Fonte: A Tribuna On-line / Gesner Oliveira*
Das preocupações concorrenciais, a questão que mais gerou preocupação no Cade foi a integração vertical. Tais integrações podem envolver importadores, exportadores, armadores e operadores logísticos
No final de setembro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) lançou uma versão atualizada do seu caderno sobre o “Mercado de Serviços Portuários”, cuja última edição era de 2017. A publicação atualizada adicionou 36 novos Atos de Concentração (ACs) e seis Processos Administrativos (PAs) julgados até dezembro de 2023. Desse modo, o referido caderno passou a mapear um total de 117 ACs e 18 PAs desde 1999.
Da análise consolidada da jurisprudência do órgão, alguns aspectos merecem destaque. Um deles é que a grande maioria (101, ou 86,32%) dos casos que foram julgados no período foram aprovados sem restrições, enquanto apenas cinco casos foram aprovados com restrições. Somente um foi reprovado, mas por problemas concorrenciais envolvendo os mercados relevantes de distribuição e revenda de combustíveis – isto é, sem relação com serviços portuários. A elevada taxa de aprovação de casos no setor está em linha com o que se observa da atuação geral do Cade.
No que tange às definições de mercado relevante de produto, o Cade destaca que nos terminais portuários as atividades de movimentação de cargas e de armazenagem são ora analisadas como mercados distintos, ora como um único mercado. Em qualquer hipótese, a delimitação considera o tipo de carga: granéis sólidos, granéis líquidos, carga geral não conteinerizada e carga conteinerizada. Isso porque há fatores que dificultam ou impossibilitam a substituição de serviços portuários a depender do tipo de carga.
Já com relação à dimensão geográfica, a jurisprudência indica que a concorrência pode se dar no âmbito de um porto (intraporto) ou entre diferentes portos (interporto). No entanto, o caderno destaca que o Cade tem visto com cautela a possibilidade de concorrência interporto, tendo em vista os switching costs (custos com a mudança de instalação utilizada) do armador na escolha dos portos, as facilidades marítimas e terrestres (calado, berços, acessos, equipamentos etc.), a administração portuária (estrutura, marketing etc.) e as vias de acesso para o dono da mercadoria. Está em curso no DEE um estudo específico sobre o tema.
Com relação à aferição de poder de mercado, o Cade tem estimado as participações de mercado ora em termos de capacidade instalada dos terminais portuários, ora em termos da utilização efetiva da capacidade desses terminais. Segundo o estudo, não se pode afirmar que há predominância de algum desses critérios. Sobre barreiras à entrada, a jurisprudência do Cade é escassa: apenas seis ACs trataram explicitamente desse aspecto do mercado, sendo apenas dois desde 2017. Já em relação à análise de rivalidade, o caderno destaca que o critério de capacidade ociosa dos concorrentes tem sido o mais utilizado.
Das preocupações concorrenciais, a questão que mais gerou preocupação no Cade foi a integração vertical. Tais integrações podem envolver importadores, exportadores, armadores e operadores logísticos e, a depender da estrutura do mercado, gerar importantes eficiências ou aumentar incentivos para condutas anticompetitivas (fechamento de mercado, aumento dos custos dos rivais ou acordos colusivos). O estudo lista 40 casos envolvendo integrações verticais, sendo o tipo mais comum entre a produção e exportação de commodities agrícolas e os serviços de armazenagem e movimentação desses produtos nos terminais portuários. Os casos que exigiram algum tipo de remédio antitruste envolviam integração entre terminais portuários e ferrovias. Eficiências só foram analisadas em quatro ACs, sendo dois mais recentes.
Por fim, com relação às condutas, dos 18 casos julgados pelo Cade desde 1999, os representados foram condenados em 12, sendo que outros dois terminaram com celebração de Termos de Cessação de Conduta (TCC). Desses 14 casos, nove se referem à cobrança de taxas sobre serviços de armazenagem e ao conflito na relação entre operadores portuários e terminais alfandegados situados nas zonas secundárias dos portos. Trata-se de tema polêmico e já tratado nesta coluna envolvendo posições contrárias do Cade, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
*Gesner Oliveira, economista, professor e coordenador do Centro de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV