Artigos e Entrevistas

Quem tem o ônus deve suportar o bônus

Fonte: A Tribuna On-line / Paulo Henrique Cremoneze*
 
É hora de o mundo repensar as responsabilidades dos transportadores
 
 
O mundo assombrou-se com os danos e prejuízos decorrentes do encalhe do navio Ever Given no Canal de Suez. Eu, não.
 
Há algum tempo venho dizendo sobre os enormes riscos em torno dos super navios cargueiros. Isso porque os grandes cargueiros, super navios, colossos sobre as águas, podem causar danos ambientais, pessoais, materiais incalculáveis. Um encalhe e parte do mundo dos negócios parou por alguns dias. Não é necessário conhecimento técnico para imaginar que é muito mais difícil desencalhar um navio gigantesco do que um de pequeno porte.
 
Um super navio é, em tese, uma Cordilheira dos Andes de potenciais danos. O encalhe recente não me deixa mentir, sequer exagerar. Por isso, é hora de o mundo repensar as responsabilidades dos transportadores.
 
Faz-se necessário o estabelecimento de um regime ainda mais rigoroso de imputação de responsabilidades, garantindo-se a reparação integral, rápida e eficaz de todo e qualquer dano.
 
O transporte de cargas é vital para a economia. Todo o mundo reconhece isso. Ninguém deseja de modo algum demonizar transportadores.
 
Todavia, não se pode endeusá-los. São importantíssimos? Sim, muito. Mas não atuam gratuitamente e em nome do bem universal. Atuam de forma empresarial e recebem – muito bem, aliás – para isso.
 
Onassis, o famoso armador grego, dizia, lá pelos anos 50 do século passado, que o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de navegação mal administrada. Uma afirmação irônica, mas significativa.
 
Por aí se vê a lucratividade do setor e a importância de se pôr fim, imediatamente, ao sistema de blindagem que o beneficia há muito tempo.
 
O transporte de cargas, sobretudo o marítimo internacional, não é uma aventura, mas um fenômeno preciso, previsível e passível de ordenação. Se um dia foi aventura, hoje definitivamente não é mais. Trata-se de um segmento especialmente dominado pela alta tecnologia.
 
Esta afirmação não é retórica. Já se noticia amplamente que o primeiro navio autônomo do mundo está pronto para zarpar. A viagem programada para breve será entre os portos de Plymouth, na Inglaterra, e Massachusetts, nos Estados Unidos.
 
É bem verdade que Mayflower 400 não é um navio de passageiros ou de cargas. É destinado ao campo das pesquisas sobre poluição marítima e ao rastreamento de mamíferos aquáticos. Porém, não é menos verdade que o começo de um novo tempo está aí, escancarado, em plena navegação, com o perdão pelo trocadilho.
 
Mais do que nunca se tem, em toda a parte, a certeza de que a navegação marítima é algo preciso, seguro, previsível e, sim, lucrativo. Os gastos serão menores a cada ciclo de desenvolvimento tecnológico e os lucros, maiores, bem maiores.
 
Ora, quem tem o bônus tem que suportar o ônus.
 
Aplaudamos todos os avanços das tecnologias e o desenvolvimento econômico dos transportadores, mas exijamos deles as devidas responsabilidades. Eles existem para servir, não para serem servidos. Não formam um grupo intocável, nem podem continuar a ser cercados de caprichos e proteções normativas.
 
São e devem ser um grupo especial de prestação de serviços, intimamente ligado ao desenvolvimento econômico-social, vanguardista da globalização e digno de aplausos, desde que abracem suas responsabilidades.
 
Todos os atores do sistema de transporte têm que estar preparados para a resposta imediata e integral dos danos de suas atividades, essencialmente marcadas pelo selo do risco.
 
Armadores e clubes de proteção e indenização não podem deixar de lado suas responsabilidades, nem mesmo as mitigarem, sob pena de prejudicarem, ainda que involuntariamente, as pessoas em geral. Danos não podem ser sempre evitados.
 
É a resposta dada diante das suas ocorrências que define quem é quem no tempo em que vivemos.
 
*Paulo Henrique Cremoneze, advogado com atuação em Direito do Seguro e Direito dos Transportes.
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)



Compartilhe


Voltar