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Valores portuários

Fonte: A Tribuna On-line / Thiago Miller*
 
É interessante notar que, a partir do regulamento de 2008, passa-se a ter uma atenção à gestão dos portos públicos, positiva-se na norma a modernização da gestão como um valor
 
Há 32 anos, o Brasil mudou a política de exploração dos portos, que deixaram de ser um monopólio do Estado e se tornaram objeto de concessão, arrendamento e autorização. Com a mudança, novas regras e princípios precisaram ser erigidos para amparar e nortear a novel atividade. Agora, em 2025, o olhar do setor marítimo e portuário estará voltado à Câmara dos Deputados, onde espera-se que ocorra a tramitação do projeto de lei de mudança do marco legal da atividade portuária. Neste nobre espaço, vamos nos dedicar à análise do projeto, de algumas de suas proposições e polêmicas.
 
Começo abordando os princípios que foram eleitos para nortear a nova lei dos portos. Eles têm um papel relevante na aplicação da lei, são mandamentos nucleares e fundamentais de um sistema legal (portuário) que deve conduzir a interpretação da lei e dos contratos, as decisões das autoridades intervenientes, os regulamentos. Em 1993, a lei não estabelecia princípios, mas trazia entre os seus dispositivos alguns valores, como “racionalização e otimização do uso das instalações portuárias”, “proteção ao meio ambiente”, “competitividade” e “multifuncionalidade”, que deveriam moldar o caminho a ser seguidos pela nova política portuária.
 
Em 2001, a lei que criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) estabeleceu em seu Artigo 11 os princípios gerais: “interesse nacional”, “integração regional”, “proteção aos interesses dos usuários”, “competitividade”, “desenvolvimento de tecnologias” e “multimodalidade”. Em 2008, o decreto que regulamentou a lei dos portos trouxe como objetivos das políticas “garantia de acesso”, “redução de custos”, “aumento da concorrência”, “racionalização de prazos” e “desenvolvimento sustentável”. Como diretrizes, “garantia dos direitos dos usuários”, “racionalização, otimização e expansão da infraestrutura”, “preservação ambiental”, “modernização da gestão” e “valorização da mão de obra”.
 
Em 2013, tivemos uma nova lei a disciplinar a atividade portuária. Foi revogada a lei anterior e editada uma nova ordem. Em que pesem as justificativas oficiais, o motivo era um só: permitir a exploração da atividade portuária de forma irrestrita nos terminais de uso privado, que não dependiam de licitação. Assim como na lei anterior, não foram estabelecidos princípios gerais, mas dedicou-se o Artigo 3º para definir quais seriam as diretrizes da atividade que tinham como objetivo aumentar a competitividade: “expansão, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura”, “estímulo à modernização e ao aprimoramento da gestão”, “valorização e qualificação da mão de obra portuária”, “eficiência”, “segurança da navegação” e “estímulo à concorrência”.
 
É interessante notar que, a partir do regulamento de 2008, passa-se a ter uma atenção à gestão dos portos públicos, positiva-se na norma a modernização da gestão como um valor. A mudança da exploração, do público para o privado, não foi suficiente para entregar todos os resultados esperados; a gestão pública não destravava os acessos, era morosa para licitar. Permitir, em 2013, que os privados pudessem explorar os TUPs sem restrição era parte da receita para driblar as ineficiências da gestão pública.
 
A despeito de todas essas mudanças, do esforço de tornar a gestão pública mais eficiente, ao ler o relatório do novo projeto de lei, encontramos que “a burocracia excessiva é um dos principais desafios enfrentados pelo setor portuário brasileiro”. Para enfrentar esse e outros desafios, o projeto de lei, em seu Artigo 3º, fixou uma lista de princípios a sustentar a política setorial, a operação, a exploração, a regulação e a fiscalização: segurança jurídica, regulação equilibrada, intervenção subsidiária e excepcional do Estado, livre concorrência, liberdade no exercício de atividades econômicas, valorização do trabalho humano, meio ambiente, inovação e novas tecnologias, direito dos usuários, redução dos custos, aumento da oferta logística, eficiência dos serviços portuários.
 
Desta vez, os princípios trazidos gritam por mais liberdade e menos intervenção. Na esteira da lei de liberdade econômica, o setor se une para soltar amarras burocráticas, sem descuidar do meio ambiente, da mão de obra e dos usuários, valores preservados desde 1993.
 
*Thiago Miller, advogado especializado em Direito Marítimo, Portuário e Regulatório
 

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