Notícias
27/06/2025 - 11h28

Ação na Justiça expõe guerra bilionária entre estrangeiros e JBS no Porto de Santos


Fonte: O Globo
 
Empresas que atuam no complexo criticam restrições de agência federal, enquanto companhia dos irmãos Batista desconversa sobre interesse em leilão
 
Uma ação da dinamarquesa Maersk questionando na Justiça os critérios do leilão do novo megaterminal no Porto de Santos estabelecidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) expôs uma guerra já deflagrada nos bastidores que coloca em campos opostos os interesses de operadoras estrangeiras e da JBS dos irmãos Batista, que têm buscado ampliar sua atuação no setor através da subsidiária JBS Terminais.
 
A disputa pelo novo terminal, que vai aumentar em 50% a capacidade de movimentação do porto de Santos e será o maior da América Latina, atrai a atenção de todas as multinacionais do setor por ser a maior concorrência em curso no planeta.
 
Na última quarta-feira, a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo estabeleceu um prazo de dez dias para a Antaq explicar por que propôs mudanças no regramento do certame que, na prática, restringiriam a competição pelo contrato, que prevê um investimento de R$ 5,6 bilhões no chamado Tecon 10 e um bônus pelo arrendamento por no mínimo 25 anos.
 
Nos bastidores, operadores que já atuam em Santos dizem que as restrições da Antaq favorecem players como a JBS Terminais e a chinesa estatal Cosco, que ainda não estão em Santos. O porto de Itajaí (SC), controlado pela empresa dos Batista, é bem menos rentável – movimenta pouco mais de 100 mil TEUs (medida referente a contêineres) por mês. Já o de Santos movimentou 1,3 milhão TEUs só no primeiro trimestre deste ano.
 
A especulação sobre o interesse da JBS e da companhia da China também foi citada pelo subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União Lucas Rocha Furtado, que menciona ainda a filipina ICTSI e a americana Hudson Ports como potenciais favorecidas.
 
No documento, Furtado aponta ainda que as principais prejudicadas seriam a Maersk e a MSC, que são os dois maiores armadores do mundo, além da Santos Brasil, controlada pela gigante francesa CMA CGM, e a DP World (Emirados Árabes Unidos).
 
Tudo porque, diferentemente do que faz em outros leilões, a Antaq optou por dividir a concorrência em duas fases e vetou na primeira etapa a participação de companhias que já atuam no Porto de Santos – como é o caso da Maersk, da MSC, da CMA e da Dubai Ports.
 
A justificativa foi impedir a concentração de mercado no porto e blindá-lo da chamada verticalização, quando os mesmos grupos econômicos controlam toda a cadeia portuária, dos terminais à operação dos navios.
 
De acordo com as regras agora questionadas na Justiça, essas empresas só poderiam se candidatar a operar o novo terminal na segunda rodada, caso não haja interessados – o que é considerado muito improvável, dado o tamanho e o potencial do terminal – , e mediante o compromisso de desinvestimento nos ativos mantidos atualmente em Santos.
 
Nos últimos meses, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também entrou na briga, aumentando sua voltagem política. O governo paulista avalia que as novas regras “esvaziam a ampla competição, impedem a participação de agentes econômicos tecnicamente qualificados na disputa pelo ativo e podem resultar na prestação de um serviço menos eficiente e mais custoso” – como escreveram em um ofício enviado ao Ministério de Portos e Aeroportos a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, e o titular de Parcerias e Investimentos, Rafael Benini.
 
Na avaliação do governo Tarcísio, para impedir a concentração no porto bastaria permitir a participação das grandes operadoras já estipulando que se alguma delas for vencedora, deve abrir mão dos investimentos atuais no porto.
 
Em resposta ao governador, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, se disse “muito confortável” em relação às mudanças recomendadas pela Antaq porque a diretoria foi indicada por Jair Bolsonaro e não por Lula. Embora faça parte do governo Lula, Costa é filiado ao Republicanos, mesmo partido de Tarcísio.
 
Mudanças a jato
 
Na ação, a Maersk sustenta que as mudanças de grande impacto no formato do leilão não foram levadas à discussão em audiências públicas, contrariando a jurisprudência da agência, do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Cade, e avançaram de forma inusual na burocracia de Brasília.
 
Em menos de 24 horas, o Ministério de Portos e Aeroportos recebeu as novas recomendações da Antaq, chancelou prontamente as mudanças e as submeteu ao Tribunal de Contas da União (TCU), a quem cabe revisar o formato da concorrência.
 
As alterações já haviam provocado a reação do Ministério Público de Contas junto ao TCU. O subprocurador-geral Furtado chegou a solicitar a suspensão do leilão, classificou as restrições como “prévias e completamente genéricas” e alertou para os riscos à competição e à valorização do ativo leiloado, o que poderia acarretar em “prejuízos ao erário federal”.
 
Mas o pedido foi negado pelo ministro Antonio Anastasia, que alegou que os critérios do leilão ainda passariam pelo crivo do TCU, e por isso não caberia decisão liminar.
 
Disputa em curso
 
Embora não haja concorrentes formais no momento, uma vez que o edital não foi apresentado, empresas e armadores (operadores de navios) interessados já movimentam há meses o mercado de consultorias e escritórios de advocacia para estudar o leilão e projetar eventuais propostas.
 
Embora a JBS não tenha manifestado publicamente interesse na concorrência, nos bastidores emissários da companhia procuraram executivos das grandes operadoras de terminais propondo conversas com os irmãos Joesley e Wesley Batista com a finalidade de tentar algum tipo de associação.
 
De olho no gargalo logístico no setor portuário, que eleva os custos de grandes exportadoras como a J&F, também dos irmãos Joesley e Wesley, já opera o porto de Itajaí.
 
Recentemente, Wesley esteve entre os convidados de um evento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que lançou a criação de uma doca federal no complexo da cidade catarinense.
 
Os Batista também estiveram na China, na comitiva que acompanhou o presidente Lula na visita oficial realizada em março de 2023.
 
Procurada pela equipe da coluna, a JBS informou não ter manifestado “interesse em participar do leilão do Tecon 10”.
 
Questionada sobre a mudança nos critérios, a Antaq afirmou ser “uma defensora da competitividade e entende que concentrações de mercado devem ser evitadas” e que as mudanças ocorreram com o objetivo de “promover e ampliar a concorrência no referido complexo portuário”, embasadas em “critérios técnicos” que apontaram “níveis de concentração superiores ao aceitável” sem as restrições propostas.
 
Ainda segundo a agência, as mudanças ocorreram “a pedido do Ministério de Portos e Aeroportos” e também a partir de contribuições apresentadas em audiências públicas. Já em relação à decisão da Justiça de São Paulo, a Antaq informou não ter sido notificada oficialmente até ontem.
 
O Ministério de Portos e Aeroportos, por sua vez, afirmou que só tomará qualquer decisão sobre o leilão “após uma ampla discussão” com o TCU. Questionado sobre as alterações da Antaq, a pasta alegou que “a matéria possui natureza regulatória, o que limita a atuação direta do ministério quanto ao mérito da decisão”.
 
O órgão comandado por Silvio Costa Filho disse ainda trabalhar para “assegurar a ampla participação dos agentes nacionais e internacionais envolvidos” e que espera que o projeto saia do papel para o desenvolvimento do Porto de Santos e “o fortalecimento da infraestrutura logística do país”.