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Calendário do trabalho portuário

Fonte: A Tribuna On-line / Lucas Rênio*
 
O trabalho portuário só pode ser compreendido no presente e planejado para o futuro se seu passado for objeto de estudo
 
A relação capital-trabalho no Porto é incomparável! De fato, nenhum outro segmento das relações sociais trabalhistas é tão diferenciado em termos de peculiaridades históricas, econômicas, regulatórias e consuetudinárias. Isso inclui a existência de um calendário próprio. No último sábado, foi comemorado o Dia Nacional do Trabalho Portuário, data que está ligada ao evento histórico de abertura dos portos brasileiros às nações amigas.
 
É interessante registrar que, embora muitos profissionais atuem no setor, tecnicamente a Lei Federal 12.815/2013 só enquadra como portuários os trabalhadores de estiva, capatazia, conferência, bloco, vigilância e conserto. O Projeto de Lei 2.666/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, visa inserir uma sétima atividade nesse enquadramento regulatório: amarração (tarefa que, na prática, já tem sido executada por pessoal da capatazia).
 
Outra data relevante é o Dia da Resistência Portuária, no qual se relembra o marcante fato ocorrido em 28 de fevereiro de 1991. Em tal ocasião, num impressionante exercício da relação Porto-Cidade, a comunidade da Baixada Santista pressionou o Governo Federal e conquistou a readmissão de 5.372 doqueiros sumariamente demitidos.
 
Sem prejuízo de outras datas e fatos históricos relevantes, encerro a lista de destaques do calendário portuário com o Dia do Estivador: 18 de outubro, remetendo a um movimento nacional de reivindicação por melhorias em condições e direitos básicos, como água potável, direito a férias e proteção contra acidentes.
 
O trabalho portuário só pode ser bem compreendido no presente, e corretamente planejado para o futuro, se o seu passado for objeto de cuidadoso estudo. Essa lógica se aplica, por exemplo, à problemática questão da reserva de mercado. Somente a partir de uma análise histórica é possível constatar que tal fenômeno surgiu de modo natural no contexto internacional, como uma tradição, pela união de trabalhadores que dominavam o “saber fazer” artesanal das fainas e se conectavam por laços étnicos e familiares.
 
Apenas pela metodologia histórica é que se compreende, também, o propósito da exclusividade inserida na Lei Federal 8.630/1993: proteger de maneira específica, delimitada, o numeroso grupo de doqueiros e de avulsos que estavam sendo submetidos, naquela época, a uma drástica mudança em suas sistemáticas de trabalho.
 
Vale lembrar que os doqueiros (pessoal de capatazia) perderam seus empregos nas Companhias Docas e que os avulsos precisaram assimilar a substituição dos sindicatos pelos Órgãos Gestores de Mão de Obra (Ogmo), mudança esta que alterou um sistema secular de organização laboral. O referido momento histórico já passou há 30 anos e a reserva de mercado cumpriu sua função social, inexistindo razão sólida para que tal instituto permaneça vivo.
 
Embora o sistema Ogmo ainda deva seguir funcionando no Brasil por um bom tempo, com a existência de rígido controle sobre o sistema de inscrição (exclusividade dos matriculados no Ogmo para o trabalho avulso), no vínculo empregatício o acesso às oportunidades deve obedecer à livre iniciativa e à liberdade de profissão previstas na Constituição Federal.
 
Qualquer pessoa deve ter o direito de concorrer às vagas de emprego no trabalho portuário, sendo treinada por seu empregador em instituições de capacitação reconhecidas pelo Ogmo. Não há mais fundamento histórico-social que sustente a exclusividade criada em 1993. É necessário virar a página da história e avançar em pautas que realmente interferem no futuro do trabalho portuário, como treinamento, requalificação, plano de carreira, incentivos e condições diferenciadas para aposentadoria etc. São esses fatores, e não a reserva de mercado na vinculação empregatícia, que irão preservar os trabalhadores portuários diante dos desafios trazidos pelo fenômeno global da Economia 4.0.

*Lucas Rênio - Sócio da Advocacia RMM - Pós-graduado em Direito do Trabalho pela USP e PUC-SP - Presidente da Com. de Direito Portuário da OAB-Santos - Membro da Com. de Direito Marítimo e Portuário da OAB Nacional (Representando SP)
 

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