Notícias

Empresas conseguem na Justiça alterar acordos firmados com trabalhadores

Fonte: Valor Econômico
 
Decisões autorizam a suspensão dos pagamentos ou redução de parcelas mensais
 
 
Empresas têm conseguido na Justiça do Trabalho suspender pagamentos ou reduzir parcelas de acordos firmados com trabalhadores. A medida, porém, só é aceita pelos juízes quando há no pedido comprovação de que a parte foi realmente afetada pela crise econômica desencadeada pela pandemia de covid-19.
 
Na 7ª Vara do Trabalho de São Paulo, uma empresa do setor de transportes obteve o direito de pagar apenas 30% do valor de três parcelas de um acordo firmado em agosto do ano passado, de R$ 261,4 mil. O valor deveria ser quitado mensalmente até dia 30 de junho deste ano. Com a decisão da juíza Mariza Santos da Costa, a companhia pagará R$ 4,9 mil a partir do dia 30 deste mês e o saldo remanescente, no valor de R$ 34,3 mil, deverá ser pago de uma única vez até 30 de julho.
 
Na decisão, a magistrada afirma que “é notório que tais medidas [adotadas para a quarentena] afetarão drasticamente o caixa das empresas, o que causará, infelizmente, a inviabilidade de muitos negócios em todo o país, com probabilidade significativo aumento do desemprego” (processo n° 1001981-68.2015.5.02.0607).
 
Uma construtora também conseguiu renegociar acordo trabalhista. Por decisão da 26ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, pagará apenas 20% da última parcela devida. O restante deverá quitado em uma ou duas vezes, nos meses subsequentes.
 
A empresa pediu a suspensão da última parcela por 120 dias. Contudo, o juiz Marcelo Segal aceitou a alternativa, “ante a situação extraordinária” de pandemia (processo nº 0100579-93.2018.5.01.0026). O acordo, firmado em 11 de outubro de 2019, previa o pagamento de seis parcelas de R$ 14,9 mil.
 
De acordo com a advogada trabalhista Juliana Bracks, do Bracks Advogados, as análises são caso a caso, a depender da situação de cada empresa, que deve estar demonstrada no processo. “Uma empresa que peticionar e apresentar balanço, demonstrar que está fechada e suas atividades estão suspensas por decreto, terá mais facilidade de sensibilizar o juiz”, diz.
 
Em São Paulo, uma grande empresa do setor de limpeza conseguiu liberar depósito recursal para quitar uma das parcelas devidas a um trabalhador. O acordo firmado em abril de 2019 é R$ 250 mil, que seriam pagos em 25 mensalidades de R$ 10 mil.
 
No processo, a empresa pediu a repactuação das três parcelas seguintes em aberto, com base nos artigos 393 e 478 a 480 do Código Civil, sem a incidência da multa prevista. A proposta era desembolsar apenas 30% dos valores devidos.
 
Porém, o juiz do trabalho substituto Vitor Pellegrini Vivan, da 80ª Vara do Trabalho de São Paulo, aceitou apenas o pedido de que o depósito recursal fosse utilizado para o pagamento de uma parcela de R$ 10 mil. O valor depositado era quase o da parcela. A diferença poderá ser paga na última parcela, sem multa.
 
Há caso também de empregador que conseguiu dobrar o número de parcelas. Foi o que ocorreu com uma empresa de eventos. Passados 12 dias do acordo, a situação mudou e ela pediu a revisão à Justiça. Ela tinha acertado no dia 11 de março quitar dívida trabalhista de R$ 10 mil em dez parcelas.
 
A juíza do Trabalho substituta Cinara Raquel Roso, da 13ª Vara de São Paulo, entendeu ser possível a novação de acordo em audiência trabalhista por entender que houve boa-fé da empresa de eventos e pediu a manifestação do ex-funcionário, que acabou concordando. A empresa agora pagará os R$ 10 mil em 20 parcelas de R$ 500 (processo nº 1001532-44.2019.5.02.0713).
 
Em Porto Alegre, uma empresa de sonorização e iluminação de eventos foi além e conseguiu suspender o pagamento de parcelas por 60 dias. O juiz Renato Barros Fagundes, titular da 23ª Vara do Trabalho da Capital, atendeu o pedido por entender que o setor foi um dos mais prejudicados economicamente.
 
O próprio trabalhador concordou com o adiamento dos pagamentos. O acordo, firmado em maio de 2019, tinha o valor total de R$ 19 mil. Do montante, o trabalhador já recebeu nove parcelas de R$ 1 mil.
 
De acordo com o advogado José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que defende trabalhadores, as propostas de acordo levam em consideração situações concretas das empresas e dos ex-empregados. “Estamos diante de uma situação muito diferente de todas as outras crises vividas até aqui”, diz. Ele acrescenta, porém, que uma empresa com pouca interferência no seu fluxo de caixa “não pode valer-se do expediente para adiar compromissos”.
 
Nem todos os pedidos têm sido aceitos. O juiz Francisco Montenegro Neto, da 71ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, negou a uma construtora o direito de postergar o pagamento de uma dívida restante de R$ 26, 6 mil, em seis parcelas de R$ 4,4 mil, em consequência da covid-19 (Processo nº 0101009-41.2017.5.01.0071).
 
Para o magistrado, a “hipossuficiência do reclamante em frente à reclamada, uma empresa notoriamente de grande porte, é indiscutível.” Ele entendeu não ser possível a postergação, uma vez que esses valores têm natureza alimentar e geram “pequeno impacto” nas contas financeiras da reclamada.
 
Também no Rio de Janeiro, o desembargador Antonio Paes Araújo, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Estado, cassou liminar que tinha deferido a postergação de pagamento de parcelas de um acordo no valor de R$ 24,2 mil, firmado entre uma empresa de ônibus e um ex-funcionário (processo nº 0100991-24.2019.5.01.0241).
 
Na decisão, o magistrado afirma ter dimensão da crise econômica mundial gerada com a covid-19. Mas acrescenta que “não se pode perder de vista que o impetrante é credor de verba alimentar”. Ele lembra ainda das “dificuldades geradas pelo cenário atual, em que muitos trabalhadores se viram lançados no mercado informal de trabalho, sendo pública e notória a situação de absoluta vulnerabilidade social”.
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe