Artigos e Entrevistas
22/10/2024 - 11h14

Autoridade Portuária privada


Fonte: A Tribuna On-line / Thiago Miller*
 
Nossa produção cresce, mas a infraestrutura não acompanha. Logo, a carga vai ser exportada de qualquer forma e, vamos aumentar o volume exportado, mas custando mais caro
 
Os anos de 2019 a 2022 foram bastante profícuos para atividade portuária no Brasil. Com o diagnóstico e o mapa dos contratos e áreas a licitar em mãos, reuniu-se um grupo de servidores técnicos qualificados no tema, tanto no Ministério da Infraestrutura quanto nas Companhias Docas, para atender um objetivo: ampliar a infraestrutura portuária nacional. Embora fosse um novo governo, havia continuidade, pois tanto o chefe como parte dos técnicos foram trazidos da PPI. Salvo engano, foi o período com o maior número de leilões de áreas portuárias da história pós-modernização, incluindo a concessão do Porto de Vitória - que reputo a maior inovação do setor desde a Lei Federal 8.630/93.
 
Esta foi a grande discussão no período: a desestatização das Companhias Docas. Os motivos da nova opção eram conhecidos de todos: interferência política, “burrocracia”, morosidade, dificuldade de contratação, quadros inchados e distorcidos, ineficiência e falta de recursos no orçamento público - o retrato clássico da administração pública brasileira. Para quem se interessar, há um artigo do qualificado Mario Povia, publicado no volume 51 da Revista de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro (IEM), expondo essa realidade com propriedade.
 
No prazo de um mandato, logrou-se a concessão do Porto de Vitória, mas não foi possível concluir a desetatização do Porto de Santos, nem de Itajaí - cuja realidade fala por si só -, nem São Sebastião, que continua sustentado pelos impostos dos paulistas. Como resultado, podemos hoje acompanhar e avaliar essa experiência de ter uma autoridade e administração portuária privadas.
 
Trago o tema para discussão por três casuais coincidências: 1) convidado a debater o assunto no XXII Congresso Nacional de Direito Marítimo e Portuário, em Vitória, entre os dias 25 e 27 de setembro, pude realizar uma visita técnica no Porto de Vitória pelas mãos dos competentes colegas Adriana, Rafael e Isabella, do time jurídico da concessionária Vports; 2) a entrevista concedida pelo diretor técnico do Cecafé, Eduardo Heron, ao Porto 360º; e 3) o relatório da Ceportos - comissão de juristas constituída para propor um novo marco regulatório para o setor portuário.
 
É surpreendente visitar o Porto de Vitória pós-desestatização e verificar o que foi feito em dois anos de gestão privada: a entrega das obras em exíguo tempo (revitalização das linhas férreas, reforma dos berços e substituição de cabeços, novos armazém e escritório etc.), os números, a adequação dos quadros, os novos contratos... E uma situação chamou muito atenção: o porto estava repleto de veículos da BYD, oportunidade capturada graças a uma dinâmica e flexível gestão comercial - algo que dificilmente (quiçá jamais) um porto público conseguiria converter.
 
Por outro lado, na entrevista do diretor técnico Eduardo Heron, as deficiências de nossa infraestrutura portuária continuam gritantes, a ponto de a carga café buscar alternativas às ineficiências e custos do Porto de Santos e voltar a ser embarcada a granel, uma operação típica dos anos 60! Outra abordagem interessante da entrevista foi desmitificar os recordes de movimentação que alardeamos como sinal de sucesso. Nossa produção (commodities) cresce, mas a infraestrutura não acompanha.
 
Logo, a carga vai ser exportada de qualquer forma e, vamos aumentar o volume exportado, mas custando mais caro. O que deveríamos estar medindo e informando são os custos da operação, e não apenas os números absolutos... O que nos limitará será justamente o custo: exportaremos a ineficiência enquanto a margem do produtor permitir.
 
E, por fim, o trabalho da Ceportos, cujo esboço de relatório começou a circular entre aqueles que trabalharam, dentro e fora da Comissão, como colaboradores da iniciativa. A opção de concessão das administrações portuárias não foi olvidada no projeto da Comissão, mas decidiu-se criar a figura dos “portos estratégicos” para blindar esses complexos da eficiência da iniciativa privada. Como projeto, rogamos que tenha uma discussão maiúscula no Congresso, como tivemos no PL 8/91, e que essa trava seja afastada para que não condenemos os principais portos do país ao atraso e ineficiência.
 
*Thiago Miller, advogado especializado em Direito Marítimo, Portuário e Regulatório