Fonte: Folha de S. Paulo - Painel S.A.
Auditores da corte de contas apontam conflito de interesse em reestruturação do porto de Santos; ministro diz que decisão final será técnica
Auditores do TCU afirmam que o ex-secretário de portos do Ministério de Portos e Aeroportos, Fabrizio Pierdomenico, atuou em causa própria na defesa da transferência do terminal de passageiros do porto de Santos para uma área chamada de STS-10, que seria licitada como maior terminal de contêineres da América Latina.
Obtido pelo Painel S.A., o relatório afirma que, em março de 2023, Pierdomenico assumiu como secretário após ter desenvolvido o projeto de transferência do terminal de passageiros do local atual, no centro de Santos (SP), área conhecida como Valongo, para a região do Saboó, em parte da
área a ser destinada ao STS-10.
"É importante destacar que o ex-secretário dos portos, era sócio majoritário da Agência Porto Consultoria Ltda., empresa responsável pela elaboração dos planos de investimento apresentados pelas empresas Concais S.A. e Ecoporto S.A. para dar prosseguimento aos pleitos de transferência de área e renovação contratual", escrevem os auditores.
Eles afirmam ainda que Pierdomenico ficou na empresa até o fim de novembro de 2022, quando se retirou para assumir o cargo no ministério.
"Sua exoneração do cargo público ocorreu em 18/9/2023 e ele retornou ao status de sócio majoritário da referida companhia em 1/4/2024", afirmam.
No relatório, indicam que, após sua saída da consultoria, a Concais (empresa do terminal de passageiros do porto) apresentou um estudo ao governo propondo a transferência do terminal de passageiros para a região do Saboó, utilizando parte da área do STS-10.
Naquele momento, Pierdomenico ainda era sócio da consultoria que realizou o estudo para a Concais, ainda segundo o relatório.
"Pierdomenico recebeu receitas como consultor da Concais, e esse projeto foi priorizado assim que ele assumiu o cargo de secretário de portos e aeroportos", escrevem.
"Nós vamos usar parte do STS-10 para fazer a troca de área da Concais", afirmou Pierdomenico na referida entrevista. "A outra parte vai ser licitada. Nós vamos mexer. Eu tenho essa coragem de enfrentar. Depois eu remodelo o STS-10. É uma área nobre, eu concordo. Se a gente quer fazer uma omelete, e a omelete é tirar o terminal de onde está, e colocar ele, fazer o estado da arte, modelo Miami, modelo Fort Lauderdale, se a gente quer isso, temos que quebrar ovos."
Os técnicos consideram que, dessa entrevista, "fica reforçada a tese de possível desvio de finalidade e favorecimento indevido de interesses específicos da Concais e da Ecoporto."
O Ecoporto é um terminal que fica na área que seria aglutinada para ser licitada como STS-10. O contrato da companhia venceu e, por força da Autoridade Portuária de Santos, teve seu prazo estendido por três vezes, enquanto o governo decide o que fazer.
Consultado, Pierdomenico disse que não teve acesso ao relatório do TCU. A coluna forneceu todas as informações necessárias para que ele se posicionasse, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Decisão final será técnica, diz ministro
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou ao Painel S.A. que o STS-10 foi um projeto sem discussão no TCU e que só começou a avançar na sua gestão.
"Só existia uma posição em relação ao STS-10 e não houve estudo do aumento da capacidade portuária. O projeto foi feito há quatro anos e não saiu do papel", disse Costa Filho.
"Quando assumimos, havia ainda um debate sobre a privatização do porto de Santos, que foi retirado do plano de desestatização."
O ministro afirma que houve uma solução conjunta para o porto envolvendo o governo federal, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (então ministro da Infraestrutura, que idealizou a licitação do STS-100), e o prefeito de Santos.
"Estamos discutindo um planejamento para o porto. Retomamos a Ilha de Bagres, que será um TUP (Terminal de Uso Privado), uma nova área de crescimento do porto. A Vila dos Criadores é outra área de expansão com a possibilidade de que seja feita até uma pera ferroviária."
O ministro afirmou ainda que existe a possibilidade de se adensar áreas (ampliar terminais existentes) da Santos Brasil, DPW e ABTP, retirando a área do Ecoporto —cujo contrato vem sendo estendido.
"Teremos a mesma capacidade prevista com o STS-10, fazendo somente esses adensamentos, até 2047", disse. "Se acrescentarmos Bagres e Vila dos Criadores, chegamos até 2060. Ou seja, não foram apresentadas ainda soluções alternativas ao STS-10, que, repito, nunca foram discutidas pelo governo."
Nessa remodelagem, Costa Filho informou que cogita a mudança do terminal de passageiros da Concais para a região do Saboó —em parte da área do STS-10.
O ministro disse desconhecer as considerações feitas pela área técnica sobre conflito de interesse do ex-secretário.
"Não quero fazer ilações, nem pré-julgamentos. Qualquer decisão sobre a ocupação daquela área será tomada com critério técnico e em defesa do interesse público."