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O tempo da reforma trabalhista nos contratos de trabalho e nas relações coletivas

Fonte: ConJur / Paulo Sergio João*
 
A Reforma Trabalhista da Lei nº 13.467/17 vai para o seu segundo ano no próximo dia 11 de novembro. Talvez não de vigência completa em razão da Medida Provisória nº 808, editada em 14 de novembro do mesmo ano e com perda de vigência em 24 de abril de 2018. Depois veio a Medida Provisória nº 881/2019, tratando da Liberdade Econômica, com algumas alterações da Reforma e, ao final, foi aprovada e sancionada, convertendo-se na Lei nº 13.874/19, chamada “reforminha”.
 
Foram dois anos de expectativas, incertezas e de insegurança nas relações individuais e coletivas do trabalho. Alguns caminharam para o “pode tudo” e outros para o “não pode nada”. Os mais cautelosos, ainda aguardam as discussões acalmarem após juristas, juízes e ministros se manifestarem sobre conjecturas que consideram a mudança e a transformação do velho (CLT) para o novo (CLT reformada).
 
O confronto do Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT) com as novas disposições da Reforma obrigou o intérprete, necessariamente, no nosso sentir, a dois aspectos transformadores: (i) à revisão dos efeitos da manifestação da vontade e da responsabilidade do modelo de protecionismo paternalista e (ii) de um sindicalismo monopolista.
 
A revisão dos efeitos da manifestação da vontade e da responsabilidade aplicadas, comparativamente ao período anterior à reforma, deveria considerar o contrato de trabalho mais próximo dos contratos de natureza civil pura, em que o ajustado faz lei entre as partes contratantes. Contudo, a justificativa histórica (e que ultrapassa os tempos para que nas relações trabalhistas se encontre um componente diferenciado da lei civil) justificou-se pela necessidade de emprego e desigualdade econômica entre as partes, além do que cuida a relação de força de trabalho humano, incompatível de ser tratado como coisa e, portanto o direito civil não lhe servia e demonstrou seus efeitos danosos na relação de trabalho. A proteção encravada pelo direito do trabalho, na garantia de direitos mínimos, parece justificar a existência de uma legislação específica e fora do alcance dos princípios civilistas.
 
A Reforma Trabalhista contrariou a tradição e, em alguns casos, a realidade ainda existente. Assim, aumentou o grau da manifestação da autonomia da vontade individual, como exemplo, no disposto pelo artigo 444, parágrafo único, tratando como diferenciados trabalhadores com salários acima do dobro do teto da previdência e que tenham nível de ensino superior. Ao mesmo tempo, a Reforma enfrenta temas que pareciam essenciais no contrato de trabalho e que gozavam de indisponibilidade de direitos e garantias legais e convencionais. Aqui, a responsabilidade contratual prevalecerá e não será submetida a revisões judiciais em período posterior ao rompimento contratual dado que homenageia a prevalência do negociado, aplicando-se a regra “rebus sic stantibus”. O preenchimento dos dois requisitos parece, todavia, pertencer a um grupo reduzido de trabalhadores. Para os demais, aplicam-se os princípios históricos e que justificaram e que ainda podem justificar a garantia contratual mínima de direitos.
 
O segundo aspecto, que diz respeito à forma pela qual os trabalhadores se organizam em sindicatos para negociar novas condições de trabalho, fez destacar que a proteção social coletiva de grupos identificados por vínculos de interesses comuns seria capaz de equilibrar e evoluir nas conquistas e avanços de melhoria da condição social (art. 7º caput da Constituição Federal).
 
A Reforma Trabalhista, no tema direito coletivo nele compreendido a organização sindical, enfrentou dificuldades. Não se pretende cair em lugar comum, de reconhecimento quase unânime, mas vale lembrar a fragilidade de nosso sindicalismo (com poucas exceções) acostumado no modelo de receita certa (contribuição sindical compulsória) e de pouca prestação de contas aos representados. Deste modo, a alteração da forma de custeio com a transferência para a manifestação favorável do trabalhador ou empresa não sofreu resistência porque faltaram justificativas para sua permanência.
 
Assim, nesta continuidade de prática da Reforma Trabalhista no âmbito das relações coletivas, a evolução ainda está a caminho porque as negociações, contrariamente ao que foram no passado, em que se negociavam os prejuízos, devem pautar condições de responsabilidade para o futuro e, em especial, de forma consistente e programática, abandonando o aqui e agora. A autonomia da vontade coletiva foi prestigiada e impõe aos negociadores (patrões e empregados) responsabilidade de seus efeitos. Os sindicatos devem entregar para seus representados um plano para o futuro, acompanhando as transformações do mundo do trabalho e que não seja exclusivamente imediatista.
 
Também as negociações coletivas, compreendidos sindicato profissional e patronal, devem observar a Convenção Internacional nº 98, da OIT, em seu artigo 4º, ratificada pelo Brasil em 1949, no sentido de que o objetivo da negociação é o de regular, os termos e condições de emprego. Neste passo, constata-se avanço desordenado e desgovernado na fixação de contribuições sindicais ou, no mesmo sentido, de excluir de obrigação de quota de deficientes empresas que sejam associadas ao sindicato patronal. Todas violando a garantia de exercício do direito de liberdade sindical e, da quota de deficientes, a própria lei.
 
Mas, os erros e acertos devem ser atribuídos à pouca familiaridade com o novo. O tempo deverá acomodar a Reforma cuja aplicação é inexorável e são prematuras interpretações futurísticas.
 
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
 

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