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Emprego público protege quem não precisa

Fonte: Folha de S. Paulo / Sergio Fireo*

 
O Brasil é um país extremamente desigual. No mercado de trabalho, a desigualdade não é apenas de renda, mas de tratamento, e as diferenças entre os setores público e privado contribuem para isso.
 
Enquanto o setor público oferece estabilidade no emprego aos servidores, trabalhadores do setor privado engrossam as estatísticas de desemprego.
 
Dadas as diferenças de composição da força de trabalho nos dois setores, a diferença de tratamento distorce a alocação de risco na economia, fazendo trabalhadores mais pobres e menos escolarizados absorverem desproporcionalmente os efeitos das oscilações econômicas.
 
Sabe-se que o setor público contribui relevantemente para aumentar a desigualdade de renda.
 
No setor privado, a remuneração média equivale a 50% da prevalecente no setor público. Quando são comparados trabalhadores com mesma escolaridade e experiência no mercado, a remuneração no setor privado é menor e equivale a 80% da encontrada no setor público.
 
O argumento de que o setor público equaliza remunerações entre trabalhadores que de outra forma seriam discriminados no setor privado, como jovens, mulheres e negros não se sustenta.
 
Dados do Judiciário paulista divulgados recentemente revelam que juízes e desembargadores homens ganham, em média, 15% a mais do que suas colegas.
 
As diferenças de remuneração entre trabalhadores nos setores privado e público não se encerram com o fim da idade ativa.
 
A discussão sobre a reforma da Previdência explicitou como servidores públicos têm se beneficiado de um regime previdenciário diferenciado, que é mais generoso do que aquele ao qual os trabalhadores do setor privado têm acesso.
 
O déficit do sistema previdenciário dos servidores, per capita, é dez vezes maior que o da previdência dos trabalhadores do setor privado.
 
Por fim, além da diferença de rendimentos e aposentadoria, os servidores públicos gozam de estabilidade, enquanto trabalhadores do setor privado têm que enfrentar os efeitos do ciclo econômico sobre o emprego.
 
É outra desigualdade, muitas vezes esquecida: a de oscilações de renda ao longo da carreira.
 
Previdência e remunerações mais generosas e estabilidade no emprego tornam o setor público mais atraente do que o privado.
 
Não há vagas para todos os interessados, contudo. Dentre todos os ocupados, pouco mais de 10% são servidores.
 
A seleção, formalmente meritocrática, é feita por meio de concursos públicos disputados, para os quais são necessários anos de preparo exclusivo, assim como nos vestibulares para as universidades públicas.
 
Em geral, os bem-sucedidos nos concursos têm alta escolaridade e origem em famílias com capacidade de financiar os anos de preparação.
 
Dos servidores públicos, 55% têm nível superior completo, enquanto no setor privado, essa proporção não passa de 15% entre os ocupados.
 
A educação serve como um seguro contra os choques negativos, como o desemprego. Trabalhadores do setor privado com ensino médio incompleto têm duas vezes mais chances de se encontrar no desemprego do que aqueles com superior completo.
 
Como o setor público emprega mais trabalhadores com alta escolaridade do que com baixa escolaridade, o emprego público afeta a alocação de risco na economia ao dar mais uma camada de proteção exatamente a quem não precisa.
 
Não à toa, a recessão atual e seus efeitos sobre o emprego têm recaído majoritariamente sobre trabalhadores com baixa escolaridade do setor privado.
 
Assim, alocamos risco a quem tem menos capacidade de lidar com ele, amplificando os efeitos negativos da crise econômica sobre a desigualdade de renda.
 
A estabilidade no emprego tem sabidamente efeitos deletérios sobre a produtividade do trabalho e não parece ser uma política que se queira universalizar, sob o custo de introduzirmos grandes ineficiências alocativas.
 
Mas há grandes desigualdades em nossa sociedade que precisam ser combatidas.
 
Em particular, a desigualdade de tratamento torna urgente a revisão dos incentivos à entrada e à permanência no setor público.
 
Qualquer tentativa de fazer com que trabalhadores dos setores público e privado sejam tratados como iguais, sobretudo no que tange à estabilidade do emprego, teria efeitos redutores sobre nossas desigualdades de renda e de suas oscilações.
 
MUNDOS DIFERENTES
Desemprego é pior para os menos instruídos e que não estão no setor público
 
1) Crise do mercado de trabalho dura mais de dois anos...
 
Taxa de desocupação no Brasil - Por trimeste
 
2)... o desemprego é mais alto para os menos instruídos
 
Até o ensino médio incompleto - Taxa de desocupação, em %
 
Ensino médio completo ou superior incompleto - Taxa de desocupação, em %
 
3)... o desemprego é mais alto para os menos instruídos
 
Ensino superior completo - Taxa de desocupação, em %
 
Fonte: Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com elaboração de Sergio Firpo

*Sergio Fireo é professor titular de economia do Insper
 

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