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Robôs estão entre nós. Como viver num mundo sem empregos a todos?

Fonte: Exame
 
O futurista Martin Ford alerta há anos para a chegada inevitável da “singularidade” -- e discute como a sociedade pode se adaptar ao levante dos robôs
 
Os robôs dotados de inteligência artificial já são vistos como colegas de trabalho dos humanos e seres parcialmente conscientes. Logo, porém, poderão reproduzir uma situação digna do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço: aprenderão sem nenhuma interação humana prévia e substituirão nossas posições nas empresas, adquirindo uma consciência própria.
 
O futurista Martin Ford alerta há anos para a chegada inevitável da “singularidade” — quando os computadores serão mais espertos do que nós. Escritor dos livros Os robôs e o futuro do emprego (2019) e Arquitetos da Inteligência (ainda não lançado no Brasil), Ford alerta que qualquer um que desempenhe tarefas rotineiras e previsíveis, do chão de fábrica aos escritórios, estará suscetível à automação robótica.
 
Essa é também uma das teses do SoftBank, o maior fundo de investimentos em startups do mundo.
 
“Nós precisaremos nos adaptar a IA e gerar alguma forma de renda às pessoas que não encontrem mais ocupação”, afirmou a EXAME. “Se não fizermos, haverá impactos sociais e econômicos. O desemprego não gera apenas violência, mas uma diminuição de consumo. Sem demanda, a economia entra em colapso”.
 
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Martin Ford:
 
EXAME — Quão importante é a inteligência artificial?
 
Martin Ford — A inteligência artificial possui aplicações muito amplas, comparável às transformações que vivenciamos com a eletricidade. Da mesma forma que tudo atualmente depende de correntes elétricas, a IA irá impactar todo o sistema econômico, das indústrias aos comércios e empregos.
 
Quão perto estamos dessa adoção massiva?
 
Companhias de alguns setores já estão adotando a inteligência artificial e sentindo seus impactos. Já temos vislumbres de como será o futuro, com o desenvolvimento de carros autônomos e de novos medicamentos; algoritmos de compra e venda de ações; e análises de exames médicos para a detecção de doenças como câncer. A inteligência artificial pode fazer certas coisas muito melhor do que os humanos.
 
A maioria das transformações serão vistas a partir dos próximos cinco, dez anos. Coletamos uma série cada vez maior de dados, que se tornam o material de treino dos algoritmos. Eles se tornam mais e mais inteligentes, com o crescimento de produção de informações e da capacidade de processamento dos computadores. Por isso, a inteligência artificial se tornará muito mais poderosa com o passar dos anos e veremos mais descobertas tecnológicas.
 
A batalha pela melhor inteligência artificial pode incluir não apenas gigantes da tecnologia, mas também startups?
 
Há muitas startups no Vale do Silício, com apoio de investidores de capital de risco como o SoftBank, que se especializam em inteligência artificial e robótica. Existe muito desenvolvimento nas gigantes de tecnologia, como Facebook e Google, mas elas não dominam o setor.
 
Esses negócios possuem grande quantidade de dados úteis para suas verticais, mas há muitas partes da economia que possuem informações ainda não cobertas: hospitais, seguradoras e aéreas e agências de viagens, por exemplo. Essas indústrias terão a oportunidade de extrair de forma diferente o valor de seus dados, com a ajuda de aplicações específicas, talvez criadas por startups.
 
Da mesma forma, países emergentes podem competir com países líderes no desenvolvimento da inteligência artificial?
 
Por enquanto, o desenvolvimento parece estar concentrado na China e nos Estados Unidos, sede das empresas líderes em inteligência artificial. Mas acontecerá o mesmo que houve com a eletricidade: mesmo que as tecnologias surjam nesses países, elas logo chegarão a outros. Seu inventor pouco importa. A melhor forma de competir com os líderes será pela criação de talentos especializados, o que países como o Brasil podem realizar.
 
A automação evoluiu para o aprendizado de máquinas [machine learning], que agora se aprofundou por meio da aproximação ao comportamento humano [deep learning]. O próximo passo é uma inteligência artificial que substitua os humanos?
 
Os maiores especialistas no ramo concordam que a inteligência artificial em nível humano acontecerá, mas discordam em como e quando esse desenvolvimento ocorrerá. Pode ser em dez ou duzentos anos, mas o fato é que levará um bom tempo.
 
Quando a IA em nível humano acontecer, a dúvida será como controlar um ente mais inteligente do que nós e continuar gerando benefícios para a sociedade; como evitar um cenário que vemos em obras de ficção científica e filmes como O Exterminador do Futuro. Há instituições de peso trabalhando nisso, como a OpenAI, criada pelo Elon Musk [dono das empresas SpaceX e Tesla].
 
Como as empresas e a sociedade lidarão com um futuro em que a força de trabalho humana se tornará obsoleta?
 
A inteligência artificial possui dois lados. Ela pode aumentar a produtividade, tornar produtos mais acessíveis e gerar descobertas tecnológicas. Isso traz ganhos à economia mundial e à nossa qualidade de vida, como no caso do desenvolvimento de medicamentos melhores. Mas esse crescimento pode ser distribuído de forma desigual, com mais para os mais ricos e com mais conhecimento tecnológico, e deixar muitos para trás.
 
Essa é uma das principais preocupações que acompanha o desenvolvimento da inteligência artificial. Qualquer um que desempenhe tarefas rotineiras e previsíveis, do chão de fábrica aos escritórios, estará suscetível à automação robótica. Nós precisaremos nos adaptar a IA e gerar alguma forma de renda às pessoas que não encontrem mais ocupação.
 
É um debate que ganha força nos últimos anos, com propostas como a renda básica universal. Se não fizermos isso, haverá um impacto social e econômico. O desemprego não gera apenas violência, mas uma diminuição de consumo. Sem demanda, a economia entra em colapso.
 
O estado da inteligência artificial
 
Os robôs inteligentes já estão entre nós. No mundo, mais de 20 mil empresas já usam a plataforma de inteligência artificial Watson, criada pela gigante de inteligência artificial IBM. A empresa é que mais possui patentes registradas no setor, com mais de sete mil documentos.
 
No Brasil, a assistente virtual do banco Bradesco usa o Watson para abrir contas e fazer pagamentos e transferências de mais de nove milhões de clientes. Já a rede de laboratórios Fleury usa o Watson como ferramenta provedora de informações para auxiliar a tomada de decisão médica. Por fim, a Volkswagen lançou um aplicativo de manual cognitivo, que responde aos usuários 10 mil possíveis dúvidas sobre os automóveis Jetta, Tiguan Allspace e Virtus. “As empresas entendem mais sobre as intenções de seus clientes. Por outro lado, eles experimentam um atendimento mais humanizado do que as antigas gravações”, afirma Fabricio Lira, líder de dados e IA na IBM do Brasil.
 
Usar uma solução de inteligência artificial, nos próximos anos, deve ser tão natural para empresas e consumidores quanto construir e instalar um aplicativo. Para a consultoria Accenture, a adaptação da sociedade à AI é comparável à adoção dos trilhos ou da eletricidade. Dois terços dos 6 300 executivos entrevistados em 25 países esperam investir em IA no próximo ano. As receitas dessas companhias devem aumentar em até 30% nos próximos quatro anos.
 
As vendas de software de inteligência artificial devem crescer de 14,7 bilhões de dólares neste ano para 118,6 bilhões de dólares em 2025, afirma a consultoria em tecnologias emergentes Tractica. “Vamos começar a ver uma transição de conceito para aplicação dentro da infraestrutura de tecnologia das empresas, com foco na escalabilidade”, afirma Aditya Kaul, diretor de pesquisa na Tractica. Se você for um funcionário e prestar atenção, um robô já pode ser seu companheiro no uso do computador — e o futuro reserva ainda mais mudanças.
 

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