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Reforma trabalhista e o descaso com a despedida coletiva de trabalhadores

Fonte: ConJur / Pedro Paulo Teixeira Manus*
 
A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, que  introduz várias modificações na Consolidação das Leis do Trabalho, tem sido conhecida como a reforma trabalhista. E, com efeito, traz importantes mudanças no âmbito do direito individual, do direito coletivo, do direito sindical, do processo do trabalho, na atuação dos tribunais do trabalho e no direito administrativo do trabalho. No que respeita à dispensa de empregados, afirma seu artigo 447-A:
 
“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação .”
 
Verifica-se, pois, que o legislador, infelizmente, equipara as dispensas imotivadas individuais, plúrimas e coletivas, como se fossem figurar jurídicas passíveis de equiparação. Evidencia-se a distinção entre a dispensa coletiva de um lado, e a dispensa individual e plúrima de outro, diante dos efeitos diversos que produzem no âmbito da própria empresa e do grupo social.
 
Em realidade a doutrina distingue as dispensas individuais e plúrimas das dispensas coletivas. Aquelas, não obstante o efeito que produzem na vida dos empregados dispensados, distinguem-se da dispensa coletiva, que tem, sem dúvida, grande impacto não só na vida empresarial, mas da comunidade toda em que se insere a empresa.
 
A dispensa individual ou plúrima visa um ou alguns empregados, enquanto que a dispensa caracteriza-se como coletiva quando atinge determinado grupo e não pessoas determinadas. Assim ocorre quando a empresa encerra um setor, um departamento, ou um estabelecimento, o que à evidência, causa repercussões sérias na vida daquela comunidade.
 
A doutrina retrata a preocupação das legislações dos diversos países com as dispensas coletivas, dedicando especial atenção ao fato, com previsão de procedimento administrativo necessário para sua validação, a fim de organizar o procedimento a ser adotado pela empresa e critérios a observar nos desligamentos dos empregados, de modo a amenizar os efeitos nocivos do desligamento de um grupo de empregados.
 
No mesmo sentido de conceituar e limitar a ação empresarial nas hipóteses de dispensas coletivas, decide a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, como se vê do acórdão  a seguir:
 
“RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea - sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada - é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que ‘a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores’. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1º, IV, 6º e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5º, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8º, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que ‘a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores’, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial (Proc.: EDRODC-30900-12.2009.5.15.0000, Data de Julgamento: 10/08/2009, Rel. Min; Mauricio Godinho Delgado, SDC, Publicação 04/09/2009).”
 
Em uníssono com a doutrina a nossa jurisprudência afirma ser nula a dispensa coletiva que não for precedida da indispensável negociação coletiva prévia, exigindo, portanto, a participação necessária do sindicato profissional no processo que há de preceder a dispensa massiva, ou a federação correspondente na ausência justificada do sindicato.
 
Para nós perdeu a reforma trabalhista uma boa oportunidade para regular o procedimento necessários das dispensas coletivas, incumbindo o Ministério do Trabalho e Emprego a intermediar as negociações com os sindicatos profissionais na melhor condução para solução deste grave problema no âmbito do Direito do Trabalho brasileiro.
 
A dispensa coletiva só será reconhecida como válida aos olhos da jurisprudência se obedecer ao rito da negociação prévia com o sindicato, a fim de constatar a necessidade da medida, socialmente nociva, bem como observar os critérios estabelecidos, como privilegiar os empregados mais antigos, os que têm família a sustentar, além de eventuais medidas como manutenção de assistência médica por determinado período para os dispensados. Caso contrário, como vimos, orienta-se a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho a considerar nula a dispensa coletiva, determinando a reintegração dos empregados dispensados, ou, na impossibilidade de reintegração, converte-la em indenização compensatória.
 
Ainda há tempo para a nova lei ser aperfeiçoada, tratando do tema segundo a melhor doutrina e objetivando manter o equilíbrio nas relações do trabalho, deixando de lado posições imperativas que na prática não produzem o efeito almejado.
 
Não se trata de impedir o empresário de conduzir sua atividade empresarial, mas de conduzi-la à garantia de tratamento adequado aos empregados, o que certamente será alcançado se houver a ação do Ministério do Trabalho e Emprego, como se verifica na experiência de tantos outros ordenamentos jurídicos.
 
*Pedro Paulo Teixeira Manus é ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, professor e diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP.
 

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