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O que explica privatizar um porto superavitário, fundamental para o desenvolvimento, e que gera emprego e renda?

Fonte: Brasil 247 / José Álvaro de Lima Cardoso*
 
No começo de fevereiro último o governo estadual anunciou a extinção da Santa Catarina Parcerias, a SC-Par, empresa estadual que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul


 
No começo de fevereiro último o governo estadual anunciou a extinção da Santa Catarina Parcerias, a SC-Par, empresa estadual que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul. Ainda que as informações sejam pouco transparentes, segundo o que foi anunciado, a extinção da SC-Par, virá acompanhada da privatização dos dois portos catarinenses que são hoje administrados pelo governo do Estado: São Francisco do Sul e Imbituba.  Ambos os portos são do governo federal, mas administrados por concessão ao governo catarinense.
 
As medidas do governo catarinense não são fatos isolados. Os portos brasileiros, e toda a complexa estrutura que os coloca em funcionamento, sofrem neste momento, uma intensificação dos ataques. O Projeto de Lei 4.199/2020, novo marco legal da cabotagem, também conhecido como BR do Mar, está para ser votado no Senado Federal. O Projeto tinha sido aprovado em 2020 na Câmara Federal, com muitos protestos de trabalhadores portuários, caminhoneiros e usuários dos portos. A postura do governo federal para a aprovação deste projeto é a mesma que tem em relação às privatizações de outros ativos: aprovar tudo rapidamente, sem debate. 
 
O objetivo do PL “BR do Mar”, argumenta o governo, é aumentar a oferta de serviços de transporte entre os portos brasileiros e a concorrência do setor. Segundo o engenheiro naval e consultor em logística portuária e transporte marítimo Nelson Carlini, o projeto faz abertura da navegação para o capital estrangeiro que significa na prática o abandono da navegação brasileira, e não conduzirá a efeito na indústria e no emprego. Para o engenheiro o chamado BR do Mar, parte de 2 premissas falsas: considera que o principal entrave ao setor é a pequena disponibilidade de navios e pressupõe que o modal está estagnado. Mas, segundo o citado especialista, a cabotagem representa 11% da matriz de transportes brasileira, e tem crescido em média 10% ao ano.
 
O governo Bolsonaro, que tem ministro da Economia de orientação ultra neoliberal, deveria olhar como o sistema funciona no mundo. O modelo de exploração portuária que prevalece no planeta é o Landlord Port (exploração compartilhada público-privado). Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública, naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar e regular a atividade. Este modelo é o que vigora nos portos da Europa (Rotterdam, Bélgica, Hamburgo, etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New Jersey) e Ásia (China, Coréia e Japão). Os portos citados são todos referências mundiais em eficiência, agilidade e sustentabilidade. O Landlord Port é o modelo sob o qual funciona, também, o Porto de São Francisco do Sul. 
 
O marco legal portuário no Brasil estabelece basicamente 3 modelos de exploração do negócio:
 
1. Exploração de instalações portuárias dentro dos portos organizados, por meio de arrendamentos, precedidos de licitação (Landlord Port). Este é o modelo de todos os portos públicos do Brasil. Especialmente depois da Lei nº 8.630/1933, que possibilitou que os portos públicos fossem transferindo a operação portuária ao setor privado, através de arrendamentos, passando a se ocupar somente da administração do porto e de investimentos em infraestruturas de uso comum no empreendimento; 
 
2. Exploração de Terminais de Uso Privado (TUP), fora dos portos organizados, para movimentação de cargas, mediante autorização do Poder Concedente (Fully Privatized Port). O Porto de Itapoá, que funciona também na Baía da Babitonga, (onde se situa o Porto de São Francisco do Sul), é o terceiro do Brasil em movimentação de cargas, e é um exemplo de TUP bem sucedido; 
 
3. Exploração de instalações portuárias dentro dos portos organizados, mediante autorização a operadores portuários pré-qualificados sem exclusividade sobre o uso das instalações (chamado de Tool Port). Este modelo é o do Porto de Recife, em Pernambuco, por exemplo. 
 
Nos inúmeros aspectos que devem ser levados em conta no debate sobre privatização dos portos catarinenses, um deles é a questão do preço. Não há, pelo menos publicamente, uma previsão sobre qual valor o Porto de São Francisco de Sul seria colocado à venda. Mas é fácil prever de que seria um valor bastante abaixo do seu valor efetivo, como em regra têm sido as privatizações no Brasil. Para efeito de comparação, podemos tomar a BR Distribuidora, cujo controle acionário foi vendido pela Petrobras, como exemplo recente. É a maior distribuidora de derivados de petróleo do país, com cerca de 30% do mercado de combustíveis e lubrificantes. Possui quase oito mil postos de venda e atua em 99 aeroportos. Com o negócio, o governo entregou o controle do terceiro maior mercado de combustíveis do planeta, que perde apenas para EUA e China. 
 
Isso por cerca de R$ 9,6 bilhões, em torno de US$2,5 bilhões (ao câmbio da época, hoje seria menos), uma mixaria considerando o mercado de petróleo e o faturamento da BR Distribuidora. Não se sabe quem foi o investidor “estratégico” que comprou a BR Distribuidora. Alguns especialistas neste tipo de mercado acham que foi a SHELL, que teve participação ativa no golpe de 2016 no Brasil. Até 2017 a Petrobras era a única proprietária da BR, ano em que vendeu 29% das ações. Agora os investidores privados têm a maioria das ações da distribuidora de combustíveis, na prática, a BR foi privatizada. 
 
O valor de venda da BR Distribuidora (R$ 9,6 bilhões), já foi devolvido em boa parte com o lucro líquido de 2020, de R$ 3,9 bilhões. Ou seja, só no primeiro ano de funcionamento com controle privado, o lucro líquido da empresa já cobriu 41% do preço de compra. É um verdadeiro negócio da China. Possivelmente as empresas que adquiriram a BR Distribuidora contaram com crédito público e financiamento facilitado.
 
Voltando ao Porto de São Francisco do Sul, como foi registrado, não há ainda nenhuma informação pública sobre o seu preço de venda. O mesmo ocorre com o Porto de Imbituba. Mas se para uma BR Distribuidora foram R$ 2,5 bilhões, pode-se imaginar que os valores que serão estabelecidos para os Portos de São Francisco do Sul e Imbituba, serão irrisórios. Mas a questão do preço dos ativos públicos será a menos importante. Existem dezenas de outras razões pelas quais um patrimônio destes não deve ser entregue ao setor privado. O Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina, inclusive, está elaborando, ao longo de março, um estudo, no qual boa parte dessas razões estão sendo elencadas.
 
*José Álvaro de Lima Cardoso, economista
 

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