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Desde 2018, mais 1,2 milhão de pessoas geram renda em casa

Fonte: O Globo
 
Com a lenta recuperação do mercado de trabalho, 1,2 milhão de brasileiros passaram a trabalhar em casa desde 2018, relata CÁSSIA ALMEIDA. É o que diz um estudo da consultoria IDados, baseado em estatísticas do IBGE. Já são 4,5 milhões nessa condição. Para especialistas, o aumento da informalidade explica boa parte desse movimento, mas o avanço da tecnologia também tem estimulado o expediente domiciliar. A fatia dos que têm curso superior nesse grupo subiu de 16,3% para 19,3% em pouco mais de um ano.
 
Desde o primeiro trimestre de 2018, mais 1,2 milhão de pessoas passaram a usar a própria casa como local de trabalho. Já são 4,5 milhões de brasileiros nessa situação, de acordo com estudo da consultoria IDados a partir de estatísticas do IBGE. O crescimento é explicado principalmente pela crise prolongada do mercado de trabalho, que ainda gera poucos empregos formais, mas também reflete as facilidades trazidas pela tecnologia para eliminar o tempo e o dinheiro gasto com transporte e alimentação fora de casa.
 
O teletrabalho ajudou a técnica em administração Karen Luz, de 24 anos, a aumentar a poupança da família para a casa própria. Com carteira assinada, trabalha remotamente para uma empresa de telecomunicações enquanto toca sua própria marca de doces artesanais. Ao passara trabalhar em casa, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, deixou para trás a rotina diária de três horas no trem e no metrô para ir à empresa, no Centro.
 
— O que ganho com os não dá para os gastos. O mercado é bem oscilante, e preciso de estabilidade. Tenho meu filho que precisa de mim — diz Karen, que ainda cursa faculdade de Administração.
 
MAIORIA POR CONTA PRÓPRIA
 
Ter um trabalho remoto com carteira assinada, como o de Karen, ainda é para uma minoria, apenas 1,1% do total de pessoas que hoje geram renda sem sair de casa. A maior parte dos que estão nessa situação é de trabalhadores por conta própria: cerca de 3,9 milhões.
 
— O crescimento da informalidade explica boa parte do aumento do trabalho em casa. É um fator que pesa bastante — afirma Tiago Barreira, pesquisador do IDados, responsável pelo estudo.
 
A maior parte dos que trabalham em casa ganha pouco (metade ganha menos de um salário mínimo) e não tem instrução (27,1%), mas a parcela de trabalhadores domiciliares com ensino superior está aumentando: subiu de 16,3% no início de 2018 para 19,3% no segundo trimestre deste ano. Também aumentou, de 4,8% para 6,1%, a participação dos que ganham mais de cinco salários mínimos com atividades realizadas em casa.
 
O psicólogo João do Nascimento, de 24 anos, atendia em uma sala sublocada no Centro de Niterói, mas decidiu receber pacientes em casa para cortar o gasto com o aluguel. Também faz consultas por meio do computador:
 
— Se continuasse a atender na sala, estaria hoje pagando para trabalhar. Depois comecei a atender via skype. Muitos pacientes até preferem on-line. Pretendo aumentar meus atendimentos virtuais, mas sem excluir o presencial.
 
Segundo Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o avanço tecnológico facilitou o trabalho em casa, e o trânsito caótico das grandes cidades combinado ao alto custo do transporte também estimula essa opção. Ele cita a Pesquisa de Orçamentos F amil iares (POF ), divulgada na semana passada pelo IBGE, que mostrou que o transporte passou a sera maior despesa das famílias, superando alimentação.
 
— E o computador com internet ainda está crescendo nas famílias —observa Neri.
 
DOIS TERÇOS SÃO MULHERES
 
A presença feminina entre os que trabalham em casa é maior: elas são 68,8%. Apesar de vantagens como a carga horária flexível, o procurador do Trabalho Rodrigo Carelli observa que há perdas na comparação com o emprego tradicional. Segundo ele, quem trabalha em casa tem menos proteção. Não há controle de jornada e o trabalhador ainda fica com o ônus de manutenção dos equipamentos que usa desde a reforma trabalhista:
 
— O trabalho em casa é mais precário. Ainda há uma questão de gênero. Geralmente, são mulheres que fazem teletrabalho. Acumulam cuidados de filhos e idosos, da casa, cumprindo tarefas que a sociedade impõe. Assim, perpetuamos a sobrecarga delas. Flávia Rissino já trabalhava remotamente como atendente de telemarketing em sua casa, em Itaboraí, na região metropolitana, mas acabou perdendo o emprego formal em 2016. Ela foi obrigada a mudar de atividade, mas manteve o local de trabalho. Ela já fazia doces para vender desde 2014, e essa passou a ser sua principal fonte de renda.
 
— Fui demitida porque a empresa acabou com trabalho remoto, e eu não queria me deslocar todo dia. Co mojá fazia doces, resolvi continuara trabalhar em casa.
 
Mas acrise também atingiu seu negócio. Após sentir uma queda de 40% nas encomendas, Flávia teve que procurar outra renda. Para manter as conta sem dia e pagara faculdade de Pedagogia, começou trabalhar como inspetora em uma creche. Ganhando um salário mínimo, ela percebeu outra oportunidade: usar o carro a caminho do trabalho para fazer transporte escolar.
 
— As encomendas são muito instáveis, e a faculdade vence todo mês. Comecei a rota par apagara faculdade. Hoje, o transporte e os doces são metade da minha renda — conta.
 
O fim do home office na empresa de Flávia vai na contramão do que vêm experimentando grandes companhias. Segundo pesquisa da consultoria Mercer com 680 companhias no país, 35% já têm a opção de trabalho em casa em alguns dias da semana e 62% adotaram horários flexíveis. Segundo Nelson Bravo, consultor da Mercer, esse é um benefício que agrada os profissionais e ajuda a cortar custos. Os escritórios podem ter menos estações, já que empregados não vão todos os dias.
 
— A procura por consultoria vem crescendo, desde 2017, coma reforma trabalhista, que regulou a situação. A oferta de teletrabalho atrai e retém funcionários, que não precisam gastar tempo no trânsito e têm mais flexibilidade na rotina —diz Nelson Bravo, consultor da Mercer.
 
EMPRESAS ADOTAM SISTEMA
 
Nas multinacionais Novartis e GE, o home office já existe, mas não para 100% da jornada semanal.
 
— É lógico que há funções com menos espaço para trabalho em casa. Quem toca operação na fábrica, por exemplo, tem que estar presente, mas amarrar um funcionário ao escritório não é necessário. Os mais jovens já estudam em qualquer lugar, não há dificuldade —diz Ana Lucia Caltabiano, vice-presidente de Recursos Humanos da GE, que trabalha em casa dois dias da semana. — Minha secretária também faz home office, e muitas vezes almoçamos juntas.
 
Na Novartis, o trabalho remoto está institucionalizado, conta Julia Fernandes, diretora de Pessoas e Organização da farmacêutica. Empregados têm banco de horas e vão controlando a jornada, diz ela: — O funcionário tem autonomia e pode trabalhar em casa alguns dias . Isso aumenta o engajamento.
 
O procurador Rodrigo Carelli observa que o trabalho remoto tem a desvantagem de reduzir a interação entre profissionais, o que, para ele, pode afetar a capacidade de inovação da empresa.
 
— Não é à toa que a Google tem locais de recreação para funcionários. É nesse momento que ideias surgem — diz o procurador do Trabalho, que também alerta para problemas de saúde que podem ser causados pelo isolamento, como a depressão, e doenças osteo-musculares com o trabalho contínuo em mobiliário sem ergonomia apropriada, como trocar a estação de trabalho no escritório por uma mesa de jantar.
 

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