Artigos e Entrevistas

Port Community System na vida real

Fonte: Portal BE News / Angelino Caputo*
 
Você sabe o que é, na prática, um PCS – Port Community System? Acho que se fizermos uma pesquisa aqui entre os leitores do BE News teremos algumas respostas. “Não sei!”, talvez seja a resposta mais comum. Se não tivesse essa pegadinha: “na prática”, talvez mais gente poderia responder: “Sim, eu sei!”. Outros talvez digam: “Já estou trabalhando há três anos nisso, mas até agora não entendi direito…”
 
Vamos tentar ajudar então. Segundo a IPCSA – International Port Community System Association, um PCS é uma plataforma eletrônica que conecta os múltiplos sistemas operados por uma variedade de organizações que compõem uma comunidade portuária ou aeroportuária. É compartilhado no sentido de que é criado, organizado e usado por empresas do mesmo setor – neste caso, uma comunidade portuária.
 
Explicando melhor, um PCS não é por si próprio um sistema, mas sim uma plataforma criada para que diversos sistemas possam trocar informações entre si. É uma espécie de midleware de integração a serviço dos sistemas já existentes numa comunidade portuária, para que esses sistemas possam trocar informações.
 
E quem seriam os donos desses sistemas que usam o PCS para trocarem informações entre si? Empresas, entidades de classe, prestadores de serviços, autoridades, órgãos públicos ou qualquer outro ator que atue no processo produtivo daquela comunidade portuária.
 
Mas por que esse atores se juntariam para trocar informações por meio de uma plataforma compartilhada? Qual a vantagem disso? Para responder essa pergunta acho melhor voltarmos às origens dos PCS.
 
Os PCS surgiram nos portos da Alemanha na década de 1970 e rapidamente foram seguidos por portos da França e Reino Unido, que começaram a operar no final da década de 1970 e início dos anos 1980. Países como Holanda e Espanha iniciaram seus PCS na década de 1990 e na virada do século.
 
O principal motivador para que cada um desses portos implantasse seu PCS foi aumentar sua posição competitiva em comparação com os portos vizinhos, seus competidores naturais. Um porto vive basicamente da movimentação de cargas. A pergunta básica então é: como convencer os navios, os importadores e os exportadores a escolherem o meu porto, e não o porto vizinho?
 
Melhorar os processos em termos de pontualidade, confiabilidade, segurança e custos passa a ser então o principal direcionador para convencer os clientes a usarem um determinado porto. Mas como fazer isso se o nível de burocracia é grande e se as atividades desempenhadas pelos diversos atores são segmentadas, com muitas interrupções de fluxos ao longo do caminho e, principalmente, ocorrem com sérias dificuldades de comunicação entre os envolvidos, de forma que informações críticas para o desempenho de certas atividades, que dependem de outro ator, demoram a chegar e chegam com baixa qualidade?
 
A resposta parece óbvia, vamos chamar todos os envolvidos, ou pelo menos aqueles que possuem os processos mais críticos e criar uma integração de processos e sistemas para obtermos a eficiência desejada. Bingo! Acabamos de propor a criação de um PCS!
 
Mas, pera aí! Vamos quem, cara pálida? Quem é o dono do PCS? Quem paga por essa infraestrutura? Como são tomadas as decisões? Quais são os processos que serão integrados? Como são mediados os conflitos? Como são decididos os investimentos e quem participa dessa comunidade? Qual será a solução tecnológica adotada? Quem vai operar o PCS? Onde ele ficará fisicamente?
 
Dá para ver que não é simples implantar um PCS. Dá para ver também que o maior apelo do PCS é comercial, ou seja, privado. Embora os órgãos públicos estejam participando do “caminho crítico” dos processos portuários da comunidade, os maiores interessados em convencer os navios, importadores e exportadores a frequentarem esse porto e não o porto vizinho são as empresas privadas que exploram o porto.
 
E como a ideia de se implantar PCS chegou por aqui? Os portos brasileiros estão efetivamente preocupados com a concorrência dos portos vizinhos, como ocorreu na Europa a partir da década de 1970?
 
Aparentemente o setor privado não sentiu essa ameaça, pelo menos por enquanto. Está todo mundo sentado em berço esplêndido, com suas respectivas cargas cativas. Por isso, não houve uma provocação privada para o início do projeto.
 
Por outro lado, membros do governo, em missão internacional no ano de 2017 tiveram contato com todos esses conceitos explorados aí acima e o melhor, receberam uma oferta generosa do Fundo de Prosperidade do Governo Britânico para financiar, a fundo perdido, a implantação de PCS em quatro dos principais portos brasileiros: Santos, Rio de Janeiro, Itajaí e Suape.
 
Que maravilha! Vamos começar imediatamente esses projetos, porque mais cedo ou mais tarde a competição entre os portos começará para valer e aqueles que tiverem suas comunidades integradas terão uma grande vantagem competitiva.
 
Mas aí ocorre uma falha de percepção. A partir do momento que a condução do projeto passa a ser feita por representantes do governo (que felizmente conseguiram os recursos financeiros) e que o próprio governo passa a priorizar, nos projetos de PCS, as necessidades de transmissão de informações das comunidades portuárias para os sistemas governamentais, a essência do PCS, que é a competitividade daquela comunidade em relação à comunidade vizinha começa a ficar esquecida.
 
Algumas pessoas começam a ter rejeição pelo projeto, por considerá-lo mais um ônus que será exigido dos privados pelo governo, a ponto de alguns chegarem a comemorar o recente corte de verbas anunciado pelo governo inglês, que forçará a interrupção do projeto com recursos externos.
 
E, agora, quem assumirá a condução dos quatro projetos de PCS a partir de 31 de março de 2022, quando acabará o patrocínio do Prosperity Fund? Há convencimento e engajamento privado o suficiente para que a própria comunidade assuma esse bastão e siga adiante? Se depender de canais sérios de comunicação como o BE News, essa mensagem chegará aos níveis estratégicos e quem acordar primeiro colherá os frutos disso num futuro bem próximo.
 
*Angelino Caputo é diretor-executivo da Associação Brasileira dos Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA)
 

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