Artigos e Entrevistas

A economia azul e a transição energética

Fonte: Valor Econômico / Monica Jaén*
 
O horizonte marinho tem infinitas possibilidades para descarbonização do planeta
 
O mundo está atrasado na agenda de transição energética e na implantação de medidas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas. O forte verão de 2022 e a estiagem ocorrida no Hemisfério Norte, onde o transporte fluvial de cargas e o racionamento de energia, devido à crise hídrica, resultaram em importantes impactos financeiros e sociais. Esta situação foi acentuada pelo conflito na Ucrânia: a falta do gás russo e as questões geopolíticas estão pondo à prova os planos de transição energética.
 
A jornada de transição energética é de longo prazo, está intrinsecamente relacionada à descarbonização, e se aplica também à questão da Economia Azul, que abrange todas as atividades econômicas que acontecem nos oceanos, mares e zonas costeiras. São regiões com questões ambientais, sociais e econômicas interdependentes e necessitam de políticas de Estado que considerem os elementos nacionais e transnacionais.
 
Segundo o The EU Blue Economy Report dos anos de 2021 e 2022, o potencial da Economia Azul da União Europeia (UE-27), em 2018 e 2019, representou cerca de 1,5% do PIB (em termos de GVA) e cerca de 2,3% em termos de empregos. No Brasil, o Ipea indicou que a Economia Azul participou em cerca de 19% do PIB em 2018, e foi responsável por 22% dos empregos, ou seja, demonstra a importância que o mar tem para a economia brasileira.
 
Será que, no contexto da emergente economia azul, está se percebendo as oportunidades e desafios dessa transição energética para o PIB dos países e as mudanças climáticas?
 
Num país como o Brasil, em que há grande extensão costeira, aproximadamente 95% do comércio exterior é realizado pelas rotas marítimas. Para o ano de 2022 a estimativa é de que seja superavitário para a balança comercial brasileira, com o volume de exportações maior que o de importações, totalizando no acumulado de janeiro a agosto cerca de US$ 42 bilhões, um aumento considerável, se comparado ao ano de 2021.
 
De acordo com os dados da Marinha Brasileira, com o Novo Marco Regulatório da Cabotagem no Brasil, a relevância deste setor será ainda maior. A cabotagem tem um potencial imenso no efeito de abatimento da emissão de gases de efeito estufa. Segundo estudos, a cabotagem pode emitir até 80% menos CO2 que o modal puramente rodoviário, dependendo de condições específicas do percurso marítimo ou fluvial. Ela não vem para substituir o caminhão, mas sim para integrar aos modais já existentes.
 
O setor da navegação vem trabalhando de forma estruturada nos últimos anos para reduzir os impactos ambientais nos oceanos. Por meio da Organização Internacional Marítima (IMO, da sigla em inglês), e seu Comitê de proteção ao meio ambiente marinho, adotou-se a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, Anexo VI (Marpol), com 100 signatários e alcance de aproximadamente 97% da frota mercante mundial por tonelagem.
 
Recentemente, o Comitê trouxe novas regras para eficiência energética e redução das emissões de gases de efeito estufa e realizou, em cooperação com a UNFCCC (da sigla em inglês para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), um estudo sobre a quantidade e a percentagem relativa das emissões dos navios como parte do inventário global de emissões.
 
Em 2018, a IMO iniciou sua estratégia para redução das emissões de GEE do transporte marítimo, com a ambição de reduzir as emissões internacionais anuais, considerando em 2021 medidas de curto prazo tanto técnicas como operacionais, com a redução da intensidade de carbono dos navios em pelo menos 40% até 2030, e 70% até 2050 em comparação com 2008.
 
Outra interessante medida da IMO é a criação da classificação operacional de intensidade de carbono nos navios, ou seja, os navios com mais de 5.000 gt (arqueação bruta) receberão classificação de sua eficiência energética de A até E, sendo A a melhor pontuação. A IMO busca com essa medida incentivar as autoridades portuárias e outros stakeholders a fornecer incentivos para navios classificados como A ou B. O navio com nota inferior a C deverá apresentar um plano de ação para alcance do índice mínimo.
 
Somado a questão do transporte marítimo, destaca-se o potencial de geração de energia off shore. Os projetos desta alternativa ainda estão em processo de licenciamento junto ao Ibama, mas, até agosto de 2022, foram protocolados mais de 66 processos que somam cerca de 169 GW de potência a ser instalada, mais de 10 vezes a capacidade instalada em Itaipu (14 GW) (lnkd.in/de2-4Jpd).
 
O horizonte marinho parece infinito de possibilidades para novas atividades que gerem a descarbonização do planeta, mas a diferença somente será perceptível quando as empresas e as pessoas passarem a incluir essa variável no seu dia a dia, imprimindo uma mudança sem volta. Apesar dessa pujança de oportunidades, a sustentabilidade dessas atividades precisa estar fundamentada no respeito ao meio ambiente e às pessoas e sua inclusão, bem como no equilíbrio e na capacidade de manutenção dos ecossistemas marinhos.
 
Não é por menos que as Nações Unidas proclamaram a Década da Ciência Oceânica entre 2021 e 2030 como forma de destacar a urgência de criação de consenso global, construído por meio do conhecimento científico e institucional, de forma a alcançar o ODS 14, que é o de “conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Neste ponto, vale lembrar que os oceanos são interdependentes dos efeitos das mudanças climáticas no planeta, uma vez que influenciam na regulação do clima e no ciclo das chuvas, impactando atividades, e são extremamente influenciados pelo aumento do calor e o derretimento das calotas polares.
 
Estamos em um processo de conhecimento e transição, uma jornada de longo prazo. Está claro que os stakeholders marinhos precisam navegar juntos, pois a academia ainda tem muito o que conhecer para apoiar os governos e a sociedade no estabelecimento de políticas de Estado onde as atividades econômicas nos oceanos possam ser desenvolvidas de forma sustentável.
 
*Monica Jaén, diretora de Sustentabilidade da Wilson Sons
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)



Compartilhe


Voltar