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A decepção no setor de infraestrutura

Fonte: Editorial O Globo
 
Um dos maiores problemas do Brasil é a produtividade baixa — e ela tem relação óbvia com falta de investimento em infraestrutura, como estradas, saneamento, energia, telecomunicações, portos e mobilidade urbana. Em 1980, um trabalhador americano produzia, em média, o equivalente a três brasileiros ou seis coreanos. Hoje o americano continua sendo mais produtivo, mas é preciso contar com mais brasileiros (cinco) e menos coreanos (dois).
 
Para acabar com esse desequilíbrio, o investimento em infraestrutura é urgente. É verdade que também temos de avançar em educação e acesso a capital, mas um brasileiro com a mesma educação e quantidade de recursos que um americano continuará produzindo menos. O caminhão com insumos demorará mais a chegar, o funcionário levará mais tempo entre a casa e o trabalho, ficará mais cansado, terá mais problemas de saúde.
 
Essa é mais uma área em que o governo de Jair Bolsonaro decepcionou. Entre 2019 e 2021, o investimento em infraestrutura no Brasil diminuiu na comparação com o período entre 2016 e 2018. Em valores médios anuais corrigidos pela inflação, saímos de R$ 151,1 bilhões (ou 1,76% do PIB) para R$ 140,4 bilhões (1,73%), segundo dados publicados neste mês pela consultoria Inter.B. É muito pouco perto da nossa necessidade mínima para resgatar o crescimento: duas décadas ininterruptas com investimento da ordem de 3,64% do PIB.
 
Bolsonaro foi duplamente incapaz: não manteve o volume de recursos públicos, tampouco permitiu atrair mais capital privado. Muitos investidores estrangeiros decidiram não pôr dinheiro aqui por causa da destruição da reputação do país: devastação ambiental, ameaças a indígenas, ministros delirantes, negacionismo na pandemia e ataques à democracia. “Uma frase muito repetida é ‘vamos aguardar’ ”, afirma o economista Claudio Frischtak, da Inter.B.
 
Ao aliar-se ao Centrão, Bolsonaro desistiu de aperfeiçoar a governança na relação do Estado com as empresas, um problema histórico. Promoveu um sem-número de desatinos: dinheiro alocado sem racionalidade técnica por meio das emendas do relator; o jabuti das térmicas encarecendo a energia na lei de privatização da Eletrobras; para completar, a discussão na Câmara para barrar aumentos da conta de luz e a articulação para financiar com dinheiro público gasodutos sem nenhuma lógica econômica.
 
Nem tudo deu errado. A aprovação do novo marco do saneamento foi um dos avanços. A privatização da Cedae e de aeroportos atraiu novos investidores, apesar da lentidão nos novos leilões. Mas foi pouco diante do que o país precisa. Mantido o ritmo atual de investimento, o Brasil chegará a 2040 como a grande economia mais distante do estágio ideal, segundo a Global Infrastructure Hub, ligada ao G20.
 
Para os padrões internacionais, o setor privado tem no Brasil uma participação alta nos investimentos em infraestrutura (de dois terços). Mas não há outra saída senão aumentá-la. A crise fiscal inviabiliza os investimentos públicos. Sem atrair novos investidores, o nó da infraestrutura não será desfeito.
 

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