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Frederico Bussinger: O que e como se intenta privatizar nos portos?

Fonte: A Tribuna On-line
 
Nesta edição da coluna, o consultor, engenheiro e economista comenta sobre os planos do Governo para a Codesp
 
“Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante, plausível e completamente errada” (H.L.Mencken)
 
Noticiava-se privatização. Mas no recente leilão, o ministro Tarcísio esclareceu que a ideia é abrir-se o capital da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). O governador Doria fala amiúde em privatizar o Porto de Santos, inclusive vem de tweetar interesses chineses. O BNDES contratou estudos para desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e/ou outorga da concessão dos seus portos.
 
Privatização? Abertura de capital? Desestatização? E: Da administradora? Porto? Concessão? Os estudos do BNDES vão além. Admitem: I) alienação do controle acionário; II) liquidação e criação de uma nova sociedade; III) “...outras modalidades conforme art. 4º da Lei 9.491/97” (7 incisos).
 
O modelo, pois, parece ainda em aberto, e o processo capixaba, candidato a laboratório. Já os objetivos não: os atuais governos parecem determinados a envolver privados e se afastar das funções de gestão local dos portos. Insista-se: este não é o modelo mundialmente predominante nos portos-referência!
 
Ao longo dos últimos 800 anos, foi ficando cada vez mais clara a importância da função de autoridade portuária: mais ampla que a de administração e bem além da de zeladoria (hoje, quase que o dia a dia de nossas Docas, depois da centralização das decisões estratégicas em Brasília). Farta literatura internacional explica essa evolução, o quadro e tendências atuais. P.ex, Manual de Reformas Portuárias, do Banco Mundial, e a periódica pesquisa de Governança Portuária da European Sea Ports Organisation (Espo), ambos na internet.
 
Mas se a diretriz é essa, que o modelo “made in Brazil” seja funcional, eficiente e institucionalmente contextualizado. Nesse sentido essencial que algumas questões sejam aclaradas/tratadas. Dentre elas:
 
Ao iniciar este século, empresas privadas (operadores, arrendatários e TUPs) executavam quase 100% das operações portuárias brasileiras. Assim, “privatização do Porto de Santos” só pode ser da Codesp; certo? Esta é uma “empresa pública, de capital fechado, dividido por ações”: 99,99% União e 0,01% com a Prefeitura de Santos. A ideia, implícita, seria fazê-la de capital aberto e vender-se parcela das ações da União.   
 
Até aí, nenhuma novidade: Santos foi administrado por concessionária privada (CDS) por mais de 80 anos, sob o modelo vertical-monopolista, é verdade. Como nossos grandes portos. Tampouco há impedimento legal: ambas as leis (1993 e 2013) preveem tal concessão. Inevitável: por que, então, hoje, na prática inexistem empresas privadas como administradoras portuárias no Brasil? 
 
Necessário ir-se além do bordão “falta de vontade política”: I) Que interesse teria uma empresa privada na Codesp (ou qualquer Docas) se sem autonomia? E o nevrálgico: II) Que interesse, se despojada de negócios lucrativos do porto (movimentação e armazenagem)? Seu lucro resultaria só de ganhos de eficiência, ou dependeria de majoração de tarifas (pagas pelos usuários)? 
 
Não seria mais plausível imaginar-se o oposto? A saber: arrendatários e operadores, empresas privadas tanto quanto, assumindo essa função como uma obrigação contratual adicional?
 
Esse processo demanda mais que algoritmos e simulações.
 

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