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Maioria do TST vota para derrubar TR e usar índice mais vantajoso para trabalhador em processos

Fonte: Folha de S. Paulo
 
Com TR zerada, ministros da corte trabalhista defendem o IPCA-E, em 3,67% ao ano, mais juro de 1% ao mês
 
O pleno do TST (Tribunal Superior do Trabalho) formou maioria para declarar inconstitucional a TR (Taxa Referencial) na correção de dívidas trabalhistas. O entendimento contraria a reforma trabalhista.
 
A corte caminha para usar um índice mais vantajoso para o trabalhador. Os ministros defendem a aplicação do IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial) em processos trabalhistas.
 
Há quase três anos, com as mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a TR deve ser adotada. A MP (medida provisória) do Emprego Verde e Amarelo resgatou o IPCA-E, mas perdeu a validade, e voltou a valer a taxa.
 
Criada no governo Fernando Collor e em desuso, a TR serve como base de correção da poupança e está em 0%. Em março deste ano, no acumulado de 12 meses, o IPCA-E fechou em 3,67%.
 
O indicador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é divulgado trimestralmente. O IPCA-E é uma síntese do IPCA-15 que mede o índice de preços no país até o 15º dia de cada mês.
 
Dos 27 ministros do TST, 17 já declararam a inconstitucionalidade da TR em julgamento iniciado nesta segunda-feira (15). Desses, 16 votaram pela aplicação do índice medido pelo IBGE.
 
Um dos integrantes da corte votou contra a TR, mas não apontou qual índice deve ser usado. Outros sete ministros declararam a TR constitucional. Faltam votar ainda três integrantes do TST.
 
Todos ainda poderão mudar o voto até que o resultado seja anunciado. A análise do caso está prevista para ser concluída no dia 29 deste mês. A decisão deverá ter efeito sobre toda a Justiça do Trabalho.
 
Segundo a relatora do recurso, ministra Delaíde Miranda Arantes, a TR afronta o princípio da propriedade. No caso, a propriedade é a indenização que o trabalhador receberá caso vença a ação.
 
Quando recorre à Justiça do Trabalho, o empregado tem direito à atualização monetária. Incide ainda sobre o valor a ser recebido juro de 1% ao mês. No período de um ano, por exemplo, devem-se aplicar juros de 12% mais a correção monetária.
 
Decisões divergentes têm sido preferidas desde a reforma trabalhista. Há juízes e TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) que usam a TR, e há magistrados que aplicam o IPCA-E.
 
Antes dos votos, o advogado da Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro), Fábio Quintas, defendeu a TR. Segundo ele, ignorar a taxa favorece o empregado e prejudica o empregador.
 
"O que temos nas dívidas trabalhistas? Temos que nelas incidem juro de mora de 1% ao mês e 12% ao ano", disse. "Essa equação hoje já está desequilibrada."
 
É de autoria da Consif uma ação que pede ao STF o reconhecimento do uso da TR. O processo entrou na pauta do plenário em 14 de maio, mas foi retirado —não há nova data de julgamento.
 
Ao representar o governo, o advogado da União Daniel Costa Reis também sustentou pela constitucionalidade da mudança na CLT.
 
Para fundamentar o voto, Arantes se baseou em entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2015. A corte mandou aplicar o IPCA-E na correção de precatórios —dívidas públicas reconhecidas em decisão judicial.
 
"Entendo que a ratio decidendi [razão de decidir] dali extraída pode e deve ser utilizada para declarar a inconstitucionalidade do termo 'Taxa Referencial' previsto no parágrafo 7º do artigo 879 da CLT", afirmou.
 
A divergência foi aberta pela presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi. Segundo ela, o Supremo examinou "questão relativa aos precatórios". "A escolha legislativa pela TR não afronta a Constituição."
 
Essa escolha legislativa à qual se referiu a ministra é a reforma trabalhista, em vigor desde 2017. Ministros destacaram, porém, que o Congresso já tinha conhecimento da decisão do STF, preferida dois anos antes.
 
O ministro Alexandre Luiz Ramos seguiu Peduzzi. Segundo ele, o Supremo não declarou inconstitucional a TR. "Entendo que não é possível a extensão pura e simples do que decidiu o STF."
 
O impasse em torno do índice adequado se arrasta há anos.
 
O ministro Ives Gandra Martins Filho lembrou que, até 2015, o TST usava a TR. Depois, com a decisão do STF, passou a adotar o IPCA-E, o que criou "um passivo trabalhista enorme". Em seguida, a reforma retomou a TR.
 
"Nós estamos invadindo a seara legislativa, estamos invadindo a separação dos Poderes", disse Gandra.
 
A corrente majoritária no TST, no entanto, refutou os argumentos dos advogados e colegas. Cláudio Mascarenhas Brandão, por exemplo, diferenciou juros de mora de atualização monetária.
 
"Os juros de mora decorrem do retardamento do cumprimento da obrigação, ao passo que a correção monetária é a recomposição do poder aquisitivo da moeda", afirmou.
 
De acordo com o ministro Alexandre Agra Belmonte, a TR "é imprestável" para a correção da moeda. "Se não serve para precatório, por que serviria para débito trabalhista que tem natureza alimentar?"
 
O ministro João Batista Brito Pereira disse que a Constituição não faz distinção entre precatório e crédito trabalhista. Ele também defendeu o IPCA-E.
 
"A moeda que paga crédito inscrito no precatório é a mesma que paga crédito trabalhista", afirmou Pereira.
 
O ministro Ricardo de Lacerda Paiva, apesar de defender o IPCA-E, seguiu Peduzzi e defendeu a modulação da decisão —ou seja, se o IPCA-E se aplica ou não em processos ajuizados antes e após reforma. ​
 
Paiva argumentou que a não modulação implica imprevisibilidade. Ele destacou ainda o cenário econômico atual, impactado pelo coronavírus.
 
"A não modulação terá um efeito devastador", afirmou. "Vamos gerar uma insegurança jurídica imensa, gerar passivos impagáveis, especialmente para pequenas e médias empresas."
 
Se vencer a tese da não modulação, as dívidas trabalhistas desde 2009 serão corrigidas pelo IPCA-E. É daquele ano a regra que aplicava nos precatórios a TR, derrubada pelo Supremo há cinco anos, sem modulação.
 
O professor de direito do trabalho da FMU Ricardo Calcini diz que o cenário de idas e vindas é prejudicial. "Há insegurança jurídica para empresa, e para trabalhadores serve de estímulo para recorrer", disse.
 
A discussão, porém, está longe do fim. A palavra final ainda caberá ao Supremo em razão das ações pendentes sobre o tema na corte --sem prazo para julgamento.
 

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