway com destino à Capital Paulista. O Valongo estava repleto de pessoas. Enquanto o exército paulista avançava nas frentes fluminense, mineira e paranaense, obtendo vitórias importantes, chegavam notícias tranquilizadoras para os santistas, que continuavam a defender seu porto da sana ditatorial. Na Companhia Docas de Santos (CDS), o então inspetor Ismael de Souza, garantia que os trabalhadores do Porto receberiam normalmente seus salários, mesmo eles sendo obrigados a paralisar suas atividades. "Podem cessar o trabalho, mas nós não abandonaremos nosso companheiros de labuta do cais".
 
No começo de agosto, os combates se intensificaram na Serra da Bocaina, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo. Aeronaves federais sobrevoavam Santos, mas desta vez não causavam alarme na população. Os adversários tentaram bombardear, sem sucesso, os centros fabris de Cubatão. No dia 5, a Cruz Vermelha de Santos seguiu para a linha de frente. Os santistas começaram a contribuir para a campanha do Capacete de Aço. Contudo, muitos fatos trágicos se desenrolaram até 28 de setembro daquele ano e inúmeros santistas se dedicaram incansavelmente à causa constitucionalista, alguns sacrificando suas vidas e se tornando verdadeiros heróis.
 
Embora a Revolução de 1932 não tenha sido vencida pelos paulistas, houve uma vitória moral de São Paulo, demonstrando o espírito combativo de um povo que luta por seus ideais. E o Porto de Santos não caiu em mãos inimigas. A promulgação de uma nova Constituição em 1934 aconteceu por resultado da incansável luta paulista para colocar o Brasil no caminho da legalidade. Na guerra travada em prol de um Brasil livre, contra um Brasil subjugado, pomos afirmar que aquele que foi derrotado triunfou sobre o vencedor.
 
*Sergio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça seu trabalho no site
 

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