Artigos e Entrevistas

Logística brasileira, realidade x ficção

Fonte: Valor Econômico / Natália Marcassa*
 
Foi com um misto de surpresa e indignação que li o artigo intitulado “A logística brasileira e o reino de Nárnia”, na edição de 20 de abril, no Valor. De autoria dos economistas Guilherme Lacerda e Roberto Garibe, o referido texto recorre à literatura fantástica infanto-juvenil para fazer uma crítica política à gestão da infraestrutura de transportes federal feita pelo atual governo. A leitura provocou surpresa pela fragilidade dos argumentos. Por outro lado, a indignação se transformou em satisfação ao perceber as oportunidades abertas ao colocar esse importante debate em pauta.
 
Para além do apreço por boas histórias, como é o caso da obra ficcional “As Crônicas de Nárnia”, referida por Lacerda e Garibe, tenho em comum com ambos, a partir da visão apresentada no artigo da semana passada, apenas um ponto: sobre a urgência de avançarmos como país na provisão da infraestrutura de transportes e na modernização da logística. No mais, nossas visões são distintas e levam a caminhos e políticas públicas divergentes em execução e resultado.
 
É irreal, como o reino de Nárnia, falar em investimento público, exclusivamente via União, com um orçamento vinculado no qual 92,6% do gasto é obrigatório e não discricionário, fora a discussão sobre eficiência e má alocação desses recursos, como visto na carteira trilhardária de obras abertas e inacabadas, que resultou no inchaço do PAC e levou a uma grande frustração como legado.
 
No campo dos investimentos privados, as concessões realizadas com foco no desenvolvimentismo são prova de uma política de ilusão, ao obrigar vultosos investimentos, descolados da demanda, numa modelagem não resiliente. Uma concepção errada, que, aliás, foi por diversas vezes rechaçada pelos técnicos de carreira. Tal descompromisso com a realidade resultou na devolução de ativos à União, a exemplo dos aeroportos de São Gonçalo do Amarante (RN), de Viracopos (SP) e, mais recentemente, do Galeão (RJ).
 
Na esteira dessa visão de Estado máximo permanecemos muito longe de ver encaminhadas soluções para gargalos históricos que impactam até hoje o Custo Brasil. E, para piorar, o país paga, ainda, o “pedágio” da imprudência fiscal de décadas passadas. Infraestrutura não é conto de fadas. O desafio é imenso e necessita sim de uma combinação entre um Estado eficiente e um setor privado efetivamente empreendedor. Avançamos no ambiente pro business, com segurança jurídica, abertura de mercados, desburocratização e evolução nos marcos regulatórios. E não podemos retroceder. O Brasil não tem mais tempo a perder. Para isso, precisamos pactuar princípios básicos que garantam a expansão da infraestrutura e o equilíbrio da nossa matriz de transportes.
 
O primeiro ponto de consenso que precisamos buscar é tratar infraestrutura como política de estado, baseada em planejamento de longo prazo e visão de futuro. Temos um Plano Nacional de Logística (PNL), pensando os desafios do Brasil e projetando cenários até 2035. É resultado de um trabalho coletivo, construído em conjunto com todo o setor, poder público e sociedade civil. Trata-se de uma agenda de país. Há excelentes quadros técnicos e de carreira trabalhando nisso todos os dias e pensando soluções criativas para superar eventuais restrições orçamentárias, seja por meio de concessões ou investimentos cruzados No Ministério da Infraestrutura, nas agências reguladoras do setor e em diversos estados esse trabalho tem sido técnico.
 
Ter o rumo, no entanto, não é garantia de chegar ao destino. É preciso conhecer o caminho. Isso significa, no caso da infraestrutura, chegarmos a um segundo consenso sobre a necessidade de aprender com os erros do passado. Para ter uma concessão bem-sucedida é preciso uma modelagem equilibrada e um contrato exequível. O preconceito com o setor privado é inimigo de uma boa parceria, cujo principal objetivo é garantir investimentos e assegurar a prestação de um serviço eficiente e de qualidade.
 
Sabemos que modernizar a nossa logística, reduzir custos e melhorar a produtividade das nossas empresas são pilares importantes para a competividade, para os empregos e para o fortalecimento da nossa economia. Não atingiremos os objetivos sem aumentar a eficiência do gasto público, que deve ser direcionado para obras estratégicas do ponto de vista do desenvolvimento socioeconômico nacional e regional. Sem a parceria com a iniciativa privada, o Estado terá cada vez menos condições de fazer frente às demandas crescentes por investimentos em tantas áreas vitais para o país, como, dentre outras, é o caso da infraestrutura de transportes.
 
A restrição orçamentária é uma realidade que se impõe. Após a aprovação da PEC do teto dos gastos, fica inviabilizada qualquer tipo de comparação entre dotações orçamentárias no governo atual e em governos da década passada. Por isso importa também colocar em discussão a qualidade do gasto, que passa pela definição de critérios técnicos, pela gestão integrada das informações, pelo monitoramento permanente de processos. Passa ainda pelo controle interno das áreas de compliance e pela colaboração com os órgãos de controle externos.
 
Contratos de concessão bem-sucedidos são aqueles que garantem investimentos e serviços eficientes nos nossos portos, rodovias, ferrovias e aeroportos. Isso permite que o orçamento público, limitado, seja direcionado a obras e projetos menos atrativas para o mercado, mas que são estratégicas para o escoamento da produção, a interligação do país e para a segurança e conforto da população.
 
Como ocorre com as políticas de Estado, que exigem maturidade política e institucional para terem continuidade, os resultados ficarão como legado para as próximas gerações de brasileiros. Programas não precisam de pai ou de mãe. Nem precisam das bênçãos de Aslan, para retomar a referência ao fictício e mágico Reino de Nárnia, que nada tem a ver com a realidade de quem trabalha com o desafio de fazer a provisão de infraestrutura no Brasil.
 
A infraestrutura precisa de discussão séria e de espírito público – inclusive para reconhecer erros -, de estudos técnicos consistentes, de planejamento, de visão estratégica, de continuidade e de parcerias para que efetivamente saiam do papel e possam impactar, de forma positiva, a nossa economia e a vida da população.
 
*Natália Marcassa, secretária nacional de Fomento, Planejamento e Parcerias do MInfra 
 

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