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Novela sem fim

Fonte: Jornal da Orla
 
 
O projeto do momento de ligação seca entre Santos e Guarujá parece caminhar para um impasse e corre o risco de não se tornar realidade. A bola da vez é a proposta de ponte apresentada pela Ecovias, que foi tema de uma audiência pública na terça-feira (16), no Teatro Guarany, em Santos. 
 
A empresa, que explora o sistema Anchieta-Imigrantes, está empenhada em fazer a obra de olho na ampliação do seu contrato de concessão, que venceria em 2026, por mais 30 anos.
 
Audiência “só para falar que fez”
 
Orçada pela empresa em R$ 2,9 bilhões, a obra prevê uma ligação de 7,5 km, do Km 64 da Via Anchieta até o Km 250 da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, transpondo o canal de navegação do Porto de Santos. E é aí que se instala o imbróglio: as empresas que atuam no porto de Santos, a autoridade portuária, especialistas em logística e até o Ministério da Infraestrutura e Transportes estão convencidos de que a construção de uma ponte estrangularia a expansão do porto e poderia até mesmo paralisá-lo, caso aconteça um acidente. A ponte teria 85 metros de altura e 325 metros de largura entre os pilares.
 
Para os presentes contrários ao projeto, ficou a impressão de que a audiência pública foi “só para falar que fez”, já que é uma exigência no processo de licenciamento ambiental, e não para se discutir verdadeiramente o assunto. E o risco é o tema ir parar na Justiça — uma verdadeira “briga de cachorros grandes”.
 
Bloqueios de pagamento
 
Na audiência pública, o superintendente da Ecovias, Rui Klein, declarou que a ponte busca prioritariamente atender os veículos de carga, reduzindo o percurso entre as duas margens de 45 km para menos de 10 km, mas também pode retirar até 50% do atual tráfego da travessia de balsas entre Santos e Guarujá. “Os modelos já mostram que se existir uma opção, o motorista vai preferi-la”, afirmou.
 
Ele acrescentou que a ponte não restringiria o tráfego de navios, tanto em termos de altura como de largura.“O traçado da ponte foi definido por oferecer o menor impacto “, declara.
 
O Governo do Estado apoia este projeto, argumentando que não tem dinheiro para ele próprio fazer a obra e que ela é fundamental para desafogar o tráfego pesado. “O crescimento da movimentação de caminhões ao Porto de Santos vai saturar a região de Cubatão e a ponte vai criar uma alternativa”, diz o secretário estadual de Logística e Transportes, João Octaviano Machado Neto, acrescentando que o tempo para transportar cargas entre as margens do cais será reduzido. “O que hoje é feito em 1h30 cairá para 40 minutos”, diz.
 
No entanto, o secretário diverge em relação ao tráfego de veículos leves. Segundo ele, a solução para mobilidade urbana, entre Santos e Guarujá, vai continuar sendo as balsas, que deverão ser privatizadas até 2020.
 
Segundo João Octaviano Neto, a ponte não vai prejudicar a operação dos atuais terminais portuários nem comprometer projetos de expansão, o tráfego de navios maiores ou de aeronaves no futuro aeroporto de Guarujá. O secretário acredita que este é o único projeto viável no momento, pois “não mexeria com recursos públicos”.
 
Eufemismo - Na audiência pública, o executivo da Ecovias preferiu usar um outro termo ao ser questionado se haverá cobrança de pedágio por quem usar a ponte. Disse que haverá “bloqueios de pagamento”.
 
De olho na ampliação do contrato
 
A Ecovias é acusada de visar apenas a ampliação de seu contrato, e não de resolver o problema de mobilidade entre as duas cidades, nem do tráfego de caminhões entre as duas margens do porto tampouco dos veículos que atualmente utilizam as balsas. 
 
“Esta ponte é um projeto de mobilidade urbana, não uma obra portuária”, diz o consultor Fabrizio Pierdomênico, que já foi diretor da Codesp. “Hoje, o fluxo de caminhões entre as duas margens é ínfimo. O caminhoneiro pega a carga em uma das margens e vai direto para seu destino, não vai para a margem oposta”.
 
Um dos críticos mais efusivos ao projeto é o presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), Ricardo Arten. Ele argumenta que a estrutura comprometeria os planos de expansão do porto. “Não somos contra uma ligação seca, mas também não queremos restrições. O debate é importante”.
 
Diversos especialistas alertam que os pilares da ponte criariam restrições ao trânsito de navios no canal do porto, pois seria preciso haver espaço para as manobras das embarcações e não apenas a simples passagem delas. Além disso, a tendência é a marinha mercante demandar navios cada vez maiores (mais altos e mais largos).
 
“Qualquer intervenção permanente requer cautela. Falta aprimorar os estudos”, alertou o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Conceição da Silva.
 
Solução antiquada
 
O diretor de portos da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos, Eduardo Lustosa, considera a construção de pontes uma solução obsoleta. A cidade de Roterdã (Holanda) começou fazendo pontes e as derrubou, trocou pelos túneis. Isso não funciona”, disse. “Essa obra não é mais desejada. Foi um sonho, hoje virou pesadelo”.
 
Aviso federal
 
Por meio de nota, o Ministério da Infraestrutura avisou que pode vetar a ponte. “A definição da melhor solução de engenharia entre as margens do Porto de Santos deve ser compatível com o projeto de expansão do porto. Sendo uma ligação por ponte, o projeto deverá ser submetido, estudado e aprovado pela Pasta”.
 
Ideia de túnel ressuscita
 
 
A comunidade portuária, incluindo a própria Codesp, defende que a melhor alternativa de ligação seca entre Santos e Guarujá é um túnel sob o canal de navegação, obra orçada em R$ 3,2 bilhões.
 
Em reunião com o deputado estadual Kenny Mendes no mês passado, o diretor-presidente da Codesp afirmou que o governo federal poderia complementar os   R$ 300 milhões restantes para que a Ecovias construísse o túnel, em vez da ponte. Mas isso dependeria de se realizar um arranjo jurídico que permitisse incluir a obra do túnel na concessão da Ecovias. 
 
Pedágios nas perimetrais
 
A Codesp está cogitando oferecer à Ecovias a concessão das avenidas perimetrais, tanto em Santos quanto em Guarujá, em troca da construção do túnel — inclusive permitindo a cobrança de pedágio nas avenidas e no próprio túnel. O presidente da Codesp, Casemiro Tércio Carvalho, defende que os moradores fiquem isentos da cobrança. 
 
A autoridade portuária está em negociação com a empresa que explora o Sistema Anchieta-Imigrantes e também estuda o arcabouço jurídico que sustente este acordo, para resolver questões como a necessidade de se fazer uma licitação e o repasse de verbas da união para complementar a construção do túnel.
 

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