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Quero obrigar todos os meus colegas de trabalho a fazer dieta

Fonte: Financial Times / Lucy Kellaway (*)
 
 
No fim de cada dia, é possível encontrar os seguintes itens em minha mesa no trabalho: um grande copo de papel com um restinho de café com leite frio; um saquinho engordurado com migalhas de bolinhos dinamarqueses; pelo menos uma lata vazia de Diet Coke; o papel de embrulho de um sanduíche de ovo com agrião; cascas de banana e uma embalagem vazia de bombons Maltesers.
 
Há mais de dez anos tenho o costume de comer na mesa de trabalho e defendo a prática contra qualquer um que a ataque. Comer em minha mesa me agrada. Visitas frequentes à máquina de venda automática ajudam a levar o dia e funcionam muito bem, seja como recompensa, consolação ou injeção de ânimo.
 
Na semana passada, desisti de tudo. Quem visitar o escritório agora não vai encontrar traços de comida em minha mesa, apenas uma xícara de porcelana chinesa, lavada e deixada impecável ao lado do teclado. Tal transformação radical foi resultado de ter lido uma coluna do crítico de restaurantes AA Gill, na qual ele expôs um novo tipo de dieta. Você pode comer o que quiser, em qualquer quantidade, mas deve obedecer as seguintes regras:
 
1 - Não coma nada que não possa ser consumido com garfo e faca.
 
2 - Coma com a mesa posta, de preferência em frente a alguém que também esteja comendo.
 
3 - Nunca coma porque está nervoso: coma sempre porque é hora do almoço.
 
4 - Nunca coma de pé.
 
5 - Nunca coma com um monitor na mesma sala.
 
7 - Todas as refeições devem ter pelo menos dois pratos, com exceção do café da manhã.
 
Em casa, sempre segui essa regra, mais ou menos. Existem poucas coisas na vida que faço tanta questão de ter quanto a refeição em família - com todos sentados em torno a uma mesa posta antecipadamente. Se essa dieta é algo tão natural para mim em casa, por que a abandono no minuto em que chego ao trabalho? As sobras em minha mesa mostram que quebro todas essas regras, todos os dias. Quebro até a regra número quatro, já que vou comendo alguns Maltesers no caminho da máquina até a mesa.
 
Você pode até dizer que o erro não é meu, que os escritórios são um convite à refeição não civilizada. Minha mãe - grande entusiasta da prática de passar o leite da embalagem para jarras - não está aqui para me assessorar e estou cercada de colegas que passam o dia todo a mastigar ruidosamente.
 
Resolvi, então, ver como seria a vida de escritório se seguisse as regras de Gill. A primeira mudança é tomar o café da manhã em casa, o que representa uma melhora instantânea, já que sua cozinha é o lugar ideal para tomar o café. Além disso, é bem melhor começar o dia com a barriga cheia de torradas e cereais do que com gordurosos bolinhos dinamarqueses.
 
No meio da manhã, fiz café, ofereci pelo escritório e bebi o meu na xícara chinesa. Foi mais do que agradável - um café mais gostoso, mais barato e mais sociável - e me fez imaginar como foi que pude passar todos esses anos sugando "lattes" por um pequeno espaço em uma tampa de plástico tal qual um bebê.
 
Na hora do almoço do Dia 1, saí com um colega para comprar um sanduíche e frutas, que comemos em uma pequena mesa em seu escritório. Foi legal, mas a embalagem não estava em conformidade com minhas novas regras e acabei comendo com as mãos.
 
No Dia 2, então, recorri ao refeitório do escritório, onde não comia há anos. Comi uma refeição quente em pratos de cerâmica, com garfo e faca. Também usei os talheres para cortar minha banana, que estranhamente ficou com um gosto melhor. A comida não estava ótima, mas o intervalo, a inevitável conversa com os colegas e a sensação superior que se tem ao ser civilizada mais do que compensaram.
 
No meio da tarde, fiquei sem os Maltesers, mas não senti falta. Nem senti falta da Diet Coke. Em vez disso, fiz um bule de chá para todos e, pensando em minha mãe, até passei o leite para uma jarra. O motivo de ter sido tão fácil é que, curiosamente, a comida por si só pode nem ser tão marcante, mas a preparação e o ritual são. Saber que iria comer apropriadamente na hora do almoço tornou a espera mais agradável. Da mesma forma, o ritual de aquecer a água para o chá faz bem à alma.
 
Comparando os benefícios desta nova dieta, que gera menos lixo e é sociável, civilizada, saudável, barata e limpa, a única desvantagem é que ela te deixa desagradavelmente presunçosa. Com uma intolerância digna do mais novo recém-convertido, venho lançando olhares recriminadores para o sujeito ao meu lado quando ele dá uma mordida em um croissant de queijo e olha para a tela com a boca aberta.
 
Até agora minha desaprovação não criou muitos discípulos. A dieta, no entanto, é tão boa, que pode ser o caso de se recorrer à coerção. As empresas deveriam se livrar de todas as suas máquinas de venda automática e tornar o refeitório o centro da vida no escritório, da mesma forma que a cozinha é centro da casa.
 
 

 

(*) Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times"
 

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