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Terminou o prazo de adaptação das empresas estatais à Lei 13.303/16

Fonte: ConJur / Luciano Ferraz*
 
No último dia 30, transcorreu o prazo final para que as empresas estatais e suas subsidiárias se adaptassem ao que dispõe o Estatuto das Empresas Estatais, consubstanciado na Lei 13.303/16, regulamentado em nível federal pelo Decreto 8.945, em 27 de dezembro de 2016, e no âmbito dos estados federados por iniciativas de mesmo quilate[1].
 
No Supremo Tribunal Federal estão curso três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 5.624/DF, ADI 5.846/DF, ADI 5.924/MG) a respeito da Lei 13.303/18, todas sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Em recente decisão, o ministro apreciou conjuntamente os pedidos de liminar e concedeu, ad referendum do Plenário, medida cautelar para dar interpretação conforme a Constituição, artigo 29, caput, XVIII, que dispensa licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista no caso de compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem no sentido de afirmar que a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário.
 
Sua excelência decidiu, ainda, que a dispensa de licitação só pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas.
 
Relativamente aos aspectos de governança corporativa, a decisão do ministro ressaltou que a Lei das Estatais incorporou ao nosso sistema jurídico inúmeras regras de governança corporativa que, pelo menos a priori, podem contribuir para maior transparência, controle, previsibilidade e imparcialidade ao regime jurídico das estatais. Ressaltou, ainda, em consonância com texto publicado nesta coluna[2], que a lei concedeu o razoável prazo de 24 meses para adaptação das empresas públicas e das sociedades de economia mista à nova sistemática.
 
Com efeito, um dos pontos fortes da Lei 13.303/16 foi exatamente pormenorizar as regras de fiscalização e transparência na governança corporativa das empresas estatais, a fim de evitar conflitos de interesses e permitir controle tempestivo das decisões estratégicas.
 
Seguiu-se, no particular, o referencial teórico definido pela OCDE, traduzido nas seguintes diretrizes:
 
• definição adequada da qualidade de proprietário (transparência, profissionalismo, accountability e eficiência);
 
• tratamento equitativo dos acionistas controladores e minoritários;
 
• definição clara das relações travadas pelas empresas estatais com partes relacionadas;
 
• transparência e divulgação de resultados e informes em conformidade com os princípios da OCDE;
 
• responsabilidade dos conselhos de administração, órgãos máximos, na definição das diretrizes das empresas estatais.
 
Como requisitos de transparência, a Lei das Estatais previu a elaboração de uma série de documentos fidedignos de divulgação aos acionistas e ao mercado, como:
 
• elaboração de carta anual, subscrita pelo Conselho de Administração, com definição clara dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas;
 
• adequação do objeto social, estabelecido no estatuto, às atividades autorizadas na lei de criação da empresa estatal (função social da empresa);
 
• divulgação tempestiva e atualizada de informações;
 
• divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade;
 
• divulgação dos relatórios anuais de atividades de auditoria interna;
 
• carta anual de governança corporativa, para garantir informações relevantes, tais como atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, políticas e práticas de governança corporativa, descrição da composição e da remuneração da administração.
 
O compromisso legal com o reforço institucional das empresas estatais vem a reboque da definição de novos parâmetros de indicação dos gestores e conselheiros das empresas estatais e da criação de dois órgãos específicos: o Comitê Estatutário de Auditoria, com funções de assessoramento no controle da gestão a cargo do Conselho de Administração, e o Comitê de Elegibilidades, com o mister específico de verificar a conformidade do processo de indicação e de avaliação de dirigentes e conselheiros fiscais.
 
Portanto, desde o último dia 30, a escolha de dirigentes (diretores e membros do Conselho de Administração) das empresas estatais encontra-se subordinada às vinculações legais — (a) reputação ilibada; (b) notórios conhecimentos; (c) formação acadêmica compatível; (d) experiência profissional[3] —, além do que se impõem vedações que devem ser observadas na escolha desses dirigentes.
 
As vedações impostas pela Lei 13.303/16 atingem: (a) representante do órgão regulador ao qual a empresa estatal está sujeita; (b) ministro de Estado, de secretários estadual e municipal; (c) titular de cargo em comissão na administração pública estadual, direta ou indireta, sem vínculo permanente com o serviço público; (d) dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente federativo, ainda que licenciado; (e) participante de estrutura decisória de partido político ou campanha eleitoral (últimos 36 meses); (e) ocupante de cargo em organização sindical; (f) contratados ou parceiros da estatal (nos últimos três anos); (g) pessoas que apresentem conflito de interesse com a estatal e com a pessoa político-administrativa controladora da empresa estatal; (h) “ficha suja” (Lei Complementar Federal 64, de 18 de maio de 1990).
 
Ressalte-se que a lei traz também requisitos específicos para membros dos conselhos fiscais e do Comitê Estatutário de Auditoria, porém não se lhes impinge as mesmas vedações dos dirigentes das empresas estatais (diretores e conselheiros de Administração).
 
Aplicam-se aos membros do Conselho Fiscal as disposições previstas na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, relativas a seus poderes, deveres e responsabilidades, a requisitos e impedimentos para investidura e a remuneração, além de outras disposições estabelecidas na referida lei. Podem ser membros do Conselho Fiscal pessoas naturais, residentes no país, com formação acadêmica compatível com o exercício da função e que tenham exercido, por prazo mínimo de três anos, cargo de direção ou assessoramento na administração pública ou cargo de conselheiro fiscal ou administrador em empresa.
 
Já para o Comitê de Auditoria Estatutário as condições mínimas para integrá-lo são: (a) não ser ou ter sido, nos 12 meses anteriores à nomeação para o comitê diretor, empregado ou membro do conselho fiscal da empresa pública ou sociedade de economia mista ou de sua controladora, controlada, coligada ou sociedade em controle comum, direta ou indireta; responsável técnico, diretor, gerente, supervisor ou qualquer outro integrante com função de gerência de equipe envolvida nos trabalhos de auditoria na empresa pública ou sociedade de economia mista; (b) não ser cônjuge ou parente consanguíneo ou afim, até o segundo grau ou por adoção, das pessoas citadas na letra “a” acima; (c) não receber qualquer outro tipo de remuneração da empresa pública ou sociedade de economia mista ou de sua controladora, controlada, coligada ou sociedade em controle comum, direta ou indireta, que não seja aquela relativa à função de integrante do Comitê de Auditoria Estatutário; (d) não ser ou ter sido ocupante de cargo público efetivo, ainda que licenciado, ou de cargo em comissão da pessoa jurídica de direito público que exerça o controle acionário da empresa pública ou sociedade de economia mista, nos 12 meses anteriores à nomeação para o Comitê de Auditoria Estatutário.
 
Ainda em nome da boa governança, a lei e sua regulamentação estabelecem às empresas estatais a obrigação de instituírem ou revisarem políticas internas de atuação, que se configuram em importantes instrumentos de normatização, compliance e transparência e que podem ser vistos como desdobramentos da Lei 13.303/16 e sua regulamentação. Destacam-se as seguintes:
 
• política de participações societárias proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio;
 
• política de transações com partes relacionadas;
 
• política de gestão de riscos, controles internos e integridade;
 
• política e práticas governança corporativa;
 
• política de distribuição de dividendos;
 
• política de divulgação de informações;
 
• política de indicação dos administradores e membros dos conselhos;
 
• política de gestão de pessoas e de remuneração da alta administração.
 
Como se vê, a Lei 13.303/16 (Lei das Estatais) estabeleceu disposições obrigatórias sobre organização corporativa e provimento de cargos. O prazo de adaptação terminou. Porém, de qualquer fora, o imprescindível é que as empresas estatais efetivamente se transformem em corporações com a missão de compatibilizar a geração de dividendos com os interesses públicos que justificaram sua criação.


 
[1] Alagoas: Decreto 52.555, de 14/3/2017; Bahia: Decreto 17.302, de 27/12/2016; Ceará: Decreto 32.112, de 23/12/2016; Distrito Federal: Decreto 37.967, de 20/1/2017; Goiás: Decreto 8.801, de 10/11/2016; Mato Grosso: Decreto 793, de 28/12/2016; Minas Gerais: Decreto 47.105, de 16/12/2016, e Decreto 47.154, de 20/2/2017; São Paulo: Decreto 62.349, de 26/12/2016; Pará: Decreto 1.667, 27/12/2016; Paraíba: Decreto 37.337, de 12/4/2017; Paraná: Decreto 6.263, de 20/2/2017; Pernambuco: Decreto 43.984, de 27/12/2016; Rio de Janeiro: Decreto 45.877, de 29/12/2016; Rio Grande do Norte: Decreto 26.633, de 9/2/2017; Rio Grande do Sul: Decreto 53.433, de 17/2/2017; Santa Catarina: Decreto 1.007, de 20/12/2016; São Paulo: Decreto 62.349, de 26/12/2016; Sergipe: Decreto 30.623, de 27/4/2017.
 
[2] FERRAZ, Luciano. Lei das Estatais e seu período de transição. https://www.conjur.com.br/2016-out-27/interesse-publico-lei-estatais-periodo-transicao-estudo-mg.
 
[3] Como experiência profissional comprovada, a lei exige pelo menos uma das seguintes condições: (a) 10 anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa estatal ou conexa, em nível diretivo; (b) 4 anos em cargo de diretor, de conselheiro de administração, de membro de comitê de auditoria ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante; (c) 4 anos em cargo em comissão ou função de confiança no setor público em funções de direção ou assessoramentos superiores; (d) 4 anos em cargo de docente ou de pesquisador, de nível superior na área de atuação da empresa estatal; (e) 4 anos como profissional liberal em atividade vinculada à área de atuação da empresa estatal.


 
*Luciano Ferraz é advogado e professor associado de Direito Administrativo na UFMG.
 

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