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Cresce 160% número de profissionais qualificados com jornada de trabalho menor do que gostariam

Fonte: O Globo
 
Já há mais de 1 milhão de pessoas com ensino superior nesta situação, segundo IBGE. Maioria trabalha por conta própria ou sem carteira assinada
 
Cinco anos depois do início da crise, a qualidade do mercado de trabalho continua a se deteriorar, apesar da pequena melhora no emprego este ano. Um dos principais indicadores disso é a parcela de trabalhadores com jornada inferior a 40 horas semanais por falta de oportunidade para se ocupar mais. O contingente de pessoas subaproveitadas , ou subocupadas, alcançou 7,4 milhões de brasileiros no segundo trimestre, maior nível desde o início da pesquisa Pnad Contínua , do IBGE, em 2012, mas a precarização cresceu em ritmo mais acelerado entre os mais qualificados.
 
Desde 2014, o número de profissionais com ensino superior trabalhando menos horas do que poderiam aumentou 160%, enquanto o crescimento na média total dos trabalhadores foi de 67%.
 
Segundo um levantamento da consultoria IDados a partir das estatísticas do IBGE, já são mais de um milhão de graduados nessa situação. No segundo trimestre de 2014, eram 398 mil, o que fez a participação dos que conseguiram concluir a faculdade passar de 9% para 14% no total de subocupados desde o início da crise. Este cenário limita a renda e a produtividade de toda a economia. O número de pessoas que trabalham menos horas do que poderiam cresceu 28% entre os trabalhadores com fundamental incompleto, bem menos que os 160% dos que têm nível superior.
 
— Há uma geração de empregos formais, mas que não é suficiente para suprir a demanda do mercado. As pessoas tentam buscar alternativas com essas subocupações, aceitando o tipo de emprego que aparece, mesmo com horas a menos — diz Bruno Ottoni, pesquisador do IDados.
 
Para Cimar Azeredo, diretor adjunto de pesquisas do IBGE, a crise deixou subaproveitada uma parte significativa da força de trabalho, principalmente a com mais anos de estudo:
 
— Quem tinha 24 anos em 2014 e estava se formando está chegando aos 30 anos sem emprego ou numa ocupação fora da área dele. Ele se tornou mais obsoleto, desatualizado.
 
Desde 2016, a arquiteta Emmily Catro, de 28 anos, sente o número de projetos cair drasticamente. Sem oportunidades, resolveu buscar outra área:
 
— Agora, tento unir duas profissões. Faço projetos de arquitetura e outros de gestão e comunicação.
 
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, avalia que o canal de redução da renda dos mais instruídos foi a precarização, enquanto para o restante dos trabalhadores foi o desemprego. A informalidade e a queda na jornada tiraram 11% da renda dos que têm curso superior e 7,4% considerando todos os trabalhadores. Já o desemprego tirou 5,6% da renda na média geral, bem mais que os 2,7% entre os mais instruídos.
 
— A perda de renda desse grupo é explicada pelo efeito da precarização. O desemprego caiu, mas, em várias frentes, está mais precário. A jornada de trabalho caiu, e a informalidade aumentou — diz Neri.
 
Segundo Azeredo, dos 7,4 milhões de subocupados, 81% são trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada ou empregados domésticos. Mas outros 7% são professores, profissionais de ciência e de atividades intelectuais.
 
O professor de Geografia João Rachid, de 46 anos, chegou a dar aulas nos três períodos do dia, trabalhando mais de 40 horas semanais antes da crise. Hoje, só entra em sala de aula duas vezes por semana, totalizando dez horas. A renda dele caiu 30%:
 
— Cheguei a ter muitas turmas em escolas diferentes. Hoje, tenho quatro turmas em uma só escola.
 
Para a economista Maria Andréia Parente, do Ipea, os que estão em empregos formais têm mais chances de melhorar sua situação. São 18,9% nessa condição:
 
— O contingente de subocupados com carteira assinada tende a diminuir nos próximos trimestres com a economia começando a deslanchar. Os que estão no trabalho parcial tendem a ser contratados full time.
 
Para a pesquisadora, o restante deve continuar nessa situação por mais tempo. Com a economia melhorando, começam a voltar ao mercado os desalentados, que haviam desistido de procurar emprego, aumentando a concorrência.
 
Graduados sem chance
 
A expansão do ensino superior nos últimos anos é outro fator que explica o aumento do total de profissionais subaproveitados entre os graduados. De 2014 a 2019, a força de trabalho com ensino superior subiu 37%, chegando a 20,4 milhões. É a maior alta entre os níveis de escolaridade.
 
— A subocupação elevada é um sinal da fraqueza da economia. Desemprego longo afeta a qualificação das pessoas e a possibilidade de reinserção no mercado. E afeta a própria economia no futuro — avaliaThiago Xavier, economista da consultoria Tendências.
 
Formado em 2016 em Tecnologia e Análise em Desenvolvimento de Sistemas, Lucas Silva, de 31 anos, nunca conseguiu emprego na área. Resolveu trabalhar como motorista de aplicativo para pagar as contas até encontrar uma vaga, mas, sem prática, a defasagem no seu conhecimento começou a ser um obstáculo nos processos seletivos. Decidiu então reduzir as horas no volante para fazer um curso de tecnólogo e se atualizar:
 
— O tempo vai passando e você vai esquecendo muitos conhecimentos, ainda mais na minha área, em que tudo muda rapidamente. Nas entrevistas de emprego que fiz, para cargo de iniciante, tinha sênior ou gerente de área concorrendo comigo. Ficou difícil para quem não tem experiência.
 
Para Ottoni, do IDados, o aumento da subocupação deve frear a retomada da economia com queda da produtividade:
 
— As pessoas vão ficando defasadas. Se essa geração voltar a ter emprego na área em que se formou, será menos produtiva. É um custo grande para o país, desperdício de talentos e de mão de obra.
 
‘O que preocupa é o tempo de duração dessa crise’
 
Estatístico que vem acompanhando o mercado de trabalho desde o início dos anos 1990, Cimar Azeredo, diretor adjunto de pesquisas do IBGE, diz que não tinha visto situação tão complicada como agora, com quase 13 milhões de desempregados e 7,5 milhões de subocupados.
 
Por que está subindo a subocupação quando a taxa de desemprego vem caindo?
 
Efeito colateral de uma economia fraca que gera postos de trabalho de baixa de qualidade, com as pessoas ganhando menos, com o mercado de trabalho que não absorve as pessoas. Vemos uma deficiência grande principalmente quando se compara com 2015 e 2014.
 
O senhor acompanha mercado de trabalho desde o início dos anos 1990. É o pior momento?
 
Em termos de volume de desocupação, de informalidade, a gente pode dizer que é a situação mais complicada que já vivemos. O que preocupa é o tempo de duração dessa crise econômica refletindo no mercado de trabalho, com informalidade alta, sem pagar Previdência. É uma conta que todo mundo vai pagar.
 
Quais as consequências dessa crise?
 
Essa crise, que já tem cinco anos, derrubou quatro milhões de postos de trabalho. Perdemos o bônus demográfico (quando a parcela da população em idade de trabalhar é significativamente maior que a população dependente de crianças e idosos). E as pessoas que conseguiram se formar não se encaixaram ou foram para a informalidade. A informalidade é a marca dos subocupados.
 
Mas o desemprego está caindo?
 
Quando se analisa mercado de trabalho, não basta olhar somente para a taxa de desemprego diante da quantidade de informações que as novas pesquisas trazem. Temos de falar da subutilização da mão de obra, da informalidade, que estão nos maiores níveis. Olhar só a taxa de desemprego é uma maneira ultrapassada de analisar.
 

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