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A verdadeira jabuticaba brasileira é o fim do Ministério do Trabalho

Fonte: Jota / Rodrigo de Lacerda Carelli*
 
Ministérios com trabalho ou emprego no nome são centrais em todo o mundo


 
Em outro artigo discuti a lenda urbana de que a Justiça do Trabalho seria a “jabuticaba brasileira”, ou seja, que seria algo que só existiria no Brasil. Demonstrei que não somente a Justiça especial para os conflitos laborais antecede em várias décadas à sua criação no Brasil, como ela existe na maior parte dos países importantes do cenário mundial, como Alemanha, Inglaterra, Noruega, Suécia, Espanha, Austrália, Nova Zelândia, México, Chile, dentre outros. No presente texto, por outro lado, demonstrarei que finalmente temos uma jabuticaba brasileira de verdade: o fim do Ministério do Trabalho, sendo esquartejadas as suas funções e distribuídas a três outros ministérios: Economia, Justiça e Cidadania.
 
Esta sim foi uma “inovação”, pois em todos – todos – os países relevantes do mundo há um Ministério – ou órgão de posição equivalente – especializado na questão do trabalho.
 
De fato, comecemos pelo ‘país-fetiche’ daqueles que sonham com o fim de todas as instituições relacionadas com o trabalho: os Estados Unidos. Nesse país da América do Norte não existem ministérios. Em seu lugar existem os “Departments”, como o “Department of Justice”, que são considerados “cabinet-level”, ou seja, têm ranking de ministério, assessoramento direto ao gabinete da presidência.
 
O chefe de cada “Department” é o “Secretary”, cargo equivalente no Brasil ao de um Ministro. Pois nos Estados Unidos bem existe o “Department of Labor” desde 1913, congregando todas as funções do extinto Ministério do Trabalho brasileiro. Cada Estado mantém seu próprio “Department of Labor”. No Canadá, atualmente há o “Minister of Employment, Workforce and Labor”, algo como Ministro do Empego, Trabalhadores e Trabalho. Cada provínica no Canadá mantém seu próprio “Ministry of Labour“.
 
Partindo para a Europa temos o mesmo panorama. No Reino Unido, temos o “Minister of State for Employment”, ou Ministro de Estado para o Emprego, que é o chefe do “Department for Work & Pensions”. Na Alemanha, desde 1919 há o Ministério Federal do Trabalho e de Questões Sociais, o “Bundesministerium für Arbeit und Soziales”. Na França, o “Ministère du Travail” se ocupa de todas as questões que envolvam o trabalho e emprego.
 
 
Nos países dominados na atualidade pela extrema-direita, onde governam os chamados “populistas” ou “iliberais”, a situação não é diferente. Na Itália temos o “Ministero del lavoro e dele Politiche Sociali”, que pode ser traduzido como Ministério do Trabalho e das Políticas Sociais. Na Áustria há o Ministério do Trabalho, Questões Sociais, Saúde e Proteção ao Consumidor. Na Hungria o responsável pelas questões relativas ao trabalho é o “Ministro das Questões Sociais e Trabalho” e na Turquia encontramos o Ministério do Trabalho e da Seguridade Social (Çalışma ve Sosyal Güvenlik Bakanlığı). Na Polônia há o Ministério da Familia, Trabalho e Política Social e na Rússia o órgão responsável pelas questões trabalhistas é o Ministério do Trabalho e Questões Sociais (Министерство труда и социальной защиты).
 
A Oceania não inventou moda também. Na Austrália temos o “Department of Jobs and Small Business” (Departamento de Empregos e Pequenas empresas) e na Nova Zelândia o “Department of Business, Inovation and Employment” (dol.govt.nz).
 
Mas e a Ásia, como trata a questão? Da mesma forma! Na China o órgão responsável é o Ministério do Trabalho e Seguridade Social. Na Índia temos o Ministério do Trabalho e Emprego e o Japão, por sua vez, mantém o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar social.
 
Acontece a mesma coisa na África, como é exemplo a África do Sul, que tem o Department of Labour e responsável pela pasta o Ministry of Labour.
 
Na América Latina, da mesma forma como no resto do mundo, todos os países – com a nossa exceção –  mantêm o Ministério do Trabalho. Do Ministerio del Trabajo y Previsión Social no Chile até a Secretaria del Trabajo y Previsión Social no México (no México, as Secretarias são equivalentes aos nosso ministérios), passando pelo Ministerio del Trabajo da Colômbia ao Ministerio de Producción y Trabajo na Argentina, todos os países têm um órgão nacional de primeiro escalão pra tratar da questão laboral. Convém explicar que no caso argentino houve a inclusão no mesmo ministério as questões de empreendedorismo e de empresas autogestionadas, ou seja, ligadas a pequenos negócios, observando-os sob o prisma da ocupação.
 
Interessante notar que em nenhum país há a mistura em um mesmo ministério da questão empresarial com a do trabalho. Os ministérios do trabalho ao redor do mundo podem incluir as questões sociais de forma mais ampla, albergar a seguridade social ou a proteção aos mais fracos, como o consumidor, ou tratar da saúde, ou até de temas correlatos ao trabalho como migrações e empreendedorismo, mas tratam com centralidade o trabalho e não a submetem à outra questão econômica.
 
Todos os ministérios têm trabalho ou emprego no nome, o que demonstra a sua centralidade e importância.
 
Outro ponto que merece destaque é o orçamento público destinado a essas instituições. O departamento de trabalho norte-americano teve orçamento de 9,7 bilhões de dólares em 2018, e 12 bilhões para 2019. O “budget” do Ministério do Trabalho francês tem cifras algo maior, 15 bilhões de euros. O orçamento do Ministério do Trabalho alemão é ainda mais colossal: 145 bilhões de euros
 
Assim, o que se percebe é que todos os países do mundo, com
exceção do Brasil atual, colocam a questão do trabalho na
centralidade das preocupações do governo nacional.
 
Mas não é só: os países também entendem tratar a questão social separadamente da questão econômica, justamente para que esta não se sobreponha a aspectos essenciais em uma sociedade ligados ao trabalho que devem ser resguardados. O mundo inteiro pensa assim, exceto o governo atual brasileiro. Será que o mundo inteiro está errado? Será que só o governo está certo e enfim inventou um substituto para a roda? Uma coisa é certa: ele finalmente tem a sua própria jabuticaba. Resta saber o quanto azeda ela é.
 
*Rodrigo de Lacerda Carelli – Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro e Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro
 

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