Fonte: Agência iNFRA
Os efeitos da verticalização no setor portuário não devem impedir que empresas de navegação disputem o Tecon 10 no Porto de Santos, desde que essas companhias não atinjam uma participação local no mercado de contêineres prejudicial ao ambiente concorrencial.
Essa é a mensagem da área técnica da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) sobre o leilão do STS10, cujo formato ainda será avaliado pela diretoria do órgão e pelo governo federal. A análise está na NT (Nota Técnica) em que a SRG (Superintendência de Regulação) da agência fez uma estudo de avaliação concorrencial em torno do certame.
A consequência de armadores serem donos de terminais portuários sempre foi um ponto explorado por quem se opõe à participação desses players na disputa pelo megaterminal de contêineres. Um dos argumentos historicamente levantados é o risco de esses operadores direcionarem suas cargas aos próprios terminais, a chamada self-preference. Com a relevância que terá o STS10 na movimentação dentro de Santos, o temor é de que a prática levasse a um fechamento de mercado.
O estudo feito pela ANTAQ, por sua vez, afasta essa preocupação. Segundo a área técnica, embora seja possível que um armador priorize o uso de seu terminal, dados indicaram que, mesmo em cenários de redirecionamento integral de cargas, a participação de mercado potencial permaneceria em níveis aquém do risco de fechamento.
“Conclui-se, portanto, que a possibilidade de integração vertical no âmbito do leilão do Tecon 10 Santos não configura, por si só, uma ameaça concreta à concorrência. Os potenciais riscos identificados podem ser acompanhados e tratados por meio da regulação setorial. Assim, não se vislumbra fundamento técnico ou jurídico para vedar a participação de armadores na licitação, desde que observadas as normas de isonomia, acesso não discriminatório e transparência regulatória que regem o setor portuário”, escreveu a SRG.
O documento também reconhece ganhos de eficiência gerados pela integração produtiva. Os técnicos pontuam, por exemplo, que a verticalização entre armadores e terminais tem sido uma opção cada vez mais adotada e associada a ganhos de escala, previsibilidade de investimentos e sinergias operacionais no setor.
Concentração excessiva
Por outro lado, a área técnica indicou que não concordará com uma concentração excessiva da movimentação de contêineres por um único operador em Santos – seja ele armador ou não. Ou seja, companhias de navegação poderiam disputar, desde que abram mão dos ativos que já operam no complexo portuário.
Para chegar a esse resultado, a SRG simulou seis cenários. Em quatro deles, calculou o que ocorreria no porto se as empresas que já controlam terminais vencessem a licitação.
Nos cálculos feitos pelos técnicos, os cenários em que há manutenção de ativos por grandes operadores verticalizados – como BTP (MSC/TIL e Maersk/APMT) e Santos Brasil (em associação com a CMA CGM) – resultariam em elevada concentração de capacidade operacional, “o que acende alertas sob a ótica do direito concorrencial”. A preocupação também existiria se o Tecon 10 fosse arrematado pelo Grupo DP World, mesmo que a concentração, neste caso, fosse em menor escala.
Se BTP, Santos Brasil ou DP World levassem o terminal sem fazer desinvestimentos, passariam a deter, respectivamente, cerca de 58%, 60% e 48% da capacidade total de movimentação do complexo portuário, “indicando elevada concentração e possibilidade de exercício de poder de mercado”, avaliou a SRG.
“O exercício realizado sugere que a possibilidade de exercício de poder de mercado emerge da magnitude estimada da capacidade de movimentação do Tecon 10, que isoladamente pode alcançar 34% do total do complexo portuário quando consolidada sua plena operação. Assim, nos cenários em que operadores já atuantes assumem o controle do terminal, sua participação agregada ultrapassa os 50% da capacidade total de movimentação de contêineres, gerando um ponto crítico de concentração de mercado”, conclui a área técnica.
É com base nesta preocupação que a área técnica sugere que empresas com posição em Santos possam participar do leilão, mas desfazendo-se de ativos se saírem vencedoras.
Ônus da proibição
Se essa for a alternativa escolhida, a SRG ressalta que haverá maior competição pelo mercado, mas também riscos de compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis entre o empreendimento atualmente operado e o novo terminal. Esse problema, contudo, pode ser mitigado por regras de governança e fiscalização, pontuou a área técnica.
“Pode não ser argumento suficiente para impedir a própria participação desses agentes econômicos no processo licitatório porque, em tal hipótese, presumir-se-ia a má-fé empresarial e violar-se-ia o dever de razoabilidade, por sacrificar a concorrência efetiva na licitação com fundamento em receio sobre especulações hipotéticas sobre o comportamento comercial futuro do novo terminal”, escreveu a SRG.
A outra opção trabalhada no estudo seria a proibição de empresas com ativos em Santos participarem da licitação. Neste caso, embora apresente a alternativa como uma possibilidade, a área técnica afirma que a decisão teria maior “ônus de fundamentação”, além de riscos de contestação.
Terminal de minério
Quando tentou fazer restrições prévias à concorrência para a licitação de terminais portuários, a agência sempre encontrou dificuldades. Num caso recente, na licitação do terminal ITG02, para movimentação de minério de ferro no porto de Itaguaí (RJ), a proposta saiu da agência com indicativo de que os operadores que tinham terminais no mesmo porto, no caso Vale e CSN, não poderiam participar.
No TCU (Tribunal de Contas da União), em processo relatado pelo ministro Walton Alencar, o plenário entendeu que esse tipo de medida restritiva deve ser tomado em caráter excepcionalíssimo, diante de “robustas evidências”, e que deveria ter uma consulta prévia ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Mesmo sem restrições, Vale e CSN não disputaram o certame, que foi vencido pelo grupo Cedro, da área de mineração.