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No futuro, a aposta será na pessoa e não no diploma

Fonte: Valor Econômico
 
Professor titular de física e astronomia do Dartmouth College (EUA) Marcelo Gleiser afirma que seu dia a dia não mudou substancialmente desde que se tornou o primeiro brasileiro a ganhar, em março deste ano, o Templeton, o “Nobel da Espiritualidade”. O que mudou, diz, é que suas palestras, artigos e livros, incluindo alguns best-sellers, ganharam um poder de influência para grupos mais amplos da sociedade. E é nessa porta nova que se abriu, como define, que ele reflete mais sobre questões que ultrapassam seu campo de estudo mais famoso, o do diálogo entre a ciência e a religião.
 
Em visita ao Brasil no início de dezembro, Gleiser falou, por exemplo, sobre o impacto da automação e inteligência artificial na força de trabalho para uma plateia de CEOs e diretores - presentes no 2º Connecting Leaders, evento do IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau). Defendeu que não trata-se de “ficção científica” ou “previsão catastrófica” imaginar que grande parte dos empregos atuais não existirá nas próximas décadas. “Nos EUA é uma realidade. Se você olhar para as pessoas que estão empregadas no Google e no Facebook, elas não tinham esse mesmo emprego há 20 anos. A inteligência artificial só irá acelerar esse processo”, disse em entrevista ao Valor, após o evento. 
 
No Brasil, defende o cientista, essa discussão não é muito concreta porque há uma descompasso no setor educacional, em relação ao que as universidades fazem, hoje, para formar as pessoas que ocuparão os novos tipos de emprego daqui a “cinco ou dez anos” e as necessidades do mercado. “Aqui há uma rigidez na formação e a percepção de que se você faz economia, você só pode ser economista. Nos EUA, a universidade oferece uma formação intelectual sólida, você se forma e, depois, recebe um treinamento de dois a três meses para aprender qual trabalho a empresa quer de você”. Gleiser cita o exemplo de seu filho, de 30 anos, que estudou linguística e depois foi trabalhar no setor de marketing do Google. “Esse tipo de versatilidade e de condição de apostar na pessoa, e não no diploma, vai ficar cada vez mais importante”. Em termos de requalificação profissional e até de reciclagem total, Gleiser não exime a responsabilidade das próprias empresas e defende que o século 21 exige uma nova ética corporativa. “Quando o Google desenvolve carros autônomos, eles não estão só desenvolvendo carros. Há milhões de caminhoneiros e motoristas de ônibus com potencial de ficarem desempregados.
 
Como a ética corporativa lida com isso?”. O cientista diz não ter uma resposta para essa “obrigação moral”, mas defende que a discussão é importante e precisa ocorrer dentro das organizações por dois aspectos. Um deles envolve a sua percepção de que a requalificação profissional exigida para o futuro próximo é bem diferente daquela que precisou ocorrer nos tempos de Henry Ford e da Revolução Industrial. “O nível de preparo para uma pessoa trabalhar em uma fábrica em produção em série é muito menor do demandado para tocar uma tecnologia de ponta”.
 
Outro motivo, que é o que faz Gleiser ser otimista com essa questão, está diretamente relacionado aos consumidores do século 21. Para o cientista, as empresas precisarão se posicionar diferente sobre as questões morais e éticas por pressão dos próprios clientes. “Sei que sou um cientista falando sobre liderança, mas penso que os líderes precisam trocar de perspectiva. Aquela ideia de que o consumidor é alvo - e não parceiro - precisa mudar. Se o produto deixa de vender porque os consumidores estão desencantados com as posições da empresa, ela precisará mudar”. Em sua visão, o líder que só olha para “produto e venda”, e não para o “papel cívico e social” da organização irá falhar. Gleiser diz que a reflexão parece utópica, mas cita que já há um esforço de grandes companhias, tradicionais e fortes, em se transformar. “Se você entrar no site da Shell e da Chevron, vê o esforço das duas em mudar como se descrevem.
 
Dizem que não são apenas exploradoras de petróleo, mas empresas preocupadas com o futuro, meio ambiente e com a divisão de renda. Você não ouvia isso há vinte anos”. Por trás desse esforço e da própria pressão dos consumidores, defende Gleiser, está a maior presença da geração Z (nascidos a partir de 1995) capaz de reinventar a forma como trabalhamos, vivemos e consumimos. “É a primeira geração totalmente digital e que possui valores sociais profundamente diferentes. São pessoas que veem, por exemplo, a diversidade de uma forma óbvia, absolutamente natural e essencial na sociedade”, afirma, citando que as empresas à frente atualmente estão alinhadas a esse novo perfil, valores e demandas sociais e ambientais. “Já fazem negócio e pensam o ambiente de trabalho de uma forma totalmente diferente”. 
 

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