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Secretário nacional de Portos defende projeto de desestatização Plano não agrada toda a comunidade portuária

Fonte: A Tribuna On-line
 
Secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni 
 
Garantir uma gestão portuária eficiente, com a realização de investimentos em infraestrutura e modernização. A intenção do Governo Federal de desestatizar empresas como a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e a Autoridade Portuária de Santos, novo nome da Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Codesp, passa por esses pontos. Os leilões devem ser realizados neste ano e no próximo, respectivamente. Mas, apesar da boa intenção, o plano não agrada toda a comunidade portuária, e há temores de aumento de custos e desemprego de trabalhadores. Na entrevista a seguir, o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, defende o projeto.
 
A desestatização de administrações portuárias entrou no radar do Governo Federal e se tornou um dos projetos prioritários deste ano. A pasta aponta a ineficiência da administração pública. Mas, por que desestatizar a Codesa e a Autoridade Portuária de Santos neste primeiro momento? Quais foram os principais problemas mapeados nas duas empresas?
 
A desestatização portuária é uma das alternativas de política pública a fim de aumentar a competitividade e o desenvolvimento do País, com a alavancagem de investimentos na ampliação da infraestrutura do setor, proporcionando maior eficiência operacional e reduzindo custos aos usuários. Embora nos últimos anos tenham-se verificado avanços na operação e na exploração portuárias e o consequente aumento da movimentação de carga, há um cenário de descompasso entre a expansão da capacidade da infraestrutura portuária frente ao crescimento do setor. Dessa forma, os investimentos por parte da iniciativa privada nesses projetos se revelam como uma alternativa viável para a melhoria da qualidade dos serviços prestados e da eficiência operacional, fornecendo ao parceiro privado liberdade, flexibilidade e agilidade necessárias para que possa otimizar o uso desse espaço público e proceder às adaptações das operações de que o dinamismo dos fluxos de comércio necessita.
 
E por que a Codesa primeiro?
 
Para a definição do ativo portuário pioneiro para o processo de desestatização, foram avaliados alguns aspectos dos portos organizados. No caso da Codesa, dentre outros aspectos, foram considerados os seguintes: dimensão e complexidade do espaço; quantidade significativa de áreas operacionais disponíveis para novos projetos de arrendamento; necessidade de investimentos que dificilmente seriam supridos pelos recursos próprios da companhia e pelo Governo Federal; e uma situação financeira que permite a viabilidade econômica do projeto. De forma similar, também se avaliou o Porto Organizado de Santos, que, além das vantagens de um parceiro privado para realizar investimentos de relevantes monta financeira e complexidade, a transferência à iniciativa privada também traria ganhos de produtividade quanto à gestão, à eficiência e à celeridade nas compras e contratações necessárias às operações. Há, ainda, o potencial de trazer importante experiência internacional em gestão portuária. Além disso, esse modelo possibilita que novas experiências de desenhos operacionais, gerenciais e tecnológicos para a gestão dos portos se consolidem no Brasil, incentivando o investimento em inovação por meio da concorrência entre portos e da melhoria contínua da eficiência operacional.
 
Diante dos problemas apontados, qual será a receita da iniciativa privada para garantir eficiência aos complexos portuários concedidos?
 
Considerando que o modelo aprovado foi o de alienação da Codesa associado à outorga do serviço público portuário — e que esse modelo, em avaliação preliminar, também deverá ser aplicado ao Porto de Santos —, a remuneração da concessionária se dará através de receitas tarifárias, decorrentes das operações inerentes à atividade portuária, como infraestruturas de acesso aquaviário, operacional e terrestre; instalações de acostagem; utilização de armazéns; e de uso de abrigo e de receitas não tarifárias referentes aos serviços prestados não cobertos pelas tarifas portuárias, o que se dará mediante preço, livremente estabelecido pelo concessionário, mas fiscalizada pela Antaq a fim de coibir eventual abuso.
 
Como o Ministério da Infraestrutura vê os temores e os apontamentos de operadores e trabalhadores que atuam no Porto de Vitória sobre o risco de aumento de tarifas ou fugas de cargas após a desestatização?
 
O modelo de concessão vai aumentar a competitividade dos portos de Vitória e Barra do Riacho, contribuindo para o aumento do volume de carga movimentada. Para tanto, a concessão contará com elementos regulatórios que limitam aumento de tarifas e incentivam a atração de cargas para o porto. Com isso, os principais serviços comuns aos usuários e ofertados pela administração do porto são cobertos por mecanismos de regulação. Embora a concessionária possa prestar serviços acessórios e complementares opcionais aos usuários, não será permitida qualquer outra cobrança tarifária que não esteja prevista em contrato para serviços portuários.
 
Haverá um teto?
 
Nos primeiros seis meses, a concessionária irá observar como teto tarifário para todas as tarifas os valores atualmente vigentes. As propostas tarifárias da concessionária deverão seguir boas práticas de precificação de infraestrutura e serviços portuários, bem como diretrizes expedidas pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que tem o poder de suspender as alterações caso estejam em desacordo com as previsões contratuais ou se for identificado prejuízo aos usuários. O contrato prevê, ainda, o monitoramento de indicador relativo à disponibilidade de áreas operacionais no Porto de Vitória, com objetivo de aferir o efetivo uso das áreas disponíveis para operações portuárias, identificando se a administração do porto está atendendo as demandas dos usuários com regularidade.
 
Os mesmos temores são apontados em Santos, principalmente por causa dos investimentos que serão exigidos do novo concessionário, como a construção do túnel submerso entre Santos e Guarujá. Como tornar o negócio atrativo ao investidor privado? Como o administrador será remunerado?
 
A remuneração nos modelos de concessão em desenvolvimento pelo Governo Federal não difere, em linhas gerais, das formas usuais de remuneração de administradores de portos no mundo. Ou seja, o Porto deverá ser remunerado essencialmente por serviços e uso da infraestrutura de uso comum que é oferecida aos usuários do complexo, como acessos e berços de atracação, e pela locação de áreas operacionais contratadas com terminais portuários (landlord). Em 2020, a receita líquida do Porto de Santos atingiu R$1,1 bilhão, com geração de caixa medida pelo Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$500 milhões. As duas principais fontes de receita do Porto foram as tarifas de acesso aquaviário e as receitas patrimoniais de arrendamento. Com a existência de fontes diversificadas de recursos, a realização de investimentos no complexo portuário não dependerá de aumentos tarifários. Considerando os esperados ganhos de eficiência e o crescimento da movimentação ao longo do período da concessão, será possível compatibilizar grandes investimentos em melhoria da infraestrutura portuária com o retorno adequado de tais aplicações. Tal potencial para remunerar investimentos de grande porte qualifica o projeto junto aos investidores privados, tornando-o muito atrativo.
 
E quais são os cuidados que o Governo Federal tem tomado durante a modelagem para garantir que os projetos sejam bem sucedidos?
 
Na estruturação de cada processo de desestatização, deve ser assegurada a precificação adequada dos serviços portuários, incentivada a concorrência no mercado, garantidas a qualidade e a legalidade do processo de desestatização, alocando adequadamente seus riscos, consideradas as externalidades econômicas e sociais, bem como avaliada devidamente a viabilidade financeira da desestatização almejada. Para que todos esses pontos sejam assegurados, é fundamental a realização de estudos, no intuito de se adotar o modelo de exploração mais adequado para cada um dos projetos. Nesse sentido, para os projetos da Codesa e dos portos organizados de Santos e de São Sebastião, os estudos para a modelagem, coordenados pelo Minfra, contam com apoio do BNDES e consultorias especializadas no setor, que atuam em diferentes frentes de trabalho. Também é importante a realização de audiências públicas frequentes com a comunidade portuária para coletar sugestões e impressões sobre a modelagem, de forma a se ter um modelo construído a partir da interação com múltiplos stakeholders do Porto.
 
Há possibilidade de reversão da desestatização? Haverá acompanhamento da gestão ou algum tipo de indicador para garantir que os portos serão bem administrados durante a concessão?
 
Sim. No caso dos portos de Vitória e Barra do Riacho, incialmente estão previstos seis indicadores principais que visam a acompanhar a disponibilidade e a qualidade da infraestrutura, a produtividade, o efetivo uso das áreas operacionais e aspectos de governança e sustentabilidade. Novos indicadores poderão ser propostos em processo quinquenal de revisão contratual. Quanto ao Porto de Santos, estes indicadores ainda estão em fase de elaboração. Assim como em outros setores de infraestrutura, a concessão dos portos organizados ocorre por tempo determinado e fixado contratualmente. Ao término da vigência do contrato de concessão, os ativos retornam à União, que poderá licitar um novo contrato de concessão ou reassumir a administração dos portos. O prazo fixado para o contrato de concessão dos portos de Vitória e Barra do Riacho é de 35 anos. É claro que o contrato trata da obrigação de critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade da atividade prestada, bem como de suas metas.
 
A desestatização da Codesa será um exemplo para a da SPA. Há pontos comuns nos dois processos? Quais?
 
O projeto de desestatização de Santos está em andamento e se encontra na fase de elaboração dos estudos e proposição de modelagem preliminar. Na sequência, será apresentada a todo o setor e à sociedade, através de processo de consulta pública. A modelagem que está sendo elaborada foi inicialmente inspirada no aprendizado que o projeto e as discussões da desestatização da Codesa trouxeram.
 
E quais serão os cronogramas dos dois processos? Quando devem ser realizados os leilões?
 
Com relação à Codesa, o processo está em fase adiantada, aguardando análise do projeto por parte do TCU, seguido do lançamento de edital e da realização de leilão ainda no fim de 2021 ou no início de 2022. Quando ao Porto de Santos, como dito, o processo está em fase de estudos, com as etapas seguintes previstas para o próximo ano.
 
Quem são os potenciais investidores que poderão arrematar as duas empresas? Haverá restrições de participação? Quais?
 
A restrição de participação prevista para o certame relativo ao Porto de Vitória tem como objetivo garantir a diretriz de que a concessão do porto organizado ocorra com exploração indireta das áreas operacionais. Ou seja, que o administrador do porto não atue simultaneamente em operações portuárias ou explore terminais em área do porto ou usuários da infraestrutura do porto organizado. Os potenciais investidores incluem empresas nacionais e internacionais de concessões de infraestrutura, fundos de investimentos, operadores portuários e logísticos e autoridades portuárias. Em relação ao projeto de Santos, os critérios de participação no certame ainda estão em fase de elaboração.
 
O que será feito com as outorgas dos leilões das duas empresas? Quanto o Governo Federal espera arrecadar em cada um desses projetos?
 
Para a Codesa, o valor mínimo estabelecido a título de outorga pelo direito do contrato de concessão é de cerca de R$ 697 milhões, com o pagamento de R$ 479 milhões (mais um eventual ágio oferecido no leilão) à Codesa e à União no momento da celebração do contrato — o restante será pago em parcelas anuais. Esse pagamento da maior parte da outorga fixa em parcela única, juntamente com eventual ágio, reduz as chances de lances que podem inviabilizar o projeto, gerando um maior compromisso com o projeto por parte dos interessados no certame e proporcionando uma seleção de melhores players. Já para o Porto de Santos, os valores de outorga, sua forma de pagamento e sua destinação ainda estão em fase de definição.
 
Como será o período de transição de uma empresa pública para a privada? Como os contratos deverão ser adaptados às regras de Direito Privado?
 
Em relação ao Porto de Vitória, após a transferência das ações da União ao novo investidor, a companhia deixará de ser uma empresa pública, passando a se submeter integralmente ao regime de Direito Privado. As obrigações já assumidas pela Codesa em contratos com fornecedores e empregados não serão alteradas. A concessionária irá assumir imediatamente a posição da União, não remanescendo qualquer vínculo entre os arrendatários e o poder concedente. A concessionária deverá respeitar os termos e condições previstos nos contratos em vigor e observar procedimento previsto no contrato de concessão para adaptação e transição organizada.
 
Muito se falou sobre a expectativa de aportes de R$ 1 bilhão nos portos do Espírito Santo. Mas, efetivamente, quais serão esses investimentos? Há obras prioritárias em acessos ou infraestrutura?
 
O investidor que arrematar a Codesa e a concessão dos portos de Vitória e Barra do Riacho deverá realizar investimentos totais mínimos de R$783milhões para recuperação estrutural e manutenção da infraestrutura dos portos ao longo do contrato de 35 anos. Deste montante, pelo menos R$ 300 milhões são voltados à dragagem de manutenção do Porto de Vitória. O contrato contará, ainda, com mecanismo que permitirá a inclusão de futuros investimentos identificados pelo concessionário, em conjunto com usuários dos portos e o poder concedente.
 
E no Porto de Santos, quanto deve ser investido pelo novo concessionário? Como? Há obras prioritárias em acessos ou infraestrutura?
 
Os investimentos a serem definidos como obrigatórios para o futuro concessionário do Porto de Santos ainda estão em fase de análise. Porém, há uma estimativa inicial que já soma mais de R$ 5 bilhões de investimentos.
 

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