Artigos e Entrevistas

Coberturas de P&I e garantias aos trabalhadores

Fonte: A Tribuna On-line / Marcelo Sammarco*
 
Profissional é Advogado especialista em Direito Marítimo, Portuário e Regulatório
 
No plano internacional, foi firmada em 2006 a Convenção do Trabalho Marítimo (MLC - Maritime Labor Convention), fruto de discussões realizadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo por finalidade estabelecer requisitos mínimos para o trabalho de marítimos a bordo de embarcações; condições dignas de emprego, alojamento, instalações recreativas, alimentação, proteção à saúde, cuidados médicos, seguridade social, entre outros direitos.
 
Recentemente, o tema ganhou nova relevância em razão de recorrentes episódios de abandonos de navios e respectivas tripulações, inclusive na costa brasileira e, também, pela ratificação da Convenção do Trabalho Marítimo pelo Estado Brasileiro através do Decreto 10.671 de 2021.
 
Em especial, a convenção garante ao trabalhador o direito de repatriação ao país de origem de forma gratuita, bem como a regularidade de salários, que devem ser pagos ao menos uma vez ao mês e o direito a férias anuais em terra. Nos termos da MLC, o trabalhador marítimo não poderá ficar a bordo da embarcação por mais de 12 meses, de forma ininterrupta.
 
No entanto, como ficam os tripulantes nas hipóteses de abandono da embarcação pelo armador/empregador? É justamente neste ponto que a figura dos Clubes de Proteção e Indenização (P&I Clubs) se apresenta como garantidor das necessidades mais urgentes dos tripulantes, muito embora com limitações legais e sem assumir a posição do empregador na relação de trabalho originalmente estabelecida.
 
Como se sabe, os clubes de P&I são associações mútuas sem fins lucrativos que oferecem mecanismos de proteção e indenização aos seus membros associados, os armadores e afretadores. Portanto, um clube P&I não é um mútuo de seguro, mas uma associação constituída especialmente com o objetivo de cobrir certos riscos inerentes a atividade de transporte aquaviário.
 
Portanto, a proteção concedida pelos Clubes de P&I não se confunde com um contrato de seguro, tendo em vista que o instituto consiste na contribuição de todos os membros em determinado prejuízo suportado por apenas um, não havendo o pagamento de indenização propriamente dita pelo Clube ao membro.
 
Nos termos da MLC 2006, todos os navios mercantes são obrigados a exibir o certificado emitido por um Clube de P&I ou outro provedor de garantia financeira, confirmando que o seguro ou garantia financeira está em vigor para assistir o trabalhador marítimo na eventualidade de seu abandono, posto que nesta situação o armador não cumprirá com a obrigação relacionada aos custos de repatriação.
 
Desta forma, constatada a situação de abandono do trabalhador marítimo, a assistência do Clube de P&I ou do provedor da garantia financeira é acionada de acordo com as obrigações contidas na Norma A2.5.2, parágrafo 9, da referida Convenção, que claramente delimitam a responsabilidade dos Clubes de P&I no tocante ao marítimo. De acordo com o referido dispositivo, uma vez caracterizado o abandono, o Clube de P&I deverá efetuar o pagamento dos quatro últimos salários pendentes, quando aplicável; as necessidades urgentes para manutenção do trabalhador a bordo até a respectiva repatriação, incluindo alimentação adequada, vestimenta, água e demais itens para sobrevivência; e arcar com todas as despesas de repatriação do marítimo ao país de origem.
 
Portanto, na hipótese de abandono, o Clube de P&I assume a responsabilidade por itens específicos e básicos para manutenção da dignidade e proteção da saúde do trabalhador, bem como os custos para o respectivo retorno ao país de origem, sem, contudo, assumir as demais obrigações originárias da relação de trabalho, vez que o P&I não substitui o armador na relação de trabalho firmada com a tripulação.
 
A Maritime Labor Convention (MLC, 2006), portanto, representa importante avanço legislativo, agora incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por força do Decreto 10.671, de 2021. De um lado, impõe obrigações específicas, mas limitadas aos Clubes de P&I e, de outro, estabelece garantias mínimas de condições dignas de trabalho aos marítimos nas situações de abandono de embarcações.

*Marcelo Sammarco é advogado, sócio do escritório Sammarco Advogados, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos, árbitro no Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima (CBAM), diretor de marketing da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM), presidente da Comissão de Direito Marítimo da OAB – Subsecção de Santos, coordenador de Pós Graduação em Direito Marítimo na Universidade Metropolitana de Santos, conselheiro do comitê permanente do Fórum Sudeste Export, palestrante e articulista em temas relacionados ao direito marítimo, portuário e regulatório.
 

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