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Revolução silenciosa na exportação de grãos

Fonte: Valor Econômico / Claudio Frischtak*
 
Expansão sinaliza soluções alternativas e melhores combinações de frete e tempo de deslocamento
 
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja no mundo – grão que está na base das principais cadeias proteicas de alimentos. Na safra 2020-21, o país produziu 135,4 milhões de toneladas (37,3% da produção mundial) e exportou 91,8 milhões (grãos, farelo e óleo), equivalente a 48,6% do total transacionado. Junto com os EUA, o país é responsável por 86% das exportações mundiais, reflexo dos elevados níveis de produtividade – 3,52 toneladas por hectare – acima dos EUA (3,38 t/ha) e da média mundial (2,84 t/ha).
 
Se a história da transformação do cerrado num celeiro global – com apoio essencial da Embrapa – é conhecida, a revolução silenciosa no âmbito da logística de exportação de grãos na última década ainda está sendo contada. Neste período, as exportações do complexo soja e milho cresceram a uma média de 9,2% ao ano em volume, enquanto os fretes terrestres contraíram de forma acentuada (no caso rodoviário em cerca de 7% ao ano em dólar desde 2014), possibilitando o escoamento de enormes volumes a custos competitivos, apesar dos fretes marítimos nos últimos 5 anos terem feito o caminho inverso, crescendo 16-18% ao ano (tanto para Europa quanto China).
 
Como se explica essa transformação? O país tem hoje dois grandes sistemas descentralizados de exportação de grãos para a Ásia, Oriente Médio e Europa: o sistema Sul, que deságua nos portos de Santos, Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande, acessado por meios rodoferroviários; e o chamado Arco Norte, cujas principais saídas são pela BR-364 e rio Madeira; BR-163 e rio Tapajós; e conexões ferroviária e rodoviárias que conectam Tocantins, sul do Maranhão e Noroeste do Piauí ao porto de Itaqui, além do porto de Santana no Amapá. E há um segundo conjunto de menor participação que drena o oeste da Bahia e Minas Gerais, basicamente, para os portos de Salvador e Vitória.
 
Esses sistemas competem e se complementam, e sua impulsão nos próximos anos se dará pela melhoria das hidrovias do Madeira, Tapajós e Amazonas, além das conexões portuárias na região; novas rotas (a exemplo da extensão da Estradas de Ferro Vitória-Minas até ao menos o porto do Açu); e expansão dos principais portos graneleiros do país (Santos e Paranaguá) e seus acessos. São movimentos que irão oferecer soluções logísticas alternativas e melhores combinações de frete e tempos de deslocamento.
 
A rápida expansão do Sistema Norte na última década respondeu a uma demanda crescente por novas rotas, e a participação na exportação do complexo soja-milho praticamente duplicou de 16,6% para 31,9%1. Contudo, esse sistema encontra limitações, na medida em que seus portos – se mais próximos da Europa e Mediterrâneo – são mais distantes da Ásia, em particular da China, cuja participação nas exportações de grãos de soja do país chegou a 86,8% em 2020 (75,4% em 2013).
 
Isso não seria o caso se houvesse sentido econômico dos navios graneleiros saindo do Arco Norte utilizarem o Canal do Panamá; na realidade não o fazem, não apenas pelo custo elevado da travessia, mas pelo risco de perderem o slot assignado à embarcação, por força das chuvas frequentes na região amazônica, e que dificulta o embarque do grão e a aderência a cronogramas rígidos associados à travessia do Canal. Assim, os portos de Itacoatiara, Santarém, Vila do Conde e Itaqui, que teriam ganhos de distância entre 11% e 6% numa rota para Xangai, comparando as alternativas Canal do Panamá vs. Cabo da Boa Esperança, na realidade via Cabo da Boa Esperança são penalizados pelas maiores distâncias náuticas, o que explica em forte medida as diferenças de frete marítimo no transporte de grãos para a China.
 
O quadro compara os custos de transporte do norte do Mato Grosso para os portos de Santos, Paranaguá, Santarém e Barcarena, assim como sua dinâmica recente (1ºtrimestre 2021 em relação ao 1ºtrimestre de 2020). Primeiro, o prêmio ou spread de frete marítimo entre as rotas Norte e Sul para Xangai é considerável, e varia de US$ 5 por tonelada entre Barcarena e Santos (US$ 4/t entre Itaqui e Santos) a US$ 13,54/t entre Santarém e Santos2.
 
Segundo, enquanto os custos marítimos em dólar se elevaram de forma particularmente acentuada nos portos do Arco Norte (no caso de Itaqui em 11,6%), os fretes hidroviários se mantiveram relativamente estáveis, enquanto os fretes rodoviários contraíram entre 6,1% e 13,2%, e ferroviários em 18%, indicação da intensidade de competição entre esses dois últimos modais.
 
A crescente diferenciação e expansão dos sistemas de exportação de grãos tem sido resultado de investimentos privados alicerçados em “bens públicos” (melhorias no âmbito legal e regulatório) e alguns investimentos tópicos de governo com elevadas externalidades. “Mega projetos” – como Ferrogrão e outros – com taxas sociais de retorno possivelmente negativas, ao fim são apenas sorvedouros de recursos públicos. Prioritário para o Sistema Norte seria a remoção de gargalos e modernização de vias de escoamento e seus acessos, com a utilização do regime de concessão ou autorização, sob modelagens que promovam a competição pelo ativo ou serviço.
 
Igualmente importante, o país no médio e longo prazo se beneficiaria por reforçar sua “saída Leste” no eixo Vitória-Rio. Da mesma forma, há forte potencial no Sul centrado na expansão dos portos de Santos e Paranaguá, e melhoria de suas conexões com o hinterland. Essa agenda – impulsionada pelo setor privado – dará continuidade à “revolução silenciosa” capaz de responder à contínua expansão das exportações de grãos do país.
 
*Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
 

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