Artigos e Entrevistas

Molhados verticalizados x TUPs “secos” não verticalizados

Fonte: Portos e Navios / Osvaldo Agripino*
 
Novos desafios para a Autoridade Portuária Pública, Antaq e Cade
 
Não bastasse a problemática concorrencial e regulatória do SSE (THC2) entre terminais de contêineres molhados verticalizados (aqueles onde o armador é sócio) e retroportuários “puros sangue”, mais um problema vem sendo observado no mercado de contêineres do Complexo Portuário de Itajaí, a exigir solução técnica, dialógica, transparente, sob o prisma da segurança jurídica e das defesas da concorrência e do usuário, sob mediação da Autoridade Portuária Pública Municipal, a Superintendência do Porto de Itajaí (SPI), e da regulação da Antaq em cooperação com o Cade.
 
Isso se dá porque compete à Autoridade Portuária cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, assegurar o gozo das vantagens decorrentes do melhoramento e aparelhamento do porto ao comércio e à navegação; fiscalizar ou executar as obras de construção, reforma, ampliação, melhoramento e conservação das instalações portuárias; fiscalizar a operação portuária, zelando pela realização das atividades com regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio ambiente; reportar infrações e representar perante a Antaq, visando à instauração de processo administrativo e aplicação das penalidades previstas em lei, em regulamento e nos contratos e adotar as medidas solicitadas pelas demais autoridades no porto.
 
O problema, que envolve operação no porto organizado e nas instalações portuárias do seu entorno, ensejou denúncia na Antaq pela Abratec, entidade que congrega terminais verticalizados e não verticalizados de contêineres, contra alguns TUPs, considerados, por essa, terminais “retro” ou “seco”. A associação pede medidas para coibir o desvio de finalidade, sob o argumento de que tais TUPs não movimentam de forma preponderante cargas provenientes de navios, mas do transporte rodoviário, via DTC ou DTA.
 
Segundo a entidade, trata-se de conduta típica de free riders (carona), que motivou pedido de fiscalização fundado na Lei do Cade, por violação dos incisos I (limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa) e III (aumentar arbitrariamente os lucros) do art. 36.
 
Lembro que a criação dos terminais de uso privado pela Lei nº 12.815/2013, que pôs fim à discussão sobre carga própria e carga de terceiros, do malsinado Decreto nº 6.620/2008, que prejudicava os investimentos dos terminais de uso privativo misto, da Lei nº 8.630/1993, se deu justamente para ampliar a oferta de serviços portuários ao usuário e, por sua vez, a efetividade do serviço adequado, nos quais se incluem a regularidade, a modicidade e a eficiência, que ainda estão distantes, em que pese o esforço da Antaq.
 
Trata-se de aspecto vital, assim como a análise do impacto da posição dominante dos dois terminais molhados na operação no Complexo, até agora não enfrentados adequadamente nessa discussão que envolve vários processos na Antaq. Ressalto que uma das formas do abuso da posição dominante é criar barreiras de entrada aos “novos” entrantes. Esse problema poderá ocorrer em outras regiões do país, por meio de disputa entre terminais públicos e privados não verticalizados e verticalizados, caso Antaq, Cade e Autoridade Portuária Pública não o enfrentem desde já.
 
Com a criação do TUP na Lei dos Portos, houve a outorga de várias instalações portuárias verticalizadas e não verticalizadas fora do Porto Organizado de Itajaí. Nesse ambiente de negócios há problemas de centralização de Governança Portuária, na Secretaria Nacional dos Portos, retirando ou reduzindo poderes da SPI e do CAP, dentre os quais zelar pela defesa da concorrência, e evidências de externalidades negativas decorrentes da concentração horizontal e verticalização no mercado relevante de contêiner catarinense, vez que a Maersk, através da APM (arrendatária em Itajaí) e Itapoá, movimentou 55% de TEUs, e a MSC/TIL, por meio da Portonave (em Navegantes) 41% de TEUs em 2020, segundo a Antaq.
 
Os dois armadores operam 96% do mercado relevante, quase cinco vezes o que a Lei do Cade considera posição dominante, ou seja, quando uma empresa tem mais de 20% do referido mercado, embora tal situação, per se, não seja considerada abuso.
 
A partir da edição da Lei dos Portos de 2013 tem aumentado o número de TUPs e de terminais retroportuários no Complexo Portuário de Itajaí. Nesse cenário, a Abratec, que representa a APM e a Portonave, efetuou a denúncia contra os referidos TUPs, mencionando que essas “foram habilitadas tão somente para operação de cargas destinadas ou provenientes de transportes aquaviários, estão, em verdade, valendo-se do regime aduaneiro especial de transferência de cargas para operar essencialmente com cargas que recebem por DTC, isto é, por via terrestre.”
 
Segundo um dos terminais molhados supostamente prejudicados “desde o ano de 2011 temos verificado o crescente aumento do percentual de transferência de mercadorias em regime DTC (Declaração de Trânsito de Contêiner) sobre o volume total importado. Conforme dados trazidos no documento em anexo, essa transferência de mercadorias tem se dado eminentemente para outros Terminais de Uso Privativo, assim habilitados por essa Agência para a operação de cargas destinadas ou provenientes de transporte aquaviário.”
 
Por sua vez, de acordo com a Antaq, há evidências de cometimento de várias infrações do marco regulatório, especialmente as que tratam do serviço adequado, como regularidade, continuidade e eficiência, bem como uso de instalações portuárias com desvio de finalidade, vez que tais TUPs celebraram contrato de adesão para movimentar contêiner e alguns sequer possuem equipamentos para tal fim.
 
Para a Antaq, o desvio de finalidade é um abuso de direito. “A política pública consignada na Lei nº 12.815/2013 é de aumentar o número de agentes dentro do mercado mediante o investimento privado. Dessa feita, a exploração inadequada da área frustra a política setorial e represa a otimização de recursos escassos, sujeitando-os à monopolização e uso exclusivo ou privativo pela via torta, os quais poderiam estar sendo aproveitados mais eficientemente por outro empresário mais interessado em desenvolver o setor”. 
 
De acordo com a Agência, “indícios de concorrência desleal também podem ser explorados, pois a parcela mais rentável de um terminal portuário é, cada vez mais, o serviço complementar e acessório prestado à carga, haja vista que o mercado tem dois lados. Do lado dos armadores, verdadeiros oligopólios internacionais, o poder de barganha dos terminais molhados é baixo, porém, do lado do importador ou dos agentes de carga, há oportunidades para sobrepreços e de aumento arbitrário de lucros. Nessa lógica, enquanto os terminais regulares dessa hinterlândia (aqueles sem desvio de finalidade) suportam diuturnamente a relação comercial com os armadores estrangeiros e depois prospectam serviços acessórios para aumentar a receita total, os terminais irregulares (aqueles com desvio de finalidade) provavelmente invertem a lógica, fugindo da relação comercial com o armador estrangeiro e pulando diretamente para os serviços acessórios, sem aumentar o total da movimentação aquaviária e sem atender essa demanda, apenas apropriando-se das rendas do setor mediante conduta oportunista lastreada, possivelmente, na redução do custo operacional médio, já que não lidam com a parte mais onerosa da cadeia do transporte e não investem em maquinário e em dragagem.”
 
Por sua vez, os TUPs sustentam que há inúmeros problemas que fogem à sua competência, como os de dragagem, morosidade nos órgãos intervenientes, vacância do período para entrar em operação, e que, segundo o relatório da própria Antaq, a diversificação dos negócios, a exploração de nichos e a atuação complementar em outras frentes não é vedada pelo marco regulatório, desde que compatíveis com o objeto da outorga, já que outras fontes de receita auxiliam na sustentabilidade financeira da empresa e potencialmente reduzem o preço da movimentação portuária, embora a Agência sustente que o acessório não pode tornar-se o principal, no curto ou no longo prazo.
 
Em síntese, trata-se de problema complexo a exigir solução sistêmica, aprofundada e não fragmentada, não somente dos dedicados técnicos da Antaq, mas também do Cade, por envolver problemática concorrencial, assim como da Autoridade Portuária Pública Municipal, que luta pela prorrogação do contrato de delegação, e da academia, juntamente com todos as empresas e entidades envolvidos, especialmente TUPs, arrendatário, terminais retro e usuários.
 
O objetivo deve ser garantir o interesse público, ou seja, de um lado, proporcionar o retorno do investimento privado de todos os prestadores de serviços, sejam TUPs e o arrendatário APM, assim como dos retroportuários e, de outro lado, dar efetividade ao serviço adequado ao usuário.
 
Diante desse novo imbróglio, sua solução não é tarefa fácil. Essa problemática exigirá solução consensual, distante do sobrecarregado Judiciário, que deve ser deferente aos atos da regulação, por parte da mediadora Autoridade Portuária Pública Municipal, ironicamente incluída no Programa de Desestatização do Governo Federal, a ensejar a renovação do contrato de delegação, tal como já se deu nas Autoridades Portuárias do RS e do PR, com autonomia plena, como já solicitado ao Ministério da Infraestrutura, inclusive com a delegação do poder deliberativo do CAP, e da Antaq em cooperação com o Cade.
 
Tudo como determina a Lei Geral das Agências Reguladoras, inclusive por meio da Análise de Impacto Regulatório, envolvendo também toda a comunidade portuária da região, dentro e fora do porto organizado, nas zonas primária e secundária, ensejando o aperfeiçoamento do modelo atual de governança portuária pública municipal, que vem melhorando com a sua curva de aprendizado iniciada há vinte e quatro anos.
 
*Osvaldo Agripino é advogado, professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali e pós-doutor em Regulação dos Transportes e Portos pela Harvard University
 

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