Fonte: Agência iNFRA / Leonardo Coelho* e Rafael Véras**
Anteriormente designado por STS10, o Tecon 10 é um projeto de contêineres que desperta grandes interesses. Há quem se interesse para que ele aconteça. Há quem se interesse para que ele não aconteça. E há, ainda, quem se interesse para que ele aconteça, mas não tanto. Para esse terceiro grupo, interessa que ele aconteça, desde que de uma forma específica, que a competição pelo ativo seja restringida para gerar esvaziamento e direcionamento competitivo nessa disputa.
Como demonstrou o processo de consulta pública promovido pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), esse arranjo de coisas tem levado a uma verdadeira etapa prévia à licitação, em que interessados se lançam a influenciar o desenho jurídico do edital, competindo para que o leilão não seja competitivo. É algo perigoso, merecedor da máxima atenção das autoridades, para que não arrisquem privilegiar interesses privados em detrimento do interesse público, ainda que ajam de boa intenção.
Interesses privados à parte, a pergunta da qual o desenho jurídico do leilão licitatório não deve se descolar é: qual dos desenhos efetiva, em maior grau, a competição e, com ela, o interesse público, assegurando mais investimentos e desenvolvimento ao Porto de Santos?
Vimos estudando o tema da regulação e concorrência no setor há alguns anos. Analisamos a literatura jurídica nacional e estrangeira, as manifestações da ANTAQ, do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e do TCU (Tribunal de Contas da União), bem como os estudos do STS10 e do Tecon 10. Submetemos working paper a amplo debate e fizemos reuniões de discussão com integrantes do corpo técnico no TCU e do Cade. Tudo isso culminou no nosso Regulação e concorrência nos portos, recém-publicado pela Editora Fórum.
Percorrido esse caminho, temos para nós que não há evidências, seja sob a ótica vertical (de integração logística), seja sob a ótica horizontal (de participação no mercado), que justifiquem intervenção da ANTAQ no tema. O papel da agência, aqui, é o mais simples e estritamente legal possível: promover a licitação, aberta e imparcial, estimulando a competição entre todos os potenciais interessados em contratar o desenvolvimento do Tecon 10. Diversas são as razões para isso.
Em primeiro lugar, porque a competição ampla pelo ativo promoverá a disputa entre agentes econômicos com diferentes peculiaridades, acirrando a concorrência, resultando em melhores propostas.
Em segundo lugar, porque essa postura, autocontida, evita que a agência se lance em exercícios de especulação quanto ao que acontecerá no mercado no futuro, numa atuação demasiadamente interventiva e arriscada, que tende a se revelar incorreta, prejudicial à concorrência e violadora dos objetivos legalmente fixados pelo marco regulatório setorial.
Em terceiro lugar, porque o Cade, entidade de defesa da concorrência por excelência no Brasil, validou recentemente operação privada de aquisição de arrendamento portuário de terminais contêineres, em Santos, por empresa de navegação, não vendo nisso nenhum ilícito concorrencial.
O que se deu no caso, aliás, foi que os benefícios da verticalização acabaram assimilados pelo interesse privado vendedor. Agora, com a licitação do Tecon 10, a ampla competição permitirá que benefícios desse mesmo jaez sejam assimilados pelo interesse público primário, e também pelo secundário, do erário. Ora, seria no mínimo descabido e incoerente que, em uma operação privada fosse possível promover a integração logística entre armador e terminal portuário, em benefício de um privado vendedor, mas o mesmo não fosse possível mediante leilão licitatório, amplo e isonômico, em benefício do interesse público.
Em quarto lugar, porque restrições concorrenciais de conduta não devem ser assumidas aprioristicamente por agências reguladoras, em investida que sequer é feita pelo próprio Cade. Como consagrou o TCU no Acórdão nº 1.834/2024, em que analisava a desestatização da área denominada ITG02 “na falta de estudos a embasar as distorções, causas de ineficiências no mercado, não há como concluir que a solução é adequada. Não há sequer como saber se existe, de fato, problema a ser corrigido, ou se a decisão tem diversos objetivos”. Razão por que determinou à ANTAQ que “9.2.2. suprima a cláusula restritiva à ampla participação no certame, que somente pode ser inserida no edital de licitação com a prévia manifestação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), de que há comprovado risco ao ambiente concorrencial, a justificar a restrição alvitrada, facultando aos licitantes, até a homologação da licitação, o envio ao CADE, para eventual providência de sua alçada”.
Em quinto lugar, porque ao estabelecer restrições à concorrência, a ANTAQ atrairia um enorme ônus para si, na forma do risco de direcionamento da licitação e ilegalidade, acompanhado do risco de judicialização, responsabilização pelas esferas de controle e atraso na realização da licitação.
Tudo isso, no entanto, pode ser facilmente evitado. Basta retornar aos motivos justificadores da licitação do Tecon 10.
O motivo diagnóstico para realizar a licitação do Tecon 10 é o de que é preciso gerar mais capacidade de movimentação de contêineres no Porto de Santos. Não é o de que há concentração vertical, concentração horizontal, ilícitos concorrenciais, internacionalização de agentes econômicos, desatendimento a clientes, cobrança indevida ou discriminatória de tarifas, ou qualquer outro que se possa criativamente hastear para distorcer o instrumento licitatório tentando taylorizar a competição.
Diante disso, toda vez que a licitação se descolar do endereçamento desse diagnóstico, as ideias não corresponderão aos fatos. E o que se estará fazendo, ao fim e ao cabo, será justamente o contrário: ou a licitação será direcionada, favorecendo a quem tem interesse em que ela aconteça, mas nem tanto; ou a licitação não acontecerá, favorecendo ao grupo que não tem interesse na realização da licitação do Tecon 10, porque assim se ganha mais dinheiro.
A questão é: às custas de quem, Brasil?
*Leonardo Coelho é autor do recém-publicado Livro Regulação e Concorrência nos portos. Professor. Mestre em Direito Público pela UERJ. Sócio de Braz, Coelho, Véras, Lessa e Bueno Advogados.
**Rafael Véras é autor do recém-publicado Livro Regulação e Concorrência nos portos. Professor. Doutor e Mestre em Regulação pela FGV Direito Rio. Sócio de Braz, Coelho, Véras, Lessa e Bueno Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.