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Aldo Musacchio: "Empresas estatais já dominam o capitalismo mundial"

Carolina Mazzi

As políticas econômicas do Brasil e da China são mais parecidas do que o governo brasileiro gostaria de admitir e fazem parte de um novo Capitalismo de Estado, em que o modelo chinês de forte intervenção nas empresas privadas, e o fortalecimento das estatais, ditam as políticas industriais e econômicas dos países. É o que afirma o economista Aldo Musacchio, professor de Negócios e Economia Internacional da Universidade de Harvard, autor de diversos artigos e eleito um dos "30 profissionais mais promissores antes dos 40 anos" pela revista de negócios Expansion.

Em entrevista exclusiva para o Jornal do Brasil, o professor analisa as formas com que as duas nações investem e intervêm na economia, critica a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e afirma que o capitalismo já está sendo dominado pelas grandes empresas estatais, patrocinadas fortemente pelos seus governos.

Confira abaixo a entrevista com o economista.

JB: Nesta semana, o BNDES anunciou o financiamento de um "Superlaboratório" farmacêutico, que uniu as gigantes do setor. No Brasil, a participação do governo está concentrada em setores mais específicos, como por exemplo o petrolífero, a mineração e agora no setor farmacêutico. No entanto, na China ele está presente em quase todos os setores da economia. O senhor os classifica como “Capitalistas de Estado” igualmente. Por que? Quais as diferenças e as semelhanças na atuação do governo na economia? Os dois governos tem os mesmos objetivos?

Aldo Musacchio: As diferenças são pequenas, menores do que a gente pensaria, ou que o governo brasileiro gostaria de admitir. A questão é que ninguém quer se assemelhar com a China, porque ainda é muito propagandeada pelo socialismo, por não ser uma democracia. Mas o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) tem um modelo de desenvolvimento, na parte econômica, muito parecido com a China. 

Existem menos empresas estatais no Brasil do que a China, porém se considerarmos o capitalismo de estado de maneira mais abrangente, como eu considero, que também leva em conta a influência do governo nos financiamentos, empréstimos e subsídios a empresas, o estado está muito mais presente.

Na China existem mil empresas, enquanto no Brasil, acredito que sejam 247 federais. Porém, o governo brasileiro tem participação minoritária em quase outras 400. O Brasil tem muitas empresas, os braços entram no setor produtivo em muitos setores e a influência é enorme. 

Na China o controle sobre as empresas de capital aberto é realmente maior, porém a influência dos países na economia e nas empresas é muito grande. 

JB: Como o senhor vê a atuação do BNDES dentro dos objetivos do governo? Na China, existem bancos fazendo o mesmo, ou pelo menos, algo muito semelhante?

Aldo: Sim, claro. Na China a atuação dos quatro principais bancos, incluindo aí o China Development Bank, são muito fortes e até mais agressivas que no Brasil. Se você olhar a carteira de destes bancos verá que estão muito focados em empréstimos. 

Um outro exemplo da China é a criação do Huijin, uma holding, um fundo soberano que usa um pouco das reservas do Banco Central chinês para capitalizar os outros bancos. 

Assim como os empréstimos do BNDES, que nos últimos dois anos foram quatro vezes maior que o desembolso do Banco Mundial, por exemplo. No final, os dois governos têm o objetivo da formação de capital para criar empresas fortes. No caso do BNDES ainda há a vontade de se criar super empresas, as chamadas "Campeãs Nacionais", o que, neste caso, não sei se há esta mesma intenção na China. 

JB: Como o senhor vê a criação destas grandes empresas, as chamadas "Campeãs Nacionais"?

Aldo: O problema na criação destas empresas é que o consumidor brasileiro vai terminar pagando, ou as outras empresas vão terminar pagando, pois fortalecer estes grandes conglomerados pode minar com a competição dentro do país. 

Além disso, estes gigantes, que já eram competitivos sem o financiamento do BNDES, poderiam conseguir outras formas de empréstimo, mas acabam indo para o banco. Isto pode levar a um desvirtuamento dos investimentos nacionais. Não se sabe muito bem quais os critérios para investimento do BNDES, que tem investido em setores que o país já era extremamente competitivo.

JB:As empresas dos países que têm capitalismo de estado têm se internacionalizado cada vez mais, inclusive aquelas controladas inteiramente pelo Estado, como as chinesas, por exemplo. Qual o objetivo desses Estados ao patrocinar essa internalização? 

Aldo: Este processo é muito mais claro no caso da China. A internacionalização mais evidente começou quando o país precisou de commodities, e as empresas petrolíferas começaram agir de forma agressiva fora, comprando muitas empresas. Existe até um caso em que uma chinesa tentou adquirir os ativos de uma empresa americana, mas houve uma pressão para que o negócio não fosse fechado. A atuação da China na África é muito forte, tem muitas empresas buscando negócios em Angola, por exemplo.

Existe uma intenção política de ambos os países, principalmente a China, de ampliar a influência em outros mercados. Tem o exemplo de uma empresa petrolífera chinesa que invadiu o mercado de Angola - acabando com uma concorrência indiana, usando os bancos de desenvolvimento para aumentar sua influência econômica, e conseqüentemente política, no mundo.  

No caso do Brasil, a atuação das gigantes nacionais está muito ligada também a uma estratégia mais política, diplomática. A atuação da Petrobras e da Odebrecht, por exemplo, no Irã estão conectadas com estas intenções. 

JB: O senhor acredita que o Brasil deve encarar uma empresa chinesa, controlada inteiramente pelo Estado, investindo aqui, como encararia uma alemã de controle privado, por exemplo? 

Aldo: Depende do setor. Por exemplo, no México o maior banco foi comprado pelo Citibank. Com a crise, o governo americano teve que comprar grande parte dos ativos do banco e o governo dos EUA virou quase que controlador deste banco mexicano, que é importante dentro de um setor estratégico para o desenvolvimento do país. 

Num setor estratégico ninguém quer ter um governo estrangeiro. Mas isso acontece, por exemplo, na África que tem muitas minas da Vale, parcerias com a Petrobras, ou seja, atuação forte de empresas internacionais. 

A participação da China na América do Sul é mais no discurso, na diplomacia. Existem alguns financiamentos vindos do asiático, mas nada muito relevante, pois na América do Sul as coisas acontecem de maneira diferente do que na África, que não tem ninguém, não tem nenhuma potência investidora.

Por exemplo, se a China patrocinasse uma estrada que liga o Peru ao Brasil seria muito benéfico para ela, pois facilitaria o comércio, o transporte, as interações. Porém, os governos são mais soberanos, exigiriam mais.

De qualquer jeito, o Brasil ainda tem muito a se beneficiar com a demanda chinesa. Eu gosto de dizer que existem três chinas: a China do oeste, do leste e do centro. A renda per capita da costa leste é duas vezes maior que as outras duas (quase três em relação ao oeste). Ou seja, mais da metade do país ainda precisa ser modernizada, no oeste e no centro da China, as construções estão aquecidas, são áreas agrícolas. A demanda por commodities continuará e o Brasil se beneficiará com isso.

JB: As empresas estatais chinesas crescem cada vez mais e algumas já são as maiores do mundo. O senhor acha que o capitalismo acabará sendo dominado por empresas controladas pelo estado?

Aldo: Já está sendo controlado. Por exemplo: Em 2005, na lista da revista Fortune Global 100, não existiam empresas estatais nas dez primeiras colocações. Hoje, já existem quatro entre as dez maiores. Das 50, hoje já devem ter mais de 20. Este é um processo em andamento que deverá se consolidar cada vez mais, é uma tendência já fundamentada. O desafio agora é saber como os países e as outras empresas vão lidar com este novo cenário, como se adaptar e entender essas novas relações. 

As empresas estatais de hoje são mais transparentes, já aprenderam a ser eficientes e estão saindo destes estereótipos de cabide de empregos e ineficiência. 

Nas empresas chinesas, ainda que os diretores estão sendo escolhidos pelo Partido Comunista, eles são escolhidos baseados na experiência, é preciso ser muito bom.  A presidente da Petrobras por exemplo também é um exemplo disso. A Graça Foster tem conhecimento técnico dos procedimentos da empresa. 

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