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O legado da MP 945/2020 pode ser o aumento de demandas judiciais

Fonte: Eraldo Aurélio Rodrigues Franzese*



A MP 945 publicada no dia de hoje de 04/04/2020 – Dispõe sobre medidas temporárias em resposta à pandemia decorrente da covid-19 no âmbito do setor portuário e sobre a cessão de pátios sob administração militar motivada pela pandemia do coronavírus trouxe medidas para o enfrentamento da mesma, que são de natureza transitória. 
 
Entre essas medidas: 1-Impede o trabalho dos maiores de 60 anos e com doenças cardiovascular, respiratória ou metabólica 2-Assegura para esse trabalhadores “indenização compensatória” no valor de 50% da médias dos últimos seis meses a ser paga do OGMO, custeada pelos operadores portuários, sendo dos arrendatários pela revisão do contrato e dos não arrendatários por compensação tarifaria com a Autoridade Portuária (no final quem paga a conta é o governo). 3-Os aposentados ou que recebem benefício do INSS estão excluídos do recebimento da “indenização compensatória”.
 
A pretexto da pandemia foram inseridas alterações perenes da legislação que afetam diretamente a sistemática do trabalho portuário acendendo a luz da disposição do governo de extinguir com o trabalha portuário avulso.
 
A MP 945 alterou a lei de greve para inserir a atividade portuária como essencial.
 
As atividades essenciais elencadas na Lei 7.783/89 não estão impedidas da realização de greve – direito constitucionalmente assegurado – mas possuem regramentos mais rígidos daquelas atividades não essenciais.
 
Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
 
São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. E, somente no caso de não atendimento dessas necessidades o Poder Público poderá intervir para assegurar a prestação dos serviços indispensáveis.
 
A lei de greve proíbe a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto quando não atendidas necessidades inadiáveis ou na hipótese de manutenção do movimento após decisão da Justiça.
 
No caso do trabalho portuário a MP foi mais rigorosa de modo a autorizar a contratação de trabalhadores substitutos em caso de não atendimento pelos trabalhadores avulsos de requisições dos operadores portuários, desvinculando do atendimento as necessidades inadiáveis da comunidade como se refere a CF. 
 
Com isto pretende impedir qualquer tipo de movimento do trabalhador ofendendo de forma direta o artigo 9º da CF que assegura o “direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. E, mesmo nas atividades essenciais a CF garante o direito de greve com o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
 
Por outro lado, a MP ao autorizar a contratação de trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado para realizar o trabalho portuário na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos, a nosso ver não dispensa o respeito ao disposto no § 2º do artigo 40 da Lei 12.815/13 que assegura a exclusividade daqueles inscritos junto ao OGMO.
 
No que respeita a “multifuncionalidade” a autorização para sua implantação necessita de regramento de modo a exigir não só a qualificação mas o treinamento por parte do OGMO. Essa é matéria que deve ser regulada por norma coletiva, está sendo autorizada pela MP sem qualquer regra.
 
Trouxe a MP o fim da escala presencial de forma abrupta ofendendo o direito ao trabalho de muitos trabalhadores que não possuem ou não têm acesso a equipamentos eletrônicos que possibilite a sua escalação.
 
Se a modificação da forma de escala é de interesse do OGMO, o mínimo que poderia ser feito é o fornecimento (pelo OGMO) de equipamentos e estrutura adequada a todos os trabalhadores portuários para que pudessem ter acesso igualitário a escalação.
 
Embora possa se dizer que grande parcela de trabalhadores possui um celular, não é menos verídico que outra parcela sequer tem celular que lhe permita acesso aos aplicativos para escala. Quanto a estes, não há dúvida da alteração prejudicial, que independentemente da disposição legal – inconstitucional – levará a diversas demandas judiciais para aumentar ainda mais o passivo do OGMO. Falta, no mínimo o bom senso de buscar uma solução para atender essa parcela de trabalhadores que ficaram excluídos de acesso ao trabalho.
 
Enfim, num momento de apreensão de todos os trabalhadores e da população em geral em relação a pandemia, o Governo, sem qualquer debate com as partes interessadas insere alterações na legislação portuária de forma perene – e não apenas para enfrentamento da pandemia – que afeta o sistema de trabalho portuário podendo causar um desequilíbrio.
 
Existe evidente oportunismo de ir além de “medidas temporárias em resposta a pandemia decorrente do covid-19”.
 
Dependendo a Medida Provisória de aprovação do Congresso Nacional, esperamos que a matéria seja melhor debatida para retirar as inconstitucionalidades e assegurar o modelo de trabalho portuário consagrado na Lei 12.815/13, inclusive em respeito a Convenção 137 da OIT.
 
Santos, 16 de abril de 2020.
 
*Eraldo Aurélio Rodrigues Franzese, advogado de vários sindicatos entre eles os sindicatos portuários SINDAPORT, SINTRAPORT, SINDOGEESP e SINDICATO DOS RODOVIÁRIOS. É membro do Conselho Institucional da OAB-Santos, integra a Comissão de Direito Portuária da OAB-São Paulo, membro do grupo de estudos portuários junto ao Tribunal Superior do Trabalho. Foi Presidente da Fundação Lusíada, mantenedora da Faculdade de Medicina de Santos, condecorado com Comenda no Grau de Grande Oficial outorgada pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
 

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