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Santos e o diálogo com o porto

Fonte: Folha de S. Paulo / Francisco Nogueira*
 
População não quer assistir impassível ao aumento do desemprego
 
 
Ainda é possível, com um pouco de imaginação, fechar os olhos e ouvir o frisson que o porto de Santos, o mais antigo do Brasil, viveu principalmente nos últimos anos do século 19 e na primeira metade do século 20. Por aqui que escoamos nossas riquezas, do pau-brasil e do açúcar ao café.
 
A atividade portuária mudou radicalmente a partir da segunda metade do século 20. Hoje, assistimos ao desemprego e à vida indigna que prospera em imensas áreas da Baixada Santista.
 
Santos, no litoral paulista, avançou e ocupou as margens da área portuária, com escolas, hospitais e moradias. O porto, embora com tamanha importância, tornou-se uma cunha federal em um território que historicamente pertencia à cidade.
 
Hoje, as autoridades federais que comandam a Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) não ouvem os reclamos e não veem os problemas que geram na população do entorno, em particular, e da Baixada Santista em geral. Cumprem interesses difusos que privilegiam a atividade graneleira, de grãos, fertilizantes e celulose, justamente no trecho portuário mais urbano, da Ponta da Praia e de Outeirinhos.
 
Não se importam com os problemas de poluição; aliás, já detectados e confirmados pela Cetesb em diversas notificações. Também não veem a proliferação de roedores, pombos e outros animais indesejados, que transmitem doenças sérias. Esquecem-se dos recentes incêndios, em operação de açúcar e de combustível, que mantiveram o porto interditado por vários dias e deixaram passivos de crimes ambientais na cidade.
 
O Brasil investiu na última década na pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém, na construção de três ferrovias e na implantação de portos nos litorais do Maranhão, do Pará e do Amapá. Terminais muito mais próximos do Canal do Panamá e dos mercados importadores dos Estados Unidos e da Europa.
 
O objetivo evidente era criar corredores seguros para o transporte de grãos da região Centro-Oeste e provocar o desenvolvimento nas regiões Norte e Nordeste. Portos, aliás, que como ensina a moderna prática portuária, operam granéis em áreas distantes dos núcleos urbanos.
 
O Brasil industrializado tem o maior PIB da América Latina —34% dele em mercadorias e exportação e importação que passam pelo porto de Santos. Fechar terminais de contêineres para ampliar operações com commodities em zona urbana favorece apenas o agronegócio e trava o desenvolvimento econômico nacional. Os empresários de São Paulo, responsáveis pelo maior PIB do Brasil, terão se dado conta de que o plano da Codesp vai obrigá-los, quem sabe, a exportar seus produtos pelos portos do Espírito Santo ou de Santa Catarina?
 
A população de Santos quer o direito de ser ouvida. Não quer assistir impassível ao aumento do desemprego, que forçosamente será trazido pela mecanização do transporte de cargas a granel.
 
Já passou o tempo em que um burocrata decidia de forma quase imperial a vida e o destino de uma população de mais de 1,5 milhão de pessoas. A sociedade organizada de Santos não vai aceitar essa situação novamente. Sindicatos, universidades e associações de moradores estão mobilizados e vão lutar por um futuro melhor.
 
*Francisco Nogueira, vereador em Santos
 

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